"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Lembro-me como se fosse há bocado, de quando José Sócrates quis acabar com os três meses de férias dos meritíssimos senhores doutores juízes. Eles iam de férias mas não iam de férias, eles tinham três meses de férias mas não eram três meses de férias, era só um mês, como [quase] toda a gente que tem férias. Levavam era buéeeee trabalho para casa e para a praia e para o campo e para o estrangeiro e o coise e assim.
Lembro-me como se fosse há bocado, de quando José Sócrates quis acabar com a figura do "juiz de fora", em vigor desde 1327. Os meritíssimos senhores doutores juízes receberem um subsídio para pagar a renda de casa pago com o dinheiro dos impostos dos meritíssimos senhores contribuintes, alguns a descontarem o tal do dinheirinho que ia para o monte que ia pagar a renda da casa dos meritíssimos senhores doutores juízes sobre um salário mínimo inferior ao subsidio que ia evitar que os meritíssimos senhores doutores juízes perdessem 18% do poder de compra e garantir a independência dos meritíssimos senhores doutores juízes, como o o meritíssimo senhor doutor juiz António Martins, presidente da Associação Sindical de Juízes, explicou na altura nas televisões e nos jornais.
Lembro-me como se fosse há bocado. [h]à política o que é da política, [h]à justiça o que é da justiça.
Parece que ainda há quem com bom senso neste país e um mínimo de respeito pelo dinheiro dos contribuintes, para dar razão a quem resolveu um dia acabar com o escândalo que era o juiz, residisse ou não na localidade, receber um subsídio para habitação no valor de 775 – setecentos e setenta e cinco – 775 euros, no país do salário médio a rondar os €600.
Adenda: Depois do deputado do PSD pela Madeira, Guilherme Silva, ter afirmado, com todos os dentes que em na boca, que a Lei da Finanças Regionais não valia um chavo por ter sido aprovada apenas com os votos do PS, noto aqui um upgrade do “principio Guilherme Silva? «o presidente da Associação Sindical de Juízes, António Martins, limitou-se a dizer que presta a sua “homenagem aos três juízes conselheiros que votaram vencidos pelas razões jurídicas invocadas”» [Negrito meu].
Não encontro aqui nada que não possa (e não deva) ser aplicado a todo e qualquer trabalhador em toda e qualquer profissão. Mas isso agora também não interessa nada, pois não?
É não perceber que para “denegrir” e “deteriorar a imagem dos magistrados perante a população” o Governo não precisa de fazer absolutamente nada. Basta-lhe ficar quieto e mudo e esperar que senhores juízes e os senhores juízes-sindicalistas, na vertigem mediática, venham para os jornais e para as televisões com as habituais declarações e reivindicações.
Estou farto de tentar encontrar uma razão (atendível) para ser o dinheiro do contribuinte a pagar a renda da casa do senhor juiz que já não é “de Fora” nem de nomeação régia.
Todos temos a imagem do juiz-de-hollywood que no filme condena o réu com 10 dias de prisão e uma multa de mil dólares. O réu reclama e o juiz face à impertinência do julgado prega-lhe com mais um dia e mais 100 dólares. O desgraçado torna a abrir a boca e leva com outro dia e outros 100 dólares. Já lá vão 12 dias e mil e duzentos dólares. “No meu Tribunal mando eu!”; acompanhado por uma sonora martelada no tampo da secretária, com aqueles martelinhos de partir tenazes de sapateira, usados pelos juízes.
Por cá, uns alarves agridem o juiz dentro da sala (?) de audiências e o homem da capa preta decide retirar-se 10 dias, e mais um, e mais um, até haverem condições.
Já por várias vezes aqui referi que de Direito não percebo nada; esclarecido que penso estar este ponto, há duas ou três coisas que, e independentemente de nada perceber de Direito, não me inibem de ter uma opinião baseada numa interpretação de um cidadão comum:
Sem sombra de dúvidas que Portugal é uma Democracia representativa, assente no Estado de Direito. Imperfeita, mas é.
Sem sombra de dúvidas que um dos pilares das democracias representativas assentes no Estado de Direito é a total independência do poder judicial em relação ao poder político. Nem merece qualquer tipo de discussão.
Quem paga os salários aos senhores juízes, aos senhores magistrados e aos senhores do Ministério Públicoé quem paga os salários aos restantes funcionários públicos; ou seja, o Estado através dos impostos pagos por todos os cidadãos.
Qual é a diferença então, para que a partir do momento em que as carreiras profissionais dos senhores juízes, senhores magistrados e senhores do Ministério Público seja enquadrada nas tabelas salariais da Função Pública se possa considerar como ingerência do Governo e subjugação ao poder político?
Eu, que de Direitonão percebo nada, quer-me parecer que o Governo foi infantil no modo em como geriu a questão, dando margem de manobra para que a faceta político-sindical dos tais barões, baronesas, viscondes e viscondessas de que falava Pinto Monteiro surgisse em força. Porque o que aqui está em causa não é a independência do poder judicial e do Ministério Público em relação ao poder político, mas antes a manutenção de um estatuto de onde todos são sempre óptimos e excelentes, com mordomias e progressões de carreira; trabalhem muito, trabalhem pouco, produzam ou não.
Nos tempos da ditadura do Estado Novo e dos tristemente célebres Tribunais Plenários, onde juízes assinavam condenações de opositores ao regime a mando da polícia política PIDE/ DGS, sendo que a maior parte das vezes o réu comparecia perante o juiz apresentando sinais evidentes de tortura, nunca se ouviu falar de independência do poder judicial…
Já agora uma pergunta inocente formulada por quem de Direito não percebe nada: Quantos senhores juízes e senhores magistrados estão ainda em funções desde o tempo dos célebres Tribunais Plenários?