"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Em menos de uma semana Luís Montenegro aparece nas televisões a surfar uma rusga policial descabelada num bairro de imigrantes, que nunca dorme, onde é possível encontrar sempre alguma loja aberta, desde a conveniência à quinquilharia diversa passando pela restauração, gente de trabalho, com as contribuições em dia, cujo resultado foi a detenção de um indígena tuga com droga numa algibeira e um canivete na outra, e que ocupou durante uma manhã dezenas de polícias numa rua que não fora a demissão da câmara de Carlos Moedas da recolha do lixo era dos sítios da capital mais aprazíveis para circular.
Luís Montenegro eclipsou-se quando, sem aparato policial, uma unidade de polícia deteve no Parque das Nações sete homens com armas de fogo de calibre 6.35 e 7.35 e várias caixas de munições dentro do carro em que circulavam. É o Parque das Nações, onde um apartamento está por 5.630 €/m2, não vivem 10 num T0, não há monhés, nem dos "qué flô?", só portugueses de bem, ou vistos gold da lavagem de dinheiro, a criminalidade que não faz comichão à direita da lei e da ordem.
Luís Montenegro não aparece no prime-time das televisões para explicar a razão da deslocação de um carro patrulha para acudir a um evento onde 500 hooligans de uma claque de futebol faziam merda dentro de um restaurante. Pirotecnia, insultos, agressões físicas. Escapuliram-se todos, vão agora usar as câmaras de vigilância, diz a polícia.
Em menos de uma semana.
Martim Moniz foi aquele palerma que ia na cabeça da turba numa investida ao castelo, agora de S. Jorge, mais excitado que todos os outros, queria ficar para a história e para a recompensa real como o primeiro cristão a entrar, lixou-se porque, empurrado pela turbamulta que vinha atrás de si, ficou entalado na porta. Entalou-se com éfe grande, literalmente. Corria o ano de 1147. Para a construção da história ficou que, desapegado da vida, se atirou para a frente num acto heróico. Deve ser o primeiro loser da história com direito a nome de porta, a nome de estação de metro, a nome de bairro.
Luís Montenegro em 2024 também vai na cabeça da turba, a cavalgar a percepção de insegurança criada e alimentada pela extrema-direita, na esperança de lhe ganhar o eleitorado, ao invés da atitude pedagógica de desmontar uma narrativa, como competia a um primeiro-ministro com um mínimo de sentido de Estado e um máximo de educação cívica e democrática. Também vai ser empurrado para a frente e morrer entalado. Não vai ficar para a história como o outro, já ninguém vai em histórias de heróis inventados para servir uma religião ou uma política de Estado, quanto muito daqui por uns anos será lembrado como o homem que escancarou as portas à direita totalitária, xenófoba e racista, uma bela medalha para se ter ao peito.
Luís Montenegro conhece a letra do Impressões Digitais dos GNR, "Sinto-me uma fotocópia prefiro o original, Edição revista e aumentada cordão umbilical"?
Primeiro acabar com a manifestação de interesse. As filas para a regularização deixaram de ser visíveis nas portas dos serviços de estrangeiros e lojas de cidadão, a tal "visibilidade" papagueada por Montenegro. Mas os migrantes continuam cá, agora clandestinos, "por no llevar papel", sem contrato de trabalho, tudo apalavrado com empreiteiros e patrões sem escrúpulos, sem casa, sem segurança social, abrangidos pelo contrato colectivo do medo, "correr es mi destino para burlar la ley". A seguir vedar o acesso aos cuidados de saúde gratuitos e universais, só deveres, trabalhar, muito, em empregos de merda que mais ninguém quer, mal pagos, nenhuns direitos a não ser o direito a passar mal. Estava escrito, as notícias eram curiosas, diria mesmo muito curiosas.
O motorista do mini bus, "vai-vem" circuito urbano, era uma motorista. Brasileira. "Pode descansar que quando chegar na paragem eu aviso o senhor para sair".
