"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Um primeiro-ministro que fala de um país que não existe para um país que não se dá ao trabalho de o ouvir, com excepção daqueles que têm de escrever nos jornais e falar nas televisões sobre o que quer o primeiro-ministro diga. É o nosso drama, não é o drama de Luís Montenegro.
No denominado "dia da família" estar na hora do jantar na sede de um partido político para comentar a mensagem de Natal do primeiro-ministro, alguns com uma papeleta escrita lida em directo logo no minuto a seguir.
Depois do "ministro" [entre aspas] do Ambiente ter vindo anunciar o desassoreamento do Mondego para evitar as cheias que lhe proporcionaram cinco dias depois ter vindo anunciar a recuperação dos diques no prazo de dois meses, António Costa, que tem uma paixão pela saúde, veio ele próprio anunciar o desassoreamento do Serviço Nacional de Saúde, num caso peculiar de primeiro-ministro do Estado laico a fazer "mensagens de Natal", primeiro ao eleitores e depois aos cidadãos. António Costa tem a noção de que mais tarde ou mais cedo a direita vai regressar ao poder e que estes exercícios manhosos de propaganda manhosa são o grão a grão que enche o papo dos eleitores, até à saturação que inevitavelmente há-de dar uma sapatada no PS para entregar o poder de mão-beijada a quem vai acabar por concluir o longo processo de desmantelamento do SNS em prol do negócio da saúde privado? É assim que as coisas funcionam, a entrega da guarda da capoeira à raposa, já deviam estar avisados por um governo de Passos Coelho, do empobrecimento geral na "ida ao pote", a seguir a um governo PS. E bem podem berrar pelo "pai António Arnaut" e pela "herança", metida na gaveta depois do upgrade feito a meias com António Semedo, que o pote é para rapar até ao fim.
[Na imagem Federico Fellini on the set of Satyricon, phorographed by Mary Ellen Mark, 1969]
Haja um primeiro primeiro-ministro que se recuse a participar nesta encenação que dá pelo nome de "Mensagem de Natal" a que ninguém liga a ponta de um chavelho, comentadores, paineleiros e pitonisas incluídas.
Depois do modo "rotunda", em que o ano da viragem é o ano a seguir ao ano da viragem a seguir ao ano da viragem a seguir ao ano da viragem, o modo "Anthímio de Azevedo" [sem querer ofender a memória do dito], com previsões de céu limpo a seguir às pevisões de céu limpo a seguir às previsões de ceú limpo a seguir às previsões de céu limpo.
O Inferno, que Karol Wojtyła confirmou que existia e que continua válido porque Jorge Mario Bergoglio ainda não desconfirmou, serve para receber alguém que se diz católico e crente em "Nosso Senhor" Jesus Cristo, com sinais da cruz a terminar em beijos no mata-piolhos, e que aparece no dia do nascimento de "O Salvador" a dizer mentiras na televisão, certo?
O burlão que ocupa a cadeira de primeiro-ministro viu-se na necessidade de esclarecer que o major Pedro de O Pote Oddity, malgré a sua ambiguidade como Hunky Pedro, é exactíssimamente a mesma pessoa de The Man Who Sold Portugal e da 'trilogia de Berlim', produzida por frau Merkel, e apesar de fingir não perceber que The Rise and Fall of Passos Stradust vai descambar no caos e na anarquia punk social que se adivinha a seguir a dias de cão Diamond Dogs em 2013. É que a audiência começa a perceber que os Young Americans que o acompanham em digressão não são tão young quanto isso, já davam espectáculos no Chile em 1974. Pedro [in]Sane.
Ainda sou do tempo em que Pedro Passos Coelho, por oposição ao antecessor, era a next big thing da governação só porque tinha boa figura, uma óptima tonalidade de voz – à qual nunca subia os decibéis nem alterava o pitch, porque não usava teleponto, e nem sequer tinha uma coisa que aqueles que o incubaram descobriram agora ter: dificuldade de comunicação.
E aquela bandeira nacional na lapela… oh Deus, a bandeira nacional… depois do trabalho que Luís Filipe Scolari, um brasileiro, teve para pôr um povo inteiro a amar o seu símbolo, da soberania da República, da independência, da unidade e integridade de Portugal, como reza a Constituição, vem um impostor, um português, e deita tudo a perder…
Conceitos de democratização, conceitos de reformismo, conceitos de núcleo, conceitos de privilégio, conceitos de injustiça, conceitos de iniquidade, conceitos de transformação. E por aí. Continuamos a viver em realidades paralelas. «Por enquanto não há grande perigo», uma alegoria.
Ainda sou do tempo em que passávamos o Natal descansados.
Era criança e lembro-me, começava mais ou menos por estas alturas, horas seguidas de imagens a preto-e-branco de gravações com origem na Guiné em Angola e em Moçambique, com mensagens natalícias das nossas tropas no “Ultramar”: “Para a minha namorada/ esposa, pais e restante família, votos de Feliz Natal e um Ano Novo cheio de prosperidades”. Todas diferentes, todas iguais, eram eles quem encorajava os que cá ficavam, e era “verdade” porque apareciam na televisão.
A mesma fórmula, agora de “lá” para “lá”: um site norte-americano de apoio às tropas no Afeganistão e no Iraque, com mensagens das namoradas/ mulheres – sinais dos tempos – em lingerie e poses eróticas.
Como tive mais que fazer – leia-se: ir degustando umas iguarias que sucessivamente me iam colocando à frente – só hoje vi a comunicação de Natal do primeiro-ministro.
A comida estava boa, o vinho era óptimo, a conversa nunca mais acabava. Ou antes, acabou há bocado. O Natal cá em casa acabou hoje depois de almoço.
Vem a este prelúdio a propósito da mensagem de Natal do nosso Presidente do Conselho. Como a televisão esteve sempre off, só há bocadinho tive acesso a um resumo da prédica.
Só (!) o desemprego a estragar o centro de mesa. O défice abaixo dos três por cento; o crescimento económico próximo dos dois por cento; mais alunos nas escolas; as Novas Oportunidades; a sustentabilidade da Segurança Social. Uma alegria! “Foi um ano de recuperação e de resultados positivos” e a economia “prossegue de forma consistente uma trajectória segura de crescimento”; Sócrates says.
Mas então porque é que não fico a pular de contente? Porque é que este discurso me soa a masturbação de “aquecimento”?