"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ah e tal o ministro Carneiro da Administração Interna telefonou para a RTP, e disso deu conhecimento ao povo e aos policias, e é inaceitável num Estado de direito democrático um governante pressionar ou tentar condicionar um órgão de comunicação social, e tal, a propósito de um cartoon que nem era sobre os dele, e tal, os que se viram cartoonados [inventei agora] sem dó nem piedade a puxar o gatilho sem dó nem piedade e vai daí meteram um processo em tribunal, e tal, e ficaram desde logo a saber que podem contar com o ministro Carneiro, e tal, porque isso o próprio se encarregou de badalar mais rápido que a própria sombra, que também envolve disparar, e podem ficar lá muito bem descansados nos grupos do WhatsApp e Telegram e nas páginas do Facebook, e tal, a tecerem loas ao Ventas e ao Chaga e que vão matar os pretos e os ciganos e ainda meter na ordem aqueles filhos da puta monhés que andam para aí a trabalhar em trabalhos de merda, e tal, que isso e os relatórios dos fóruns e organizações internacionais que dão conta de um problema sistémico de racismo, xenofobia, homofobia nas polícias portuguesas, ainda antes do Cabrita ser ministro, para o ministro Carneiro são pinares comparado com um cartoon sobre a polícia franciu, e tal.
Marcelo Rebelo de Sousa, leal como um Pit bull, convoca o director-geral da polícia para discutir a reestruturação/ fusão do SEF com a PSP nas costas do primeiro-ministro e do ministro da tutela, em mais uma descarada exacerbação de funções e competências com que tem pautado o seu mandato desde o primeiro dia em que foi eleito, e com vista a condicionar a acção do Governo, ao mesmo tempo que, por interpostas pessoas, Magina da Silva e o moço de recados da Presidência, despede o alegado ministro da Administração Interna duas vezes no mesmo dia com intervalo de poucas horas. O mesmo Marcelo em que António Costa vai votar para um segundo mandato em Belém, a iniciar quando andar entretido com a presidência portuguesa da União Europeia e o Governo em Lisboa em roda livre.
Assim de repente, já tivemos um ministro que se demitiu por causa da queda de uma ponte, onde não era tido nem achado, um ministro que se demitiu por causa de uma anedota de alentejanos, um ministro que se demitiu por suspeitas de fuga ao fisco, que depois se provaram infundadas, e um ministro que foi demitido por ter simulado uns corninhos com os dedos para um deputado na bancada da Assembleia da República. Hoje temos um ministro que nove meses depois, e só depois de um trabalho de investigação jornalística que gerou uma onda de revolta e de indignação nas redes e que trouxeram a reboque os partidos políticos, aparece no Parlamento, inchado que nem um gigante de dois metros, a ser engraçadinho, a ironizar sobre o atraso de toda a gente à defesa da Lei e da Ordem e do Estado de direito e dos direitos humanos, se procurarem bem vão ver que está ao lado de Luther King em algumas fotos nas marchas pelos direitos civis, enquanto a polícia que tutela continua em roda livre, a patrocinar posts no Facebook de organizações clandestinas que fomentam o ódio, o racismo e a xenofobia, pejadas de elementos ligados à extrema-direita. É este senhor, um pantomineiro que não sabendo nada de nada sobre qualquer que seja o tema em discussão consegue perorar durante horas sobre o assunto parecendo a maior sumidade mundial na matéria, que o primeiro-ministro, António Costa, insiste manter em funções.
[Na imagem print screen, de post já apagado, no Facebook da GNR]
No partido onde toda a gente enche a boca com o "exemplo Jorge Coelho" para atirar à cara dos outros quando dá jeito, nove meses passados sobre o assassinato de um cidadão estrangeiro às mãos da "polícia dos estrangeiros", o ministro Eduardo Catita [não é gralha] não só continua alegremente em funções como até recebe delegação de funções do primeiro-ministro, António Costa, para encerrar debates parlamentares, enquanto o Estado, numa confissão de impotência para cumprir e fazer cumprir a lei e zelar pela segurança de todos os cidadãos, nacionais ou não, manda instalar um "botão de pânico" na sala de tortura que o SEF tem na Portela de Sacavém para que os perigosos imigrantes, que são culpados de tudo até prova em contrário, possam recorrer caso se sintam ameaçados, esquecendo-se de instalar também um botão de pânico para o botão de pânico, inacessível quando algemados a uma mesa ou cadeira.
