"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quando os manuais de economia ensinam que se deve aumentar a oferta para responder ao aumento da procura, o Metro de Lisboa, empresa pública, vai reduzir oferta para não sobrecarregar trabalhadores, e ainda assim insuficiente, segundo o sindicato. Quando o aumento das frequências, através de mais contratações e compra/ recuperação de material circulante, era a resposta esperada pelos utentes, vão receber de volta 230/ 250 passageiros por carruagem de 165/ 185, números redondos, qualquer coisa que não se resolva com uns funcionários de luvas brancas nas plataformas de embarque, como no metro de Tóquio. A poucos dias do início da Carris Metropolitana e da aposta na mobilidade urbana através dos transportes públicos. Prémio Nobel da Economia para eles.
Parece que o Metro de Lisboa vai passar a ser como o de Londres, Paris, Milão ou Berlim, bancos só ao comprido, junto às janelas, para transportar mais gente, mas o pessoal não quer, quer é mais poltronas e de preferência com encosto ajustável e um banco à frente para esticar os chispes fora da hora de ponta. Até saíram a terreiro comentadeiros cujo único transporte público que conhecem é o táxi, pago à factura pela redacção do jornal, da rádio ou da televisão, agora especialistas encartados em viajar no metropolitano, de pé ou sentado, com conversa m-l da "burguesia" e de encostanços depois de um dia inteiro de trabalho, desconhecendo que um trabalhador fez-se foi para ter força nas pernas, e que é por isso que as casas de banho das fábricas são de rés-do-chão, um buraco vulgo cagadeira, contra os wc das repartições do Estado ou das empresas privadas do terciário, com sanita de primeiro andar, nem perceberem que os 40€ de Lisboa, sem bancos, até são uma vantagem em relação a Londres onde na hora de ponta é mais caro, diz que é a lei da oferta e da procura.
Tirem os bancos ao Metro, metam um palerma no cais de embarque, com um boné à telegrafista dos filmes de cóbois, a dizer "olhó buraco/ mind the gap" ao microfone e isto passa a ser very tipical. Até podem vender t-shirts com sardinhas para os turistas do alojamento local.
Independentemente do ciclo vicioso que é as empresas de transportes reduzirem a oferta e os utentes deixarem de viajar/ usar o transporte público por ausência de carreiras/ circulações e, quanto mais as empresas reduzem, menos passageiros viajam, as empresas de transportes, privadas – cujo objectivo é o lucro, também não reduzem/ ajustam a oferta por dá cá aquela palha, porque lhes apetece ou porque sim, correndo com isso o risco de deixar de facturar, sendo antes a redução, o grosso, feito em função da procura. Aqui chegados há que ter em conta e, posso estar enganado, mas parece que não foi, os ciclos económicos, nomeadamente este último que começou em 2008 nos States e culminou em 211 em Portugal com o pedido de resgate, a intervenção da troika, o governo PSD/ CDS do "ir além da troika" e consequentes falências e deslocalizações de empresas, desemprego em massa, emigração a níveis dos anos 60, desistência de investimento público e fuga do investimento privado para outras paragens, com o único "investimento", entre aspas, a ser feito em Portugal ser a nacionalização pelo Estado chinês, e algum capital angolano, de sectores estratégicos da economia detidos ou participados pelo Estado português e não o investimento feito de raiz – fábricas, indústria, etc. , não havendo com isso a necessária criação de emprego, antes pelo contrário, mais despedimentos – a fórmula mágica da "reestruturação" das empresas, e quem está desempregado não precisa de andar de transporte público para lado nenhum, casa – trabalho – casa, e, quando precisa de se deslocar, procura alternativas que não lhe pesem no parco subsídio de desemprego, também reduzido no tempo e no valor pelo Governo de Dirteita em nome do sacrossanto ajustamento e do desincentivo à malandrice.
Isto é abjecto. Ponto final. O problema é que o problema começa mais atrás, muito mais atrás. Começa nas privatizações cavaquistas, nos 80s, quando se "limparam" as empresas para as tornar mais atractivas para os compradores, que ainda não eram investidores. Na altura em que em todas as ruas abria um café ou uma pastelaria em todas as portas e vãos de escada, montadas com o dinheiro das indemnizações, e quando se deu o boom dos empreiteiros, que empregavam as mesmíssimas pessoas, aquelas que não montaram um café e uma pastelaria, ou porque a indemnização não chegava ou porque não tinham vocação para empregado de balcão ou porque não estavam para aí viradas, para fazer o mesmíssimo trabalho que faziam na mesmíssima impressa antes da privatização, agora sem encargos para a empresa e sem encargos para o empreiteiro, contratos apalavrados e assim. Sobrava sempre para o mesmo, para o contribuinte, vulgo Estado via Segurança Social, que arcava com as pensões de reforma, com os complementos, com os subsídios de desemprego e por aí. Até chegarem agora uns gajos que tratam o Estado como se de uma empresa se tratasse e o querem "limpar" como os pais "limparam" as empresas. E as pessoas para onde é que se viram?
