"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
"Cristina quer Sócrates no próximo BB" ou a certidão de óbito na réstia de decência e credibilidade política e humana que só existe na cabeça de José Sócrates e de alguns indefectíveis, e que ainda lhe[s] alimenta alguma esperança num regresso ao activo. Dando como exemplo dois actores políticos que têm a imagem mais de rastos aos olhos da opinião pública, alguém imagina uma manchete qualquer com "Cristina que Durão Barroso no BB" ou "Cristina quer Paulo Portas no BB"?
Quando José Sócrates aparecia nas aberturas dos telejornais, depois de mais um PIN atentatório do património ecológico e ambiental comum, em tendas montadas no "local do crime" por empresas organizadoras de eventos a anunciar "um dia histórico" para o país e para a região, com um investimento de não sei quantos milhões de euros, gerador de mais não sei quantos milhares de empregos, directos e indirectos, nunca posteriormente confirmados pela comunicação social pé de microfone, e Manuela Ferreira Leite ousou argumentar que tal criação de emprego era na Moldávia, no Brasil ou em Cabo Verde, levou com a esquerda [quase] toda em cima, sem ver o que estava à frente de todos no dia-a-dia e sem raciocinar e perceber que esta reacção emotiva às palavras da então líder do PSD mais não era que assinar por baixo um dos princípios base do capitalismo neo-liberal: a desregulação total e a total ausência de direitos e garantias em nome do objectivo lucro máximo-despesa mínima e bem-estar de uma minoria.
Agora que temos em Odemira, Almograve, no Perímetro de Rega do Mira, e um pouco por todo o país, do Alqueva ao nordeste transmontano, a criação de emprego no Nepal, Paquistão e Sri Lanka, se calhar a esquerda "cão de Pavolov" já fazia um acto de contrição.
Quando um dos principais beneficiados com a instrução do "Processo Marquês" foi o intitulado "Dono Disto Tudo" - Ricardo Salgado, que viu todas as acusações contra si caírem, por incompetência do Ministério Público e dos juiz encarregado da investigação, é convocado por WharsApp um panelaço sul-americano para a hora em que José Sócrates é entrevistado na televisão, invocado os "donos disto tudo que governam o país há quase 50 anos", que são precisamente os 47 anos que o 25 de Abril faz este mês. E só este "peru menor" dos "quase 50 anos" devia meter a pensar o "povo honesto que é obrigado a trabalhar [sic] sem a devida compensação", os "portugueses que pagam impostos", como é moda agora dizer, para não acabarem portugueses que votam no André Ventura, que ajudava portugueses a fugir aos impostos e a branquear capitais quando trabalhava para Tiago Caiado Guerreiro enquanto era funcionário da Autoridade Tributária com acesso a informação privilegiada. Os "portugueses de bem" que agora retribuem com o financiamento do Chega e de André Ventura, o André Ventura investigado no "Processo Monte Branco" por fraude fiscal e branqueamento de capitais enquanto deputado e empregado da Finpartner, o André Ventura que foi chamado a depor na investigação "Vistos Gold" por ter colaborado num parecer, enquanto inspector tributário, que isentou em 1.8 milhões de euros a empresa Intelligent Life Solutions, de Paulo Lalanda de Castro, ex-patrão de Sócrates.
"Há quase 50 anos", porque antes dos "quase 50 anos" houve outros quase 50 anos, mais precisamente 48 de fascismo, em que Portugal era um paraíso de ética, honestidade e integridade para os actuais, e antigos, "Cheganos", e onde o "povo honesto" não era obrigado a trabalhar para pagar nada a ninguém e recebia por isso a "devida compensação": fome, pé descalço na rua, instrução só para "portugueses de bem", falta de saneamento básico, água e luz, saúde para quem a pagasse, analfabetismo e mortalidade infantil, pensões e reformas do que conseguisse amealhar entre o nascer e morrer a trabalhar sem horário, folgas e férias, filhos para a guerra colonial e respeitinho é muito bonito porque manda quem pode e obedece quem deve.
Como diz o "povo honesto", Deus quando deu a cabeça não foi só para pôr o chapéu.
Que o Estado de direito democrático deve abdicar de sê-lo e condenar a pedido da turba só porque se não o fizer vai favorecer a ascensão do Chaga, é o argumento mais espantoso que se tem ouvido nestes dias, desde anónimos a políticos super star com assento e acento no prime time, passando por jornalistas. O medo do populismo de extrema-direita para se passar a actuar como se