O varredor da rua era uma varredora. Moldava. "Isso é uma guerra perdida, por mais que limpe está sempre sujo", lanço, depois do "bom-dia". "O que é que o senhor quer? Alguém tem de fazer isto...".
O caixa do supermercado era brasileiro. "Até que horas ficas aqui?", pergunto. "Até às 9 da noite". "Depois vais beber uns copos para limpar a cabeça...". "Depois vou para casa, que tenho a cabeça em água e ainda ficamos cá mais uma hora a repor".
Chego à varanda com um livro numa mão e uma mini na outra ao mesmo tempo que descia o elevador de transporte dos pintores que fazem as obras no condomínio. "Querem uma?", pergunto. "Se faz favor. Ele não, que é muçulmano". "Fica com esta que eu vou buscar outra para mim. São de onde?". "Eu sou da Guiné, ele é do Senegal". "Obrigado, chefe". "Não sou chefe de coisa nenhuma, amanhã à mesma hora".
No restaurante, "Então, oh C, como é que está coisa este ano?". "Está mau...". "Como assim "está mau..." se isto é gente por todo o lado?". "Está mau, tivemos de reduzir um turno, não temos empregados e dos candidatos não aparece ninguém que fale português".
E assim, por causa destes perigosos bandidos que roubam empregos aos naturais, os verdadeiros algarvios, os descendentes daqueles que vieram por aí abaixo atrás de D. Afonso III enxotar o Califado Almôada para a margem sul do Mediterrâneo, não os outros, os descendentes dos marroquinos, argelinos, e outros talibãs que tais, foram a correr votar no partido da taberna, que há-de obrigar os "empresários" a pagar ordenados decentes aos indígenas e meter estes manhosos, ocupadores de território e substituidores de população, na ordem. Amém.
A migrant rests on the sand after arriving in a fiber boat at Las Burras beach in San Agustin, on the island of Gran Canaria, Spain, July 19, 2024. Reuters/ Borja Suarez
Stephani, a 28-year-old migrant from Venezuela, holds her four-year-old son Estefan near a smoldering fire along a dry stretch of the Rio Grande river after arriving at an encampment of migrants searching for an entry point into the United States from the international boundary between Ciudad Juarez, Mexico and El Paso, Texas, April 3. Reuters/ Adrees Latif
A toy is left on the bank of the Rio Grande where migrants cross the river from Mexico into the U.S. in Eagle Pass, Texas, U.S., February 28. Reuters/ Go Nakamura
Irma Yolani Cruz, 31, carries her 1-year-old daughter, Ariana, and her 11-year-old son across the Rio Grande River from Piedras Negras, Coahuila, Mexico, with her husband Jamie Ariel Rapalo, 32, and their other two sons, ages 4 and 8, after a 2 months and 10 day trip, December 21, 2023. Reuters/ Cheney Orr
Asylum seekers wait behind razor wire after crossing the Rio Grande as they attempt to enter the United States in Eagle Pass, Texas, September 27. Reuters/ Brian Snyder
Na primeira página do Il Riformista les beaux esprits se rencontrent em Budapeste, na primeira página do Il Manifesto a ilha de Lampedusa está a rebentar pelas costuras com milhares de migrantes em condições que não aceitamos aceitáveis para animais. Como cantavam os outros nos 80s, "the future's so bright, i gotta wear shades".
A verdade é que aqueles que sobreviveram ao terramoto em Marrocos e às cheias bíblicas na Líbia mais cedo ou mais tarde vão acabar por morrer no Mediterrâneo na demanda pela promised land na Europa.
A Texas state trooper watches as young migrants and asylum seekers walk along concertina wire on the banks of the Rio Grande as they try to enter the US from Mexico in Eagle Pass, Texas. Eric Gay/ AP Photo
Un'immagine che colpisce, che è un pugno nello stomaco. I corpi senza vita di una donna e di sua figlia sulla sabbia del deserto libico, tragico esito dell'estremo tentativo di una madre tra caldo, fame e disidratazione. Sole nell'inferno sabbioso. Ahmad Khalifa/ Al Jazeera