"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Não passa uma semana que seja, sem que apareça alguém nas televisões e nos jornais, a queixar-se por ter sido obrigado a ir trabalhar com uma doença do arco-da-velha. Nesta saga em que se estão a transformar as decisões das famosas juntas médicas importa reter dois pormenores; não necessariamente por esta ordem:
- O ministro Teixeira dos Santos não pode aparecer impunemente nos telejornais, com um ar de quem chegou ontem de Marte, e, como tal, isto para ele é tudo muito estranho, para dizer que por sua ordem se fez justiça, e a senhora que por motivos de doença grave nem sequer o telemóvel consegue atender, volta para casa, até… nova ordem.
Como propaganda, melhor era impossível – um ministro com coração e sensível aos males dos outros.
Falta Teixeira dos Santos, José Sócrates ou outro – estava a lembrar-me do ministro da Saúde… – vir explicar que esta aparente perseguição ao doente incapacitado só existe porque as pressões vêem de cima, do poder político; a famosa caça às baixas e reformas fraudulentas. E para fabricar estatísticas de que o chefe se vale em conferências de imprensa, vale tudo…
- O silêncio ensurdecedor da Ordem dos Médicos e do seu Bastonário, tão lesto em vir a terreiro botar discurso por tudo e por nada, desde que vá contra a corporação e os famosos direitos adquiridos dessa classe que vive para lá do Olimpo, e que dá pelo nome de médicos. Como se explica que uma junta formada por médicos, avalie em meia-dúzia de minutos o estado clínico de um doente e o mande de volta trabalhar, ignorando os relatórios de colegas de ofício e especialistas na matéria? Não têm confiança nos seus pares? Se é esse o caso, não será da mais elementar lógica fazer uma auditoria ao trabalho e à idoneidade de quem elaborou o parecer?
Entretanto ficamos todos à espera da próxima Junta Médica.
(Foto fanada no Boston Globe)
Post-Scriptum: As pessoas (ir)responsáveis por estas decisões são responsabilizadas, ou não passam de ilustres anónimos?
O bastonário da Ordem dos Médicos afirmou-se indignado por haver médicos que na questão do aborto, são objectores de consciência no sistema público, mas que não o são no privado. E disse estranhar que o Governo não tenha acautelado esta situação quando elaborou a Lei. Esta estranheza de Pedro Nunes soa mais a sacudir a água do capote da Ordem para cima do Governo. A Ordem tão lesta a ser juíz em causa própria quando lhe convém, e a assacar culpas a terceiros – o Governo ou outros – quando não lhe interessa. A Ordem não tem mecanismos para penalizar os filiados que, e até prova em contrário, se regem pela ética e pela moral dos cifrões? O que se assiste é que determinadas práticas são tacitamente aceites há muitos anos; quando caem no domínio da opinião pública, vem a Ordem, via bastonário, indignar-se e verter lágrimas de crocodilo. Vide os casos recentes dos professores com cancro. Eureka! A Ordem dos Médicos descobriu a injustiça e a ilegalidade na constituição das Juntas Médicas. Uma prática de que já é cúmplice desde os tempos de Marcello Caetano. Haverá forma de colocar a Ordem na ordem?