Uma semana passada e o expert em agit-prop empossado ministro da Administração Interna continua a fingir não perceber o que [lhe] está a acontecer e a atribuir culpas à imprensa.
António Costa, "o maravilhoso", "o optimista nato", "o fazedor de impossíveis", "o construtor de pontes", "o coise" assombrado pelos mortos de 2017 e com as eleições no horizonte de 2019, optou por um profissional da propaganda para o Ministério da Administração Interna sem perceber que tantos anos depois do 25 de Abril de 1974, quase tantos quantos o que António Costa, "o maravilhoso", "o optimista nato", "o fazedor de impossíveis", "o construtor de pontes", "o coise" leva de vida política, as pessoas não querem ver os cargos ocupados por marabalistas e chutadores para canto profissionais mas por competentes e profissionais que sabem dar a cara e assumir responsabilidades na hora e dizer "pedimos desculpa, metemos os pés pelas mãos, vamos de imediato corrigir e não se torna a repetir nunca mais, pelo menos enquanto eu [ele] ocupar este cargo". Se António Costa não percebe isto não percebe nada. Nem ele nem o ministro da propaganda a ainda viver no pior dos 80's da vida política nacional, só lhe falta um pin na lapela com a bandeira portuguesa. E alguém devia explicar a ambos o velho ditado português "quem brinca com o lume acorda mijado".
Vimos todos nas televisões o ministro Eduardo Cabrita em acção de agit-prop numa aldeia do interior do país, daquelas que ainda não está deserta, só semi-deserta, povoada pelos que restam, os velhos, a propósito da criação do "oficial de segurança", alguém responsável por dar o alerta e coordenar a retirada da população para um ponto seguro, previamente definido, até que os bombeiros cheguem ou que o fogo passe.
Pergunta o jornalista de microfone esticado "então a senhora se houver fogo a sério traz mesmo a galinha?" e a resposta pronta, claro, tenho de a trazer, porque e tal e tal e tal. E assim ficam os velhos esquecidos do interior, excepto quando são visitados pelo ministro do interior com um cortejo de câmaras de televisão atrás, no interior da igreja ou da colectividade, capitaneados pelo menos velho, a morrer à espera de outro velho que já morreu a tentar salvar uma galinha, um porco, um cão, uma ovelha, um gato ou o periquito na gaiola, a única companhia que lhes resta. Tem tudo para correr bem.
E eis senão quando somos remetidos para o passado dia 21 de Novembro e as perguntas voltam a ser pertinentes:
- Houve um pauzinho na engrenagem da hierarquia de comando?
- As ordens do ministro não foram acatas pelo comando; as ordens do comando não foram acatadas pelo comando no terreno; os operacionais no terreno recusaram cumprir as ordens do comando?
- O ministro Miguel Macedo, sentindo-se desautorizado e sem o controlo da situação, apresentou o pedido de demissão e viu-o recusado pelo primeiro-ministro?
- A face do ministro, desautorizado e menorizado, foi salva por um comandante, "voluntário" para ser imolado?
- Era necessário mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma, daí o aparente contra-senso da substituição do comandante pelo comandante das forças no terreno?
- As contrapartidas para o acto de "voluntarismo heróico" do comandante começam agora a ser conhecidas?
A novidade é um Governo de direita embrulhado com a lei e com a ordem, a juntar às embrulhadas em que esta maioria PSD/ CDS-PP é pródiga. Imagem de marca.
A sério?! Miguel Macedo é ministro da Administração Interna deste Governo, desta maioria que, desde o dia da tomada de posse mais não fez do que violar as regras e ultrapassar os limites, desde os sucessivos Orçamentos do Estado até ao contrato social, ignorando que tem por missão fazê-las respeitar e dar o exemplo, ou foi só ali comprar cigarros e chegou agora?
Miguel Macedo acabadinho de chegar de Marte que não sabe o que foi o 25 de Abril de 1974 nem o significado que a data matém 40 anos passados nem nunca ouviu falar em "margem sul" nem em "cintura industrial" nem em "De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!" nem percebe nada de simbolismos e para quem "a ponte é uma passagem" e nunca uma ligação.
Miguel Macedo que nem sequer é ministro deste Governo, o tal, o que ressuscitou a luta de classes em Portugal: