"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A verdade é que todo o badameco, mais anónimo, menos anónimo, preso e acusado de corrupção, e que alega ter vivido toda a sua vidinha com os frutos do seu honesto trabalho, tem dinheiro para contratar o advogado mais caro do país logo no minuto seguinte. É o que se vê na televisão.
O dia a seguir a Marcelo, Costa e restante tropa fandanga, terem saído a terreiro eufóricos com a captura de Rendeiro, a enganarem-se a eles próprios quando misturam confiança do cidadão na Polícia Judiciária com confiança do cidadão e credibilidade da Justiça, sabe-se que no denominado "Caso PPP" os antigos governantes escapam a julgamento por prescrição de crimes. E agora já não há mais nenhum Rendeiro para capturar.
Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade, parece-me adequado à quadra e a quem vai passar o Natal com a família.
Para limpar a imagem mandam a Judiciária ao aeroporto prender o Rendeiro suplente que há uma semana tinha avisado que ia regressar a Portugal para entregar o passaporte e se apresentar perante um juiz. Como diz o recorte do jornal "Viva o pó azul que produz montanhas de espuma".
Depois de todos termos tido o privilégio de assistir, ao vivo e a cores, às prestações do juiz dos chalupas que culminaram na sua expulsão do ofício pelo Conselho Superior de Magistratura, sem direito a pensão de reforma, a questão que se coloca é: e para trás, das decisões do meritíssimo, das suas sentenças, da justeza da sua justiça quando ainda era um anónimo juiz, das pessoas sem posses para se mexerem nos meandros processuais e com respeitinho ao juiz que mete as pessoas no seu lugar de baixo, há coisas para rever?
Primeiro foi o Chicão, alegado líder do partido de Jacinto Leite Capelo Rego, do caso Portucale arquivado, das escutas que davam um banqueiro a pagar o salário do líder, dos submarinos sem corrompidos em Portugal pelos corruptores julgados e condenados na Alemanha, vir a terreiro que "o sistema judicial está doente".
Dias depois aparece o doutor Rui 'banho de ética' Rio, eleito chefe de facção pelo sindicato dos votos dirigido por Salvador Malheiro, do PSD desde o PPD a acumular casos até ao apogeu no cavaquismo, tantos que para referir tudo era preciso um blogue só dedicado à causa, clamar que "o regime está muito doente".
A lata. Quarenta e tal anos de construção de um monstro emaranhado jurídico, a meias entre PS e PSD com a prestimosa colaboração do CDS, com mais buracos de fuga que um queijo suíço e escapatórias para pesados que uma auto-estrada, chegando ao ponto da contagem de uma data ser passível de duas interpretações. "o sistema judicial está doente". "o regime está muito doente". Adoeceu sozinho. Ou então é tudo culpa do 'gonçalvismo', há muito tempo que ninguém fala nisso.
Ivo Rosa, aquele juiz legalista dos filmes 'amaricanos', que quer tudo by the book, e que a direita do tugão gosta de invocar para mostrar a eficácia e a superioridade do sistema em relação ao nosso, desmonta toda uma acusão feita sem provas - anos e anos nos media "o Ministério Público acredita", "o Ministério Público suspeita", nunca "o Ministério Público tem provas irrefutáveis". E as provas que há foram obtidas de forma ilegal, as que não foram obtidas de forma ilegal são insuficientes, e nas que bastam o crime já prescreveu. É mau demais para ser verdade, mas é. E a verdade é que isto é todo um programa de incompetência, não começou com José Sócrates, é toda uma construção que vem de trás, o caso Portucale arquivado, o caso dos submarinos com condenados por corrupção na Alemanha sem corrompidos em Portugal, por exemplo. É mais fácil julgar e condenar na primeira página do Correio da Manha e é uma irresponsabilidade levar alguém à barra do tribunal na base do "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm", como ainda se fez público. Carlos Alexandre e Rosário Teixeira prestaram um grande serviço ao populismo e ao justicialismo. E a José Sócrates, que saiu lampeiro e sorridente do tribunal a falar em "compensação" e a dar lições de jornalismo aos jornalistas. Isto vai acabar tudo no Tribunal de Justiça da União Europeia com indemnização paga pelo Estado português, que é como quem diz nós, os contribuintes.
Um tipo está caído no chão enquanto é agredido por uma meia dúzia de energúmenos. Socos, com soqueira, pontapés no corpo todo, cabeça incluída, vergastadas com fivela de cinto e pauladas. Depois de satisfeitos, e após uma eternidade, retiram-se. O tipo levanta-se, sabe Deus como, e, aturdido, cai por umas escadas vindo posteriormente a falecer. Conclusão dos advogados de defesa: morreu devido à queda e não às agressões de que foi vítima. Os advogados de defesa gozam com o pagode ou limitam-se a fazer jus ao epíteto "filhos da puta"?
"Carlos Alexandre quer Supremo a avaliar alegada violação do segredo de Justiça de António Costa"
O juiz decidiu remeter para o MP no Supremo uma certidão neste âmbito depois de a Procuradora de primeira instância lhe ter dito que não tinha competência nesta matéria [...]
Violação do segredo de justiça é quando o meritíssimo quiser. Ou era. Ou o excelentíssimo senhor juiz ainda não percebeu o que [lhe] aconteceu com este gesto simples de António Costa a estragar uma carrada de primeiras páginas ao Correio da Manha [sem til] e a pôr fim, ainda antes de começar, ao queimar em lume brando das insinuações e julgamentos na praça pública, ou percebeu e ensaia uma fuga para a frente. O que com toda a certeza não percebeu é que isto cansa, que as pessoas começam a ficar fartas.
Na impossibilidade de depoimento presencial, com suporte vídeo e audio para posteriormente fazer chegar aos media tablóide e passar em repeat na televisão do Correio da Manha [sem til] até ao julgamento e condenação na praça pública no grande circo da justiça, apareceu a lista das perguntas "a que a RTP teve acesso" e "a que a SIC teve acesso". Segue-se o tradicional "o Ministério Pública suspeita".