"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O agricultor vende a perder dinheiro, e abaixo do custo de produção, à grande superfície, para depois ser compensado do prejuízo pelo Estado com o dinheiro dos nossos impostos, enquanto o hiper e o super geram mais-valias astronómicas. "É o mercado a funcionar", diz a direita e dizem os liberais, que são contra a intervenção do Estado e contra a subsidio-dependência e o mal-baratar do dinheiro do contribuinte.
Um dos poucos ministérios de Milei que não foram "afuera", o da Segurança, a primeira medida que tomou foi suspender a democracia com um decreto finalizado "cá se fazem, cá se pagam" de fazer inveja ao partido que se senta à direita do Ilusão Liberal no Parlamento, aquele que celebrou a vitória do alucinado argentino e que agora começou num processo de transumância com o vizinho do lado. Como se diz em português, "és liberal e não sabias", farinha do mesmo saco.
Enquanto as taxas de juro massacraram pessoas e famílias foi sem dó nem piedade, sempre a subir, "ai aguenta, aguenta", a partir do momento em que começou a ameaçar bancos com má gestão de risco foi accionado o travão. Para quem se governa, por quem se é governado ou, como na canção, "the system only dreams in total darkness".
Liz Truss, que quando era pequenina queria ir mais além que a Margaret Hilda, abolir a taxa mais alta de impostos - a dos ricos, reverter o anunciado aumento do imposto sobre as sociedades e o já em vigor aumento da taxa para a segurança social, baixar o imposto sobre os rendimentos, privatizar o que ainda resta do Estado social bife e do NHS, o famoso trickle down de Reagan, quanto mais ricos forem os ricos mais vai pingando para os mais pobres e rebéubéu pardais ao ninho. Não estiveram para aí virados os "mercados", nem com meias medidas, e em menos de um fósforo estava a Libra a ir ladeira abaixo, os juros da divida pública ladeira acima, o caos instalado na City, e os fundos de pensões em risco de falência, anarchy in the UK. A mesma receita que o Ilusão Liberal defende para Portugal e que perante o fiasco saiu a terreiro a clamar que a culpa era da réstia de socialismo que havia no "plano" - um ligeiro aumento das pensões sociais. Um partido que é uma RGA* - Reunião Geral de Alunos de alucinados. Veio o FMI falar em aumento de desigualdades, os "socialistas" Financial Times e The Economist a classificarem o "plano" como a loucura em roda livre, e ainda conseguiu a senhora o pleno de ter todos os tablóides pró Brexit contra si. É obra para um torie. Acossada por todos os lados despediu o bode expiatório, ministro das Finanças Kwasi Kwarteng, como se ninguém soubesse ao que ela vinha e o que se propunha fazer, foi como se o José Freixo tivesse despedido o Donaltim por falar demais e dizer coisas da boca para fora. Não estiveram para aí virados os poucos tories que têm os 5 alqueires bem medidos e que já passaram a fase RGA*, a senhora acabou por se demitir passados longos e eternos 44 dias de Governo e no momento imediato a Libra desata a subir. Como diriam os Ilusionistas Liberais, o socialismo manda nisto tudo.
[Link na imagem "state of the art: minister of silly walkouts"]
Cuba, Venezuela, heróis cool, Che Guevara, blah-blah-blah, os valores liberais na pessoa de um rei do séc. XIX transpostos e assumidos por pessoas no séc. XXI, directamente sem "evolução das espécies".
O excelentíssimo presidente da câmara municipal da antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto é genuinamente pateta ou é só mais uma vítima da silly season e do sol a mais na moleirinha?
Pelo boneco do partido dos bonecos nos Açores ficamos todos a saber que, a vermelho, podia lá ser de outra cor, desde a Índia ao Paquistão, passando pela oligarquia russa e o Irão dos ayatollas, até ao Brasil de Bolsonaro, é tudo socialismo, ao passo que os países nórdicos, a azul, que têm cargas fiscais das mais altas do mundo, sectores públicos pesadíssimos e um Estado social forte, é tudo liberalismo. Para o cinzento a legenda é omissa, se calhar por ser o "lebensraum", palavra proibida, do capitalismo predatório.
O liberal Observador, e porta-voz da alt-right no "tugão", entre outros detido e financiado pelos liberais Luís Amaral, António Carrapatoso, António Alvim Champalimaud, Alexandre Relvas, Filipe de Botton, António Viana Baptista e João Talone, empenhados no desmantelamento do Estado social em favor de interesses privados até a meta Estado mínimo ser atingida, propõe, face à queda das receitas com a publicidade motivada pela pandemia global Covid-19, "um programa específico para o sector, para além das medidas transversais de que já beneficia estabelecidas para a economia e empresas em geral".
As fotos da revolta popular na capital do Chile contra o aumento do preço da tarifa de metropolitano na hora de ponta que levou a que o liberal presidente Sebastián Piñera mandasse para as ruas o exército como força repressora, algo que já não acontecia desde os idos do sanguinário Augusto Pinochet, o ditador que chamou os também liberais Chicago Boys a Santiago do Chile.
