"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
"Os coveiros do Alto de São João estão a fechar sepulturas tão rápido quanto as abriram. Na secção 18, a segunda aberta desde março, 80% das campas são de vítimas de Covid."
O nacional-parolismo de um Presidente da República que convoca um Conselho de Ministros extraordinário para o palácio presidencial, com a presença dos representantes do pontapé-na-bola nacional, para celebrar a conquista de uma final da Champions na capital, e com a exaltação de um dos instrumentos da meritocracia nacional de uso corrente - a cunha, o presidente da Federação é vice na UEFA e o organizador da prova um tuga de gema, Marcelo dixit, o edil Medina aplaude, a companhia aérea de bandeira já está a bombar às portas de Portugal enquanto sobrevoa a paisagem.
O nacional-parolismo do primeiro-ministro que a dedica aos profissionais de saúde, "um prémio merecido" por se terem sacrificado, a vida, a família, as férias, as folgas e os tempos livres, na luta contra a pandemia em defesa da saúde pública, amanhã as pitonisas do Costa explicam a relação entre uma coisa e outra, entre o dever do distanciamento social e manadas de hooligans a consumir álcool e a cuspirem-se uns aos outros;
A nacional-irresponsabilidade da Direcção-Geral de Saúde, convertida em Direcção-Geral do Poder Político, "quantos mais visitantes, melhor será para o país", que venham muitos, os civilizados da bola, que já fechámos os bares do Jamaica e andamos em cima de festas privadas e ajuntamentos nas ruas com pessoas que não sejam da mesma família.
Um grupo de guineenses é suspeito de ter morto um português à facada em Lisboa e um grupo de portugueses é suspeito de ter morto um cabo-verdiano à paulada em Bragança. Um é objecto de comunicados de partidos políticos a preto-e-branco e de organizações de combate ao racismo e de manifs várias convocadas e várias cidades do país. O resto do pagode vai trabalhar de manhã para chegar à noite a casa e espera que a justiça seja feita, funcione, e que a ida e o regresso do trabalho continue a ser um trajecto seguro.
Esta histeria coisa no século XXI da Web Summit mais dez em Lisboa Portugal são os anos 60 e 70 do século passado com os países do norte da Europa nos têxteis, com as marcas pré-globalização, na indústria do norte do país pelos baixos salários e incentivos ficais dados pelo Estado. Antes pelo contrário, espero que finados os dez anos negociados a Summit leve sumiço daqui para fora e não fique por aqui mais cinquenta.
Os gajos que nos 80s gastavam rolos de fita Kores a escrever nas suas máquinas Adler, Brother, Olivetti, Olympia, etc, textos para páginas inteiras do O Independente e o Se7e com a loucura que era o "Madrid me mata" e que rapidamente deram de frosques para Madchester, mais inacessível, não havia low cost, que as elites não se dão com as manadas de povo que leu o que escreveram, e que de lá teclavam os fins-de-semana no La Haçienda, são exactamente os mesmos gajos que em 2019 enchem páginas do Gmail, para as redacções dos jornais que restam, com a Lisboa insuportável dos turistas. Como diriam os camaradas brasileiros, movida no cu dos outros para mim é refresco.
[O facto de no Portugal de 2019 serem os mesmos dos 80s a escrever nos jornais, agora velhos e ressacados, diz muito sobre o reino do jornalismo nacional]
Declaração de princípios: subscrevo na íntegra o manifesto e acho que a dupla Fernando Medina - Manuel Salgado a longo prazo vai ser mais perniciosa para a cidade que a de má memória Krus Abecasis - Tomás Taveira.
Só fecha para férias em Agosto quem tem obrigatoriamente de fechar em Agosto. Por exemplo as fábricas, as famosas "paragens", para manutenção, substituição e reparação. Assim é só um caso de administração, gestão e organização. Má.
Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, sempre com a boca cheia do peso do transporte pessoal privado na cidade e nas emissões de carbono e do incentivo ao transporte público e nos passes sociais subsidiados pelo contribuinte seja ou não morador e/ ou trabalhador na cidade e na defesa do planeta e da qualidade de vida das cidades, utiliza que meio de transporte para chegar diariamente ao trabalho?
Jorge Sampaio, por exemplo, ia de autocarro e ainda devem haver por aí reportagens nos arquivos das televisões onde é visto a ir a pé da Rua Padre António Vieira para a Praça do Município, e Boris Johnson, também por exemplo, imagem de marca de bike para a Mansion House em Walbrook.
E depois, ao dia útil e à data em que escrevo, Sesimbra tem 27 ligações por autocarro a Lisboa [13 idas e 14 voltas] e Palmela tem 34 [17 idas e 17 voltas]. Fazendo as contas a uma média de 55 passageiros por bus e, partindo do princípio que vão todos cheios e atendendo a que Sesimbra não tem comboio [o resto do país também não mas isso é outro capítulo] e ao peso que esses passageiros têm no bolo global das dezenas de milhar de passageiros que se movimentam diariamente na Área Metropolitana de Lisboa, a gente percebe a "bondade" do valor a pagar pelos respectivos passes aparecer a abrir as notícias. Meter as pessoas de Sesimbra, Palmela e Pinhal Novo a subsidiar os transportes públicos de Lisboa em nome do valor do passe pago pelas pessoas de Sesimbra, Palmela e Pinhal Novo é uma ideia simplesmente genial.
Não lhes ocorreu avançar com o preço de um passe de autocarro entre Alcácer do Sal e Setúbal, ou entre Mértola e Beja, ou entre Montemor-o-Novo e Évora, que a "paisagem" não é para aqui chamada a estragar a imagem de Lisboa.
Mas se calhar há uma explicação lógica para tudo isto. Não passando pela cabeça de ninguém que a ideia não tenha sido previamente concertada entre António Costa e Fernando Medina, como a reacção foi adversa às reacções dos avençados de serviço às redes e que foram desde as auto-estradas, hospitais, escolas e universidades no resto do país pagas por Lisboa [juro, está no Twitter], até à solidariedade que é exigida aos países ricos do norte da Europa para com os pobres do sul e que não tem correspondência neste caso concreto que é o de meter os miseráveis do Alentejo a pagar o passe social aos ricos de Lisboa [juro, está no Twitter], até à Lisboa, criadora de 70% da riqueza produzida pelo país, mãos largas a distribuir por Setúbal, Aveiro, Braga, distritos onde as empresas desenvolvem a sua actividade económica e que, para o bem ou para o mal, arcam com as consequências ambientais e o desemprego provocado pelas sucessivas crises, económicas e sociais, o dinheiro que Lisboa arrecada por ser a cidade onde as empresas têm a sua sede fiscal [juro, está no Twitter], entrou em campo o ministro do Ambiente, magnânimo e abrangente.