"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Mais de metade destas operações e rusgas, agora pela Europa, são show-off para alimentar telejornais, para mostrar que está tudo sob controlo. Lei e Ordem, bad boys, bad boys, what you're gonna do, what you're gonna do when they come for you [repetir] e, ao mesmo tempo, manter um certo stress e clima de tensão no ar, bom para abrir as mentes a medidas securitárias, invasoras da privacidade, suspensivas das liberdades e garantias. "Actos Patriotas" e assim.
Depois de na véspera não ter abortado um atentado terrorista no coração da Europa com mais de uma centena de mortos, “A polícia abortou atentado terrorista no sítio tal”, em todos os telejornais e em todas as primeiras páginas. Detalhes nenhuns, apenas que ia ser letal, bué letal.
Depois de na véspera não ter impedido um bando de terroristas de levar a cabo um atentado com mais de uma centena de mortos no coração da Europa, “Polícia desmantela célula terrorista”, em todos os telejornais e em todas as primeiras páginas. Detalhes nenhuns, apenas que foi mesmo mesmo mesmo no minuto antes de atentarem. Ou ainda 12 detidos, dos quais 11 foram libertados. O 12.º é daqui a mais dois ou três dias e já ninguém se lembra.
Não é só o ISIS que se alimenta do medo, o poder democrático-ocidental também.
Eu ouço é as pessoas falarem à boca pequena que no trabalho não falam de política “porque o patrão…”; uma variante da máxima salazarenta “a minha política é o trabalho” onde também consta uma alínea “o calado vai longe”. Ou as pessoas dizerem que sindicalizado só se for a pagar as quotas “lá” no sindicato, deduzir automaticamente na folha salarial não “porque o patrão…”. O patrão.
O PS da luta pela liberdade, que José Sócrates invoca quando lhe convém, assina hoje no Público uma página inteirinha e mais um pedaço de outra. Para ler com atenção.
«Não posso ficar calado perante alguns casos ultimamente vindos a público. Casos pontuais, dir-se-á. Mas que têm em comum a delação e a confusão entre lealdade e subserviência. Casos pontuais que, entretanto, começam a repetir-se. Não por acaso ou coincidência. Mas porque há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa história, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE. Casos pontuais em si mesmo inquietantes. E em que é tão condenável a denúncia como a conivência perante ela.
Não vivemos em ditadura, nem sequer é legítimo falar de deriva autoritária. As instituições democráticas funcionam. Então porquê a sensação de que nem sempre convém dizer o que se pensa? Porquê o medo? De quem e de quê? Talvez os fantasmas estejam na própria sociedade e sejam fruto da inexistência de uma cultura de liberdade individual.
Sottomayor Cardia escreveu, ainda estudante, que “só é livre o homem que liberta”. Quem se cala perante a delação e o abuso está a inculcar medo. Está a mutilar a sua liberdade e a ameaçar a liberdade dos outros. Ora isso é o que nunca pode acontecer em democracia. E muito menos num partido como o PS, que sempre foi um partido de homens e mulheres livres, “o partido sem medo”, como era designado em 1975. Um partido que nasceu na luta contra a ditadura e que, depois do 25 de Abril, não permitiu que os perseguidos se transformassem em perseguidores, mostrando ao mundo que era possível passar de uma ditadura para a democracia sem cair noutra de sinal contrário.»