"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Margem sul, Corroios, Seixal, DOC - Denominação de Origem controlada Comunista, sete da manhã, um bando distribui a Folha Nacional do Chega a quem arriba à estação do comboio, numa azáfama de reabastecimento do pasquim por comercial ligeiro estacionado ali mesmo ao lado. E isto sim é a Grande Substituição, não na teoria da conspiração mas na prática. Não se cuidem não.
É necessária pedra e cimento para a construção do aeroporto e da nova travessia do Tejo; advinha-se mais uma razia na Serra da Arrábida, à semelhança do que aconteceu para a construção da Expo 98 e da Ponte Vasco da Gama.
É necessária mão-de-obra, de preferência barata, para levar a cabo os empreendimentos. Adivinha-se mais uma leva de imigração, a maior parte ilegal. Acaba-se a euforia das obras e ficam por cá; aos caídos e sem futuro. Mais bairros de lata, mais exclusão social, mais miséria. Acabam por nascer aqui os filhos. Nem são “de lá”, nem são “de cá”; mais violência e insegurança.
Agora chamem-me negativista, racista, xenófobo, pessimista; o que quiserem. Depois não digam que não falei no assunto…
Como aqui já havia sido referido, a concretizar-se esta notícia, «A terceira travessia do Tejo poderá ser debaixo de água: o estudo encomendado pela CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) sobre o novo aeroporto vai analisar a viabilidade de a terceira travessia se realizar no eixo Beato/Montijo. (…)foi contratado um consultor internacional, cuja identidade não revela, para avaliar se é viável deslocar a terceira travessia do corredor previsto pelo Governo - Chelas/Barreiro - para o corredor Beato/Montijo.» (Ler na íntegra aqui). estamos perante mais um duro golpe nas aspirações a uma boa qualidade de vida, pelas populações da margem sul em geral, e em particular, por aqueles que habitam os concelhos do Barreiro, Almada, Seixal, Setúbal e Palmela, e que, diariamente, sofrem com os constantes engarrafamentos na Ponte 25 de Abril.
Fazer depender a construção da ponte Chelas-Barreiro da localização do novo aeroporto ou até da linha ferroviária de alta velocidade não é politicamente honesto. Uma ponte ou um túnel Beato-Montijo não invalida a construção de outra ponte ou de outro túnel no eixo Chelas-Barreiro. São coisas totalmente diferentes; nada têm a haver uma com a outra. Uma vai servir um aeroporto; a outra vai servir a população de um distrito em particular, e de um ponto de vista mais vasto, todo um país.
Post-Scriptum: Para a coisa ficar completa, há que acrescentar a necessidade de outra travessia do Tejo – a ligação Trafaria-Oeiras.
Quando é que as Câmaras da margem sul percebem a necessidade de se organizarem, de modo a formar um grupo de pressão sobre o poder político central, para a resolução destes problemas?
«Estudo da CIP sobre o aeroporto em Alcochete vai propor nova ponte Beato-Montijo. Nova localização da terceira travessia do Tejo permite menos 30 por cento de custos. Opção por Alcochete pode antecipar conclusão do aeroporto para 2015.
(…)
Nas contas do coordenador do trabalho na parte de infra-estruturas de transportes, José Manuel Viegas, a deslocalização da terceira travessia do Tejo permitiria “poupar quilómetros significativos” na construção, que custaria assim 70 por cento do total previsto (1, 7 milhões de euros). Enquanto a ligação Chelas-Barreiro tem 8, 5 quilómetros de extensão, uma ponte entre o Beato e o Montijo teria pouco mais de cinco quilómetros. (…)»
Público, hoje.
Não questionando a lucidez do estudo; quer quanto à localização do aeroporto, quer em função dessa localização, a construção de uma nova travessia do Tejo; é legítimo questionar, fazer depender a construção da ponte Chelas-Barreiro da opção para a localização do novo aeroporto. Estamos a falar de coisas completamente diferentes. Passo a explicar: O grosso do fluxo automóvel que provoca os diariamente infindáveis engarrafamentos na A2, desde a baixa de Corroios – às vezes desde o cruzamento do Casal do Marco – até à ponte 25 de Abril, tem origem no trânsito proveniente do Barreiro e zonas envolventes, e, em menor (cada vez menor) escala, da zona da Caparica, pelo que outra opção devia já estar em cima da mesa – a ponte Trafaria-Oeiras –, em simultâneo com Chelas-Barreiro.
“Tempo é dinheiro”, sempre ouvi dizer, e aqui as contas são fáceis de fazer. Ao tempo que milhares de pessoas provenientes do concelho do Barreiro e da zona da Trafaria e Caparica, perdem todos os dias, para entrar em Lisboa, somem-se os gastos em combustível, as emissões de CO2, e os efeitos sobre a saúde e sobre a produtividade pelo stress acumulado. Além disso, se o Governo anda desesperado por mostrar obra feita, tem aqui duas boas opções. Fica bem na fotografia e o povo agradece.
Não me parece é que seja legítimo continuar a castigar as populações da margem sul, fazendo depender a melhoria da sua qualidade de vida de opções terceiras, como por exemplo um aeroporto.
By the way, já era mais que tempo de as Câmaras em questão – Almada e Barreiro –, agora que são governadas pela mesma cor política, se organizarem como grupo de pressão para se resolver esta questão de uma vez por todas.