Ainda na noite do rescaldo eleitoral o fascista Ventura aparece nas televisões a celebrar o "país que pela primeira vez em 45 anos não teve medo de votar num partido verdadeiramente de direita". Quarenta e cinco anos. É fazer as contas, descontando os anos em que os deputados da União Nacional eram eleitos em votações marteladas, se calhar o fascista Ventura pecou por defeito nas contas, é a primeira vez que é eleito um.
No dia a seguir, quando se soube que "a ciganada toda", como diz o senhor do CDS, votou no Chega, para que o Ventura soubesse que os ciganos não têm medo dele, o cabeça de lista por Beja, com aspecto de cigano e nascido nos últimos 35 anos, aparece com a mesma cartilha dos "45 anos", o tempo que andam a tratar mal o interior do país e o Alentejo. Ele que nasceu sem candeeiro a petróleo, bilha da água e penico na mesa de cabeceira, a ir calçado para a escola, até à faculdade se preciso for, e sem os fundilhos remendados, sem pão com azeitonas na praça da jorna, e sem a carga da GNR a cavalo para reprimir reivindicações de quem queria 5 tostões por dia de ceifa ou de apanha da azeitona ao contrário dos 4 que o latifundiário se dispunha a pagar e, com um bocado de sorte, via pela primeira vez o mar quando fosse metido dentro de um barco para ir combater numa guerra colonial a milhares de quilómetros no outro lado do oceano, em África.
Mas isto é a conversa dos coitados que não têm capacidade de raciocínio para lá do resumo da jornada futeboleira nas páginas do Record ou da telenovela a seguir ao telejornal, antes da Casa dos Segredos.
Cinco anos antes do fascista Ventura se ter sentado no Parlamento pelo voto popular o mui liberal e culto e instruído secretário de Estado de Pedro Passos Coelho, tão instruído que só usava o Twitter em 'amaricano', tinha tuitado que vivíamos há 35 anos em hegemonia socialista, sem a coragem, ou a falta de vergonha, que o fascista Ventura teve em assumir a contagem integral do tempo, como Pacheco Pereira muito bem desmontou.
Mas não é por aqui, que a relação entre fascismo e liberalismo é uma história de amor antiga, ainda mais antiga que os rapazes de Chicago a aplicarem no Chile de Pinochet a teoria económica que os rapazes de Passos Coelho pretendiam aplicar em Portugal, agora asilados no Iniciativa Liberal depois da vassourada de Rui Rio e do stand by a que Miguel Morgado se remeteu.
Passos Coelho um dos vencedores da noite eleitoral ao ter conseguido sentar dois deputados no Parlamento, André Ventura pelo Chega e João Cotrim de Figueiredo pelo Iniciativa Liberal, um "peru menor" que escapou aos jornalistas e comentadeiros com lugar cativo nas televisões.
"Desde a década de noventa privatizaram quase tudo o que havia para privatizar - empresas industriais, bancos, seguradoras, empresas de transportes e de energia, até o tratamento de resíduos.
Liberalizaram o sistema financeiro e a circulação de capitais, resultando no aumento explosivo do endividamento privado.
Desregulamentaram por três vezes as leis do trabalho, facilitando os despedimentos, os horários flexíveis e os contratos atípicos.
Escancararam as portas aos privados na saúde e na educação.
Abdicaram de uma moeda própria, deixando o financiamento do Estado nas mãos de especuladores internacionais.
Agora vêm dizer que o mau desempenho da economia portuguesa nas últimas décadas se deve a falta de "liberdade económica" e ao excesso de intervenção do Estado. A sério?"
Miguel Relvas, da velha liderança do ar pesado e bafiento, sai a terreiro logo no day after a pedir nova liderança e ar fresco para o partido. Podia ser um piada do Imprensa Falsa mas não é. Isto foi de manhã, que à hora do jantar, Miguel Morgado, do mesma agremiação de Miguel Relvas, do circo de sombras por detrás de Passos Coelho, apareceu na televisão do militante n.º 1 aka SIC Notícias a pedir ar fresco e nova liderança para o partido, que ele vai fazer a parte que lhe compete, não sabe nem deixa de saber se é candidato, vai apresentar uma moção e coise, ele que até já meteu mãos à obra e inventou o "cinco para as sete" que só não congrega a direita toda porque o André Ventura se recusou a participar e isso é lá com ele. Não foi ele, Miguel Morgado, quem espantou o fascista Ventura, foi o fascista Ventura que não quis nada com ele. Temos [têm] pena. O André Ventura, esse mesmo, que à noitinha no Prós e Contras na televisão pública teve exactamente o mesmo discurso que o senhor novel deputado eleito pelo Iniciativa Liberal, corrupção, compadrio, sector privado, blah-blah-blah, direito de escolher a escola, saúde privada para todos e que quando Mariana Mortágua falou em "fraude liberal", do Estado a pagar a privados, provocou a mesma reacção nos três, que o João Almeida do CDS também lá estava. E novidades?
Não é por não se calar nunca com o aquecimento global e com as alterações climáticas, que à excepção de meia dúzia de palermas da linha Trump e Bolsonaro é já dado universalmente aceite, que Greta Thunberg é diabolizada e vítima de ataque cerrado a roçar o discurso do ódio, é por meter o dedo na ferida do sacrossanto evangelho do capitalismo neo-liberal quando refere o "conto de fadas do crescimento económico eterno". E isto sim é um ataque ao coração do sistema, ir até ao osso.