"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
"Tanto na Europa como nos Estados Unidos". "Vinhos e Licores, Nacionais e Estrangeiros" usava-se nos letreiros das lojas no Portugal macambúzio dos 40s e 50s do século passado. O nacional-parolismo continua em alta.
Bastava estar atento, de véspera, ao que Miguel Morgado e Bruno Maçães diziam e escreviam para saber como ia ser, no dia a seguir, o discurso de Pedro Passos Coelho e para perceber que não tem uma única ideia sua dentro daquela cabeça. A novidade é o aparecimento de Miguel Poiares Maduro na equação e logo com citações na íntegra.
Ao invés de andar por aí, com a complacência dos "jornalistas", a dizer baboseiras ao nível dos comentários nas caixas de comentários dos jornais online, devia o ministro explicar ao contribuinte se o dinheiro do contribuinte, ganho pela RTP com a transmissão dos jogos da Liga dos Campeões, chega para pagar a indemnização a Alberto da Ponte e ao restante Conselho de Administração, ou se a indemnização vai ser paga pelo bolso da incompetência dos ministros do Governo.
É que quando é prejuízo é sempre "o dinheiro do contribuinte" ou "o dinheiro dos impostos dos cidadãos" ou "o bolso dos portugueses" mas, quando toca a lucro, nunca é "o lucro do contribuinte", quando é ganho "o bolso do cidadão" nunca entra na equação, é "uma coisa qualquer" que se esfuma no abstracto.
E se dúvidas ainda houvesse, a RTP não é para ser financeiramente equilibrada e sustentável, o serviço público de televisão nunca foi uma variável da equação, a RTP é para desmantelar e destruir, sair da frente e não atrapalhar [por concorrer em pé de igualdade com] as televisões privadas. A verdadeira face do Governo da direita, eleito em eleições livres e democráticas: ao serviço dos interesses privados em prejuízo do interesse público.
Descontando aquela parte do Conselho Geral Independente da RTP ser de nomeação governamental [do Governo que acha que os juízes do Tribunal Constitucional devem corresponder aos anseios da maioria que os nomeou], em alternativa à nomeação por dois terços da Assembleia da República, "o que não garantia pessoas genuinamente independentes mas antes pessoas de nomeação multipartidária" [não, não estou a gozar], não percebo como é que no affair Liga dos Campeões aparece sempre, mas sempre, em letras gordas os 18 milhões de euros pagos pela RTP e nunca, mas nunca, o quanto a empresa vai ganhar em audiências, as previsões das receitas com a publicidade e com os direitos de retransmissão e resumos, como se Alberto da Ponte, que era o melhor gestor do mundo e arredores, apesar de ter passado a vida a vender Heineken e Schweppes, passasse, em menos de um fósforo, a gestor incompetente e irresponsável.
A ideia não é ter um serviço público de televisão, com qualidade, uma empresa sustentável e competitiva, a ideia é destruir e desmantelar a RTP para dar margem e receita às televisões privadas.
Diz que também está a ponderar a possibilidade de haver igualmente "medidas de discriminação positiva" nos processos de licenciamento de projectos. "Ponderar" que é diferente de adquirido.
E também diz que há a hipótese de "majorar positivamente" as zonas com menos população. "Hipóteses" que é diferente de decidido.
E que "poderá" e "ponderado" e "hipótese" depois, vai definir "uma taxa de comparticipação maior" para os projectos, de forma a captar investimentos nas regiões desertificadas, como se alguém no seu perfeito juízo fosse investir o que quer que seja numa região desertificada de escolas, de centros de saúde, de tribunais, de repartições de finanças e de gente.
[Na imagem estação de metro em Berlim, de autor desconhecido]
Adenda: Também diz que se construíram para aí umas estradas e uns equipamentos públicos, faltaram os aeródromos e os aeroportos malgrado a formação dada para futuros controladores [esta parte digo eu], mas que não serviu para nada disso da coesão nacional e territorial. Serviu para as pessoas se pirarem mais rápido, depois da "hipótese" e do "ponderado".
[*] Fingem sim, porque o trabalho a que se propuseram – desmantelar o Estado, e em particular o Estado social, em favor de interesses privados – ainda não está concluído.
A Direita liberal, e empenhada em tirar o peso do Estado da economia [aqui], avisa que acabou o tempo de investir em escolas - à parte o aumento do cheque aos estabelecimentos privados de ensino, eis algo que ainda ninguém tinha percebido, e avisa que o tempo é de "estímulo à economia", não de subsídio-dependência, que é palavra que não consta no léxico liberal, apesar do desfile diário de "empresários" e de detentores de boas ideias e de patrões de empresas e de patrões de corporações e de investidores, pelas televisões e pelos painéis e fóruns para a descoberta da pólvora, os mesmos desde que Portugal descobriu ouro no Brasil, todos cheios de boas ideias e bons projectos e fé no futuro e no dinheiro que há-de vir do Estado, a bem da economia, da Nação, e da criação de riqueza, que se esmifra em contas no Deustch Bank e outros bancos noutras latitudes, a salvo de algum Chipre que por aí apareça.
Pelo meio a Direita liberal, e empenhada em tirar o peso do Estado da economia, mas preocupada com o desemprego e com os desempregados [também aqui] limpa a sua consciência social-cristã e ganha umas indulgências com uns pozinhos de propaganda, na forma de "apoio ao negócio dos cafés".
O ministro da Propaganda do Governo que, desde o primeiro dia da tomada de posse, adoptou como estratégia deixar cair a conta gotas, cirúrgicas, a informação que mais lhe convém que a comunicação social passe para a opinião pública, como forma de testar a sua aceitação e o seu impacto; o ministro que introduziu o briefing, diário-bi-semanal-semanal-ou-quando-calhar, com a imprensa como forma de passar a informação entre o sector de marketing e comunicação do Governo e as agências contratadas meter a "boa saúde" da coligação a falar a uma só voz, passar a informação do ponto A até ao ponto B, e sem desvios laterais na transmissão da verdade a que temos direito, conseguiu dizer, sem se rir, que "é um acto que configura um atentado a aspectos fundamentais do funcionamento de uma democracia: tentar manipular a comunicação social dessa forma e indirectamente a opinião pública".