"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
E porque é que em Mao nunca ninguém toca e os seus mais de 70 milhões de mortos ficam sempre convenientemente escondidos, caídos no esquecimento?
E porque é que mais de metade do PS e do PSD, ministros e secretários de Estado, dirigentes do "sentido de Estado" e da marcha do balão e do "arco da governação" vão passando pelos intervalos da chuva sem que os mais de 70 milhões de cadáveres lhes pesem na consciência?
E se em Berlim, frente ao Reichstag, houvesse uma gigantesca foto de Hitler a vigiar a praça, como a de Mao a vigiar Tiananmen?
Na Alexanderplatz ou na Potsdamer Platz em Berlim existisse uma foto gigantesca de Adolf Hitler, e se todos os governantes e chefes de Estado de visita à Alemanha tivessem de passar pelo ritual de depositar uma coroa de flores no mausoléu do Führer a respeito da realpolitik e da pujança económica da Alemanha?
Celebremos pois os 120 anos do nascimento do maior genocída da história, com discípulos, directos e indirectos, espalhados por tudo o que é lugar de decisão e função governativa, na Europa do séc. XXI, mui liberal e seguidora das regras do mercado:
«Depois de ter conquistado a China em 1949, o objectivo secreto de Mao era dominar o mundo. Ao perseguir este sonho, fez morrer 38 milhões de pessoas na maior fome da História. Ao todo, mais de 70 milhões de chineses morreram durante o período de governação de Mao - e em tempo de paz.»
Entre 1958/ 1960 Mao Tsé-Tung lança a campanha O Grande Salto em Frente: acelerar a colectivização do campo e a industrialização e transformar a China numa sociedade desenvolvida e igualitária em tempo recorde. O resultado, milhões de mortos e a maior fome da história do Império do Meio, é dos livros, como sói dizer-se.
Com a revolta e a ira instaladas no seio das populações e com o Partido Comunista Chinês em “esforço”para conter os danos, depois de uma longa ausência, O Grande Timoneiro reaparece, numa operação de propaganda, a nadar no rio Yangtzé para as objectivas e para as câmaras, e lança a Revolução Cultural, redireccionando a revolta das populações contra os seus camaradas na Longa Marcha e provocando uma purga na cúpula do partido. O homem que causou o desastre foi o homem que mais lucrou com os resultados.
Publicar páginas e páginas de escritos sobre o maoísmo e entrevistas a (ex)maoístas sem nunca abordar, sequer ao de leve, o maior genocída da história da humanidade, Mao Zedong himself, é obra.
E o que é que, ou porque é que, um (ex)maoísta, no ponto mais ocidental da Europa, tem a ver, ou tem de carregar, com os milhões de perseguidos e outros tantos milhões de mortos às mãos de Mao e do Partido Comunista Chinês? O mesmo que um (ex)comunista, no mesmo ponto mais ocidental da Europa, tem a ver com os crimes de Estaline, o que não é impeditivo para que o tema esteja sempre em cima da mesa de trabalho, não é?
Até que um dia, inevitavelmente, se vai ter de levantar o tapete.
Ao contrário do que acontece com Hitler e com Estaline, nunca ninguém refere os crimes de Mao e do maoísmo. Será porque a classe política actualmente no poder andou por lá “à escola”? O maior genocída da história:
Eu também gostei muito da entrevista a Maria José Morgado e a Saldanha Sanches na Pública de domingo.
Principalmente desta parte: «S. S. – Mas éramos estalinistas. Com alguma crítica, mas aceitávamos o Estaline».
Como é que é aceitar e ser crítico ao mesmo tempo, do personagem em questão? Aceitavam o bigode e o chapéu, mas criticavam os mortos, os perseguidos, os famélicos e os milhões de migrantes forçados. Dois em um.
E dest’outra também: «M. J. M. – (…) A China, depois do Deng Xiaoping, também já não é socialismo (…)». Depois?!? Pressupõe que “antes do” fosse. Temos assim Mao, o carniceiro-mor dos comunismos, ao pé do qual o Estaline era um aprendiz, a passar pelos intervalos da chuva, convenientemente branqueado com a ajuda da menina Anabela Mota Ribeiro que conduz a entrevista.
Fosse um ex-PCP, e levava com o Estaline, o Lenine e o Yagoda, mais a fome na Ucrânia e o Gulag, e ainda a Hungria e a Checoslováquia e o Afeganistão, até ao fim da entrevista. Nunca mais se livrava da cruz. Nunca percebi estas cumplicidades jornalísticas para com os ex-maoistas. E são mais que as mães. E enxameiam de alto a baixo os dois partidos do Bloco Central. E ocupam funções governativas. E encaixaram-se em todas as grandes empresas deste país. Talvez seja por isso mesmo. Mais vale cair em graça que ser engraçado.
Camarada Saldanha; camarada Maria José: cantam bem mas não me alegram. Dito de outra forma: vão dar música a outro, que essa já eu ouço desde pequenino.
Adenda: A parte final da entrevista. «S. S. - Acho que nas pinturas há alguma sensualidade, e num casal tem de haver sensualidade. Mas pinta mal - como toda a gente sabe!». Cá para mim já esteve mais parecida com o Robert Smith…