"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Esclarecedor. O princípio é o do direito à propriedade privada. Ainda que temporária. O fretador (o Governo; José Sócrates ou o diabo que o carregue) uma vez alugado o avião, decide como bem entender das normas e das regras dentro do espaço da sua responsabilidade. Quem estiver mal que se mude, que vá noutro avião, ou até a nado.
Até aqui nada de anormal. Não fosse o argumento não ser válido para a propriedade privada efectiva (restaurantes, bares e discotecas; por exemplo), onde o proprietário deveria ser livre de decidir o que muito bem fazer da sua casa. E quem estivesse mal que saísse, que se mudasse, ou que fosse jantar a casa.
A isto chama-se cinismo. Mais valia José Sócrates argumentar que, uma vez entrando o avião em céus internacionais, julgar que a Lei da República não se aplicava. Era mais honesto.
Também podemos ver a coisa pela positiva. Pelo lado dos resíduos sólidos: pontas, beatas; piriscas; o que lhe queiram chamar.
É que antes da Lei eram “saltitantes”, como na canção de Luís Piçarra; não havia sítio onde não houvesse uma. Agora têm poiso certo. Às portas dos restaurantes, dos centros comerciais, das gares. Montanhas delas num raio de 2 / 3 metros. Torna a vida mais fácil aos varredores, por economia de esforço.
Agora, porreiro, porreiro, era colocarem uns cinzeiritos nas paredes. Não custava nada; pois não?
sobre a Lei do Tabaco, e que vi intermitentemente:
Guardo aquela altura em que Sá Fernandes instava o director-geral da Saúde, Francisco George a dizer quais são os parâmetros de medição da qualidade do ar: “Diga!”, “Vou-lhe dizer!”, “Diga!”, ”Se me deixar dizer…”, “Então diga!”, “É isso que eu estou a tentar fazer!”; dois a três minutos hilariantes para no final… sair flop.
Francisco George invoca legislação cujos parâmetros se referem à qualidade do ar em geral. Razão para Sá Fernandes: A Lei do Tabaco é omissa relativamente aos parâmetros de medição da qualidade do ar. (Sobre esta polémica ver declarações do bastonário da Ordem dos Engenheiros no Público de hoje).
E o ridículo mata.
Tomemos como exemplo a Gare Rodoviária na Avenida 5 de Outubro em Setúbal.
Estamos a falar de um edifício com cerca de 90 x 45 metros, com 16 metros de altura.
Tem uma porta de entrada / saída para peões, mais 4 portões de entrada / saída para autocarros em cada extremo. Os portões para os autocarros têm cerca de 12 x 6 metros; estamos a falar de uma estação ampla e arejada.
A gare possui 18 pistas; 9 de cada lado, dispostas“em espinha”. Nas horas de ponta é possível encontrar, se não todos, pelo menos a grande maioria deles com os motores a trabalhar; alguns em aceleração induzida porque é necessário carregar os travões de ar. Uma fumarada e uma gazaria insuportáveis!
Estamos a falar de autocarros – a grande maioria – em segunda mão, com 8, 10 ou mais anos de estrada no estrangeiro, principalmente na Alemanha, onde por via de uma legislação ambiental mais apertada, este tipo de veículos têm um período de vida mais curto, após o que são vendidos para o terceiro mundo, perdão, para Portugal.
Fiscalização para medir os parâmetros da qualidade do ar? Só se foi feita pelo SIS, porque nunca ninguém deu por ela! Nem sequer um placard informativo onde seja possível consultar os valores de CO2, à imagem daqueles que existem à entrada das piscinas, onde constam valores do cloro na água.
O Mário escreve que há uma escola com parque de estacionamento privado. Por via da Lei do Tabaco é proibido fumar no parque de estacionamento, que, apesar de ser ao ar livre, é recinto escolar. Como os automóveis são propriedade privada, fuma-se dentro do carro, no parque de estacionamento ao ar livre, em recinto escolar.
“Que tristeza, de Lei!”, conclui. Não estou de acordo. A Lei não é triste. Tristes são aqueles que a elaboraram.
E também não me dá vontade de rir. Os bares e restaurantes também são propriedade privada. Assim como os automóveis na Polónia, que já não fica atrás do Muro de Berlim, e até já pertence à Europa da democracia…
Sempre quis acreditar – e atenção que escrevi “quis”, não escrevi “acreditei” – que a Justiça em Portugal era justa. Que não havia uma Justiça para os “ricos e poderosos” e outra para a restante “maralha”. Ontem esta minha convicção sofreu um sério rombo no casco.
Comecemos pelos “ricos”:
“A lei do tabaco não vai, afinal, ser seguida de igual modo por todos. Os casinos vão ter que aplicá-la, mas com uma alteração importante: combinando-a com a lei do jogo, o que significa com regras mais flexíveis. A decisão foi ontem tomada em reunião do grupo técnico consultivo da Direcção-Geral de Saúde. A associação dos casinos saiu satisfeita.” (Público hoje).
Só um pequeno aparte de um cidadão anónimo não-formado em Direito: desde quando, e com que autoridade, uma Direcção-Geral de Saúde (!) dá pareceres técnicos (!!!) sobre uma Lei da República aprovada em assembleia própria?!
Passemos aos “poderosos”:
Paulo Pedroso moveu um processo cível contra o Estado português, pedindo uma indemnização de 600 mil euros por ter permanecido preso cinco meses no âmbito do Processo Casa Pia, acabando por não ter sido pronunciado. Na primeira sessão que decorreu à porta fechada por decisão do juiz, depôs como testemunha de Pedroso, António Costa. Seguem-se o ministro do Trabalho Vieira da Silva, e os deputados Vera Jardim e Mota Amaral.
“Sobre o facto de o julgamento decorrer à porta fechada, Celso Cruzeiro (advogado de Pedroso) assegurou que o pedido não foi dele, explicando que o processo cível em geral é público” (Público hoje).
Este senhor, se tivesse já não digo bom-senso, que isso é coisa que está mais que provado não impera lá para as bandas da ASAE, mas no mínimo juizinho, estava calado, admitia o erro, invocava o acto como um reflexo, fruto de um hábito enraizado, pedia publicamente desculpas, disponibilizava-se se fosse o caso a pagar a multa, ia à sua vidinha e a coisa já tinha caído no esquecimento.
Porque a sorte deste senhor é, como se usa dizer, sermos um país de brandos costumes; fosse por exemplo em Inglaterra, onde faz escola um determinado tipo de jornalismo ávido de “sangue”, e já tinha à perna uma quantidade de jornalistas a vasculhar-lhe a vida de alto a baixo; um Inferno!
Não se tinham ficado pela foto da cigarrada no casino; se tinha pago o reveillon ou se lhe fora oferecido; se pagava ou não nos restaurantes onde almoça e janta, sozinho ou com a família; as eventuais ofertas e lembranças que recebe; tudo isto posteriormente comparado com as inspecções e os autos levantados pelo organismo que dirige, e arranjavam-lhe um trinta e um tal, que, na melhor das hipóteses, até ao Carnaval, já andava no mínimo a arrumar carros na avenida Luísa Todi.