"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Luís Montenegro diz que partilhou valores universais no funeral do Papa. Tipo ser sonso e dissimulado, arranjar esquemas manhosos para ganhar a vidinha numa nebulosa entre poder político-partidário e empresas privadas, esquivar-se a dar respostas, mentir com quantos dentes tem na boca.
Marcelo, o parolo: fiquei ao lado deste, à frente daquele, atrás do outro. Marcelo, o chibo: pude ouvir a conversa entre Trump e o presidente da Eslovénia e falaram disto e falaram daquilo.
Dois governos de maioria absoluta depois - um de incidência parlamentar, outro de maioria parlamentar, e um de minoria absoluta e por favor, dito de outra maneira, no último ano de mandato Marcelo descobriu os "becos, de natureza pessoal e ética, que não têm saída, que não sejam as eleições". Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
António Costa, por ter menos de 41 mil euros no banco e por isso estar dispensado de declarar qualquer conta à ordem, foi alvo de uma ataque cerrado da parte de ilustres - anteriormente conhecidos por "barões, comentadeiros, conhecidos e anónimos do PSD. Um fartote nas redes.
Luís Montenegro usou cinco contas distintas, todas abaixo dos 41 mil euros, para comprar uma casa no valor de 116 mil euros, o silêncio total. Se calhar ainda é elogiado pela "engenharia financeira."
O Ministério Público, que avançou com uma investigação a Mariana Mortágua por alegadamente violar o regime de exclusividade pelos escritos que publicava num jornal, nunca ouviu falar da chico-espertice que é Luís Montenegro receber avenças de entidades privadas enquanto primeiro-ministro de uma empresa que não era dele por ter vendido a quota à mulher com quem vive em comunhão de adquirido.
Marcelo, que aparecia a cada 5 minutos em todos os telejornais para comentar todos os assuntos da governação em temas onde nem sequer o ministro da tutela aparecia e que achou gravíssimo um assessor ter atropelado um vidro no ministério com uma bicicleta, acha agora natural Luís Montenegro ter na folha o pagamento de várias empresas para a sua morada e número de telemóvel.
Luís Marques Mendes, o candidato presidencial de Luís Montenegro, na calha para suceder a Marcelo, que enquanto comentadeiro na televisão do militante n.º 1 do PSD nunca se coibiu de surfar e amplificar a onda anti-Costa com origem na Santa à Lapa, agora acha uma irresponsabilidade a queda de um governo minoritário por causa do PRR e da "incerteza europeia e mundial", questões que não se colocavam ao governo de maioria absoluta PS, sem PRR para executar e sem guerra na Ucrânia, só certezas.
Marcelo, que na falta de tocar às campainhas andava feito criança pelo beco dos Távoras, pela máquina multibanco na Rua de Belém, a calcetar a esquina dos pasteis de Belém com os calcanhares, fez saber à televisão do militante n.º 1 que está irritadíssimo com Luís Montenegro, não pelas trafulhices que todos os dias vêm a público mas por não lhe ter comunicado que ia falar ao país. O nome do meio de Marcelo é Cardinali.
Agora que dezenas de obras no PRR foram adiadas porque não há empresas a responder aos concursos públicos há uma justificação para a causa de cada coisa e Marcelo deixou de aparecer a cada 10 minutos nos telejornais a pedir celeridade e agilização para não se perder o rico dinheirinho que tanta falta faz à economia e ao país, criando a percepção de que tudo se devia à inércia e à inépcia socialista e geringonça. É a direita que com a cumplicidade da comunicação social acéfala é perita em perita em criar percepções na opinião pública com reflexos nos sentidos de voto, a mesma direita que anda há meses laboriosamente a moer com a insegurança e crime como se isto fosse o O.K. Corral em Tombstone, Arizona.
Os conselheiros de Estado vão dizer ao Presidente da República, a pedido deste, se deve ou não convocar um Conselho de Estado para se aconselhar com os conselheiros de Estado sobre um pedido feito por um conselheiro de Estado. Esta coisa é professor catedrático de Direito, e esta coisa não tem pejo em truncar as funções presidenciais e as competências do Conselho de Estado para responder à agenda de ódio de um partido populista de extrema-direita. E foi nesta coisa que mais de metade do Partido Socialista votou para um segundo mandato, a mesma mais de metade que tem problemas com o "pensamento político" de putativos candidatos presidenciais.
A saudade de Marcelo "do tempo em que era feliz" chama-se "democracia parlamentar constitucional" onde o Presidente não governa e o Governo responde perante o Parlamento. A ironia de tudo isto é que foi preciso um primeiro-ministro do mesmo partido político do Presidente para Marcelo cair na realidade, dito de outra maneira, meter Marcelo no seu sítio. Um primeiro-ministro saído do núcleo de outro primeiro-ministro que conhecia Marcelo de ginjeira, o tal "protagonista catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes ou num catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político". E Costa, tem saudades de Marcelo?
Temos Marcelo, o que aparecia todos os dias a todas as horas em todas as televisões a comentar assuntos de todos os ministérios. As pessoas nem sabiam quem era o ministro mas lá estava o Marcelo a largar postas sobre matérias que não eram da competência do Presidente. Temos Marcelo, que convoca Conselhos de Estado por tudo e por mais um par de botas, alguns com a ideia implícita de pressionar a oposição, outros com o fim de pressionar o Governo, como se o Conselho de Estado fosse uma segunda câmara do Parlamento. Temos Marcelo, o que não se inibe de publicamente pedir a demissão de ministros em situações em que o ministro nem sequer foi tido nem achado, nem pouco mais ou menos, como se o Governo respondesse perante o Presidente e não perante a Assembleia da República. Temos Marcelo, o que dissolve governos com maioria parlamentar por causa de um chumbo orçamental exacerbando as suas competências constitucionais. E temos o Donaltim de Marcelo que no jornal do militante n.º 1 do partido de Marcelo e na FOX News do partido de Marcelo - SIC Notícias, aparece com a maior cara de sonsa preocupada com "Gouveia e Melo a entrar no palácio de Belém com o país sem um Orçamento aprovado. O que fará? Forçará um novo OE? E se Montenegro e Pedro Nuno não se entenderem, obrigará o líder da AD a sentar-se com Ventura ou demitirá o Governo sem eleições? Voltaremos aos governos de iniciativa presidencial?". O título do post esteve quase para ser "Não ter a puta da vergonha na cara é isto".
Marcelo a sair de um evento com o braço por cima da beata Maria de Belém recusa comentar a alegada candidatura do almirante à Presidência. Melhor imagem da miséria a que chegámos nestes 50 anos de democracia não podia haver. O pior do PS de braço dado com o pior do PSD, que podia muito bem ser o melhor da União Nacional. 40 anos depois temos os militares de regresso à vida política activa. E também foi para isto que se fez o 25 de Abril.
O Correio da Manha [sem til] dá conta que "Luís Capela perdeu a carpintaria nos incêndios. Vítimas ainda não foram ressarcidas do prejuízos nem sabem quando o serão". Alguém, que não os próprios, ainda se lembra disto? E foi só em Setembro... Mas agora Marcelo vai aparecer todos os dias nos telejornais a falar sobre o assunto e vai amiúde visitar os locais como forma de pressionar o Governo. Ou não. E nem é pelo Presidente durante um Governo PS e o Presidente com um Governo da sua cor política, é pela velhacaria para com as populações, usadas sem pudor como armas de arremesso político.
A morte de uma grávida a caminho do hospital numa ambulância motivou a queda de uma ministra, depois de dezenas de horas com directos nas televisões e intermináveis comentários de especialistas - do palerma Ferrão ao chalupa Zé Gomes passando pela picareta falante mano Costa, sobre a degradação do Serviço Nacional de Saúde, o caos nos hospitais e o caralho. Isso foi antes do dia 21 de Março de 2024. Depois foi-se embora a irresponsabilidade socialista e veio o "sentido de Estado" AD. Agora morrem seis pessoas à espera de uma ambulância no espaço de uma semana e é o Amorim no Manchester, o dilúvio universal em Valência, interrompido pela goleada dos lagartos ao City, é as eleições na América e o regresso do homem cor-de-laranja. Montenegro, agora alçado ao poder, diz que "não temos a certeza de que as mortes foram causadas por falta de assistência", ele que na oposição tinha a certeza de tudo e de mais alguma coisa e até em três meses ia resolver a coisa de que tinha a certeza. Marcelo II, de cognome O Velhaco, na FOX News, também conhecida por SIC Notícias, para os pés de microfone, escolhidos a dedo pelo menor coeficiente de inteligência para desempenharem a função de jornalista, sai-se com um "eu não gosto de falar de problemas específicos da governação" . A puta da lata! Ou não ter a puta da vergonha na cara é isto. Só morreram seis pessoas à espera de uma ambulância, "qual é a pressa?", como diria o outro que agora se olha ao espelho e se vê com cara de Presidente . Ainda se fosse um badameco qualquer à sopapada dentro do ministério do Galamba na ausência do ministro, aí o caso já piava mais fino e motivava uma saída do velhaco para comunicar um ralhete ao Governo na abertura do telejornal. Isto não é a morte de seis cidadãos, isto é a morte da decência. Da decência em política e da decência em jornalismo.
Em vez da gestão do silêncio e do soft power fazer barulho, muito barulho, de forma a que parecendo estar a ajudar entalar o Partido Socialista no affair Orçamento do Estado. Marcelo Rebelo de Sonso. Parabéns a quem cunhou o nome.
Não, o problema não é o desaparecimento dos ministros e ministras deste Governo com a sua incompetência escondida atrás de silêncios ensurdecedores, não. O problema é o eclipse do sonso fala-barato que se senta na cadeira de Presidente, de emplastro dos ministros e do Governo de António Costa a homem invisível com a língua comida pelo gato. Não é Presidente de todos os portugueses, é Presidente da cúpula do partido a que pertence.
Em comunicação ao país, com Marcelo ao lado e com o olho no eleitorado do taberneiro, na campanha eleitoral permanente em que se empenharam desde o dia da tomada de posse, Luís Montenegro que há interesses nos incêndios, que quer pulso firme nos incendiários, e até vai falar com a Procuradoria. Vai falar com a Procuradoria. Com Marcelo ao lado. Às malvas a separação de poderes. Imaginem o Montenegro, os minions da direita radical de plantão às redes, os palermas na coluna Opinião no Observador, se fosse um governo "socialista".