A introdução e adopção da nova bilhética nos transportes públicos, ao contrário do que o Governo parece acreditar e nos quer fazer crer, não se deveu ao desejo de sermos muuuuuito modernos e avançados como o resto da Europa. Não.
Os novos títulos de transporte, e recorrendo só ao exemplo da Área Metropolitana de Lisboa, com o Lisboa Viva em substituição do passe com vinheta autocolante e o Viva Viagens em substituição do bilhete pré-comprado, vendido individualmente ou em carteiras com x unidades e validado a bordo no obliterador, permitem precisamente combater… a fraude, por serem carregados electronicamente e por serem descarregados também por essa via. No caso do passe tradicional, o problema da vinheta fotocopiada e colada no cartão com foto e plastificado deixou de existir, no caso do pré-comprado, o problema do bilhete "picado" ad eternum desapareceu, assim como a fotocópia caseira em cartolina.
Além disso o novo sistema de títulos de transporte, e isto é, a meu ver, o mais interessante, é uma excelente ferreamenta de gestão já que possibilita seguir em tempo quase real o fluxo de passageiros por linha, por carreira, por paragens e por hora, reflectindo-se este acompanhamento em ganhos de produtividade para as empresas e melhor serviço para o utente, e permitir saber, por exemplo, que a carreira x a tais horas sistematicamente vai sobrelotada e é necessário um desdobramento [reforçar com outro autocarro ou um de lotação superior], ou que a carreira y a horas tantas vai sistematicamente vazia, ou quase, e há que proceder a uma alteração da sua frequência [por exemplo, de 15 em 15 minutos para meia em meia hora], ou substituir a viatura por outra de lotação inferior [mini bus], com ganhos ao nível do consumo por km, de conforto para o passageiro, de mobilidade, de facilidade de condução, e mais amiga do ambiente, só a título de exemplo.
E a isto chama-se ajustamento, a empresa a prestar o serviço em função da procura e não, como diz o Governo [?], ou a jornalista [?] a reproduzir textualmente, e sem raciocinar nem fazer o trabalho de casa, a nota de imprensa distribuída pelo Governo, a procura a ser penalizada por via do ajustamento na oferta.
As pessoas vêem-se no desemprego e não têm necessidade de usar o transporte público porque o dinheiro não estica e não precisam de ir a lado nenhum procurar emprego que não existe. As pessoas continuam empregadas ou a viver duma pensão de reforma e vêem o rendimento disponível substancialmente reduzido pela carga fiscal e pelos aumentos dos bens de primeira necessidade, renda da casa, água e luz, e tudo o mais. As pessoas continuam empregadas ou a viver duma pensão de reforma e vêem o preço dos transportes públicos sofrer um aumento brutal na exacta proporção à redução das comparticipações. As pessoas deixam de usar o transporte público para deslocações curtas ou arranjam alternativas mais económicas porque o dinheiro continua a não esticar.
Não há volta a dar-lhe nem maquilhagem governativa que embeleze o quadro negro e a única fraude aqui é o próprio Governo.
A questão que importa é, neste caso concreto, como é que um Governo que acredita piamente na bondade do mercado auto-regulado [ler mercado desregulado] e no capitalismo financeiro, na exacta proporção em que abomina o "despesismo do Estado", via empresas públicas e sector empresarial do Estado [ler o Estado na economia], e que transformou a divida financeira em dívida pública, vai proceder quando os maus da fita, da sua confiança política porque partilham dos mesmos princípios ideológicos, mais não fizeram do que seguir o instinto que o seu fanatismo e fundamentalismo lhes mandou seguir.
Há uma sub-categoria no cinema porno, dentro de outra subcategoria – o porno amador, denominada "wife-swapping" – maridos possessivos e com problemas de erecção, "tratados" por interposta pessoa, a mulher submissa e obediente, objecto sexual às mãos de terceiros [no plural], para prazer voyeurista do marido [não confundir com swing onde a mulher tem papel activo e vontade própria].
É a isto que se referem quando referem contratos swap, não é? Gestores amadores de nomeação política, com o fetiche "administrador de uma grande empresa", ávidos em apresentar resultados que lhe permitam saltar para o privado, e que tratam as empresas públicas como objectos de recreação, com o final em modo bukkake para a cara o bolso do contribuinte.
Dois anos depois do reconhecimento do direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, os barbudos do metro de Lisboa.
E uma vez que enforcá-los ou matá-los à pedrada está fora de questão por ser contra os princípios da "civilização ocidental" e os direitos humanos, que tal cobrir o cartaz com um niqab ou com uma burqa?
[Imagem: o famoso "O Véu de Vénus" de Lucas Cranach, 1532]
Vem um militante de base do partido do Governo anunciar, em primeiríssima mão na televisão, que o Governo do seu partido se prepara «para efectuar fusões entre as empresas de transportes», e toda a gente acha isto normal e encara isto com naturalidade. Diria mesmo com “naturalidade democrática”.
É este acesso a “informação privilegiada” que é possível encontrar em todas as áreas e sectores da sociedade, consoante as filiações e os amiguismos de cada um, que vai contribuindo para minar a centenária República.