"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Adenda: O Homem Pequenino não existe na obra de José Saramago mas podia muito bem existir, ser uma sequela de O Homem Duplicado, e abordar também questões ligadas à identidade e à falta dela.
«Privatize-se tudo, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»
Desassossego, e todos os dias, é o que milhares de pessoas fazem, nos blogues, no Twitter, no Facebook, nas empresas, nas escolas, nas associações e colectividades, nos empregos, nas situações mais simples do dia-a-dia, sem data marcada e sem organização controleira e sem baias programáticas aprovadas em reunião de executivo camarário. Anunciar um "Dia do Desassossego" para uma plateia composta por personagens - personagens e não personalidades, como Mário Soares, Maria Barroso, Manuela Eanes, António Costa, Francisco José Viegas, Gabriela Canavilhas, Jerónimo de Sousa, Vasco Graça Moura e Nuno Júdice, a nata da nata dos sossegados do sistema, só pode ser piada de mau gosto. Ou nem por isso. Afinal Saramago morreu militante e crente de um partido estalinista.
Aqueles que não conseguem separar o génio literário de Saramago das suas posições políticas nem perceber a sua importância para a língua e cultura portuguesa no mundo são os mesmos que fizeram o elogio fúnebre do padre fascista-bombista Melo.
Ainda que por razão diversa, eu também acho rasca, absurdo e estúpido que uma derrapagem de 1, 655 milhões de euros, saídos directamente – e sem passar pela casa da partida (Monopoly rules) - dos impostos pagos pelos contribuintes portugueses seja motivo de polémica.
Tão rasca, tão absurdo e tão estúpido que se Portugal fosse um país a sério nem estes “bicos” se faziam nem a questão se colocava.
Só não vão todos para a porta da Editorial Caminho gritar palavras de ordem e fazer fogueiras com os livros não é por que não lhes apeteça, é porque têm vergonha.
Martim Moniz ficou para a História de Lisboa e de Portugal como o herói que se sacrificou morrendo entalado no portão do castelo de S. Jorge para impedir que o mesmo fosse fechado e assim possibilitar que D. Afonso Henriques e os Cruzados tomassem a cidade aos mouros. A verdade é outra: é que Martim Moniz era o que ia à frente e foi empurrado pela turba. No PSD e no que toca a coisas das letras em particular e das artes em geral há sempre um Martim Moniz que é empurrado para morrer na aduela do portão. Foi assim com Sousa Lara, o ajudante de Santana Lopes no Governo de Cavaco Silva – também falou em nome individual, e foi assim na Assembleia Municipal de Mafra – o PSD nacional também não teve nada a ver com o caso.
Segundo percebi, manifestações contra os cartoons de Maomé são inadmissíveis porque a liberdade de expressão e a separação entre o Estado e a Igreja são bens preciosos e grande conquista da graaaaande civilização Ocidental, mas José Saramago dizer o que lhe vai na alma, é um inadmissível ataque sem pés nem cabeça à Santa Madre Igreja da parte dum velho com os pés pra cova e ainda por cima incorrigível comunista.
Aplicar a sharia é sinónimo de primitivismo e obscurantismo e fundamentalismo e um claro desrespeito pelo Estado de Direito e pelos Direitos Humanos, mas condenar alguém à morte por consulta efectuada na Bíblia ninguém ouvir falar. Quê? Onde? Eu?!
Mesmo sem ter lido o livro – o que espero vir a fazer – e estando 100% de acordo com o que aqui se diz e escreve, como soi dizer-se: “Saramago sabe muito mas anda a pé”. O livro teria de ser rigorosamente Caim, o criminoso. Nunca Abel, o inocente.
Escreve Karl Marx no capítulo “Teoria da Mais Valia” do Capital:
«O criminoso produz crimes. Se olharmos mais de perto as relações que existem entre este ramo de produção e a sociedade no seu conjunto, ultrapassaremos muitos preconceitos. O criminoso não cria apenas crimes: é ele que cria o direito penal. (…) Mais: o criminoso cria todo o aparelho policial e judiciário – polícias, juízes, carrascos, jurados, etc. – e estas diferentes profissões, que constituem igual número de categorias da divisão social do trabalho, desenvolvem diferentes faculdades do espírito humano e criam ao mesmo tempo novas necessidades e novos meios de as satisfazer.
O criminoso cria uma sensação que participa da moral e do trágico e ao fazê-lo oferece um «serviço», mobilizando os sentimentos morais e estéticos do público. Não cria apenas tratados de direito penal: cria igualmente arte, literatura, ou seja, tragédias, sendo disto testemunhas não só La Flaute de Müllner e Les Brigands de Schiller; mas também Édipo e Ricardo II. O criminoso quebra a monotonia e a segurança quotidiana da vida burguesa, pondo-a assim ao abrigo da estagnação e suscitando a interminável tensão e agitação sem a qual o estímulo da própria concorrência enfraqueceria. Estimula assim as forças produtivas (…).
Descobrindo incessantemente novos meios de se dirigir contra a propriedade, o crime faz nascer incessantemente novos meios para a defender, de modo que o criminoso dá à mecanização um impulso tão produtivo como aquele que resulta das greves. Para lá do domínio do crime privado, teria o mercado mundial nascido se não houvesse crimes nacionais? E as próprias nações? (…).»
Nos meus tempos de escola, aí por alturas da Primária, ensinavam-nos que haviam dois tipos de árvores: árvores de folha caduca e árvores de folha permanente. Subdivididas em ordens e famílias.
Se fossem declarações de um pioneiro, daqueles de boina com estrela e lenço vermelho ao pescoço, pré-adolescente… agora de José Saramago, quase 90 anos de idade e quase 50 de militância…
Como dizem os nossos vizinhos de bombordo e condóminos de Saramago “da mãe é de certeza filha”. Mas o timoneiro da Jangada não vai tão longe ao ponto de dizer usem o nome da mãe. Por mais iberista que se seja, um português é um português e um espanhol é outra coisa completamente diferente. E em Portugal diz-se “nasceu no curral é filho do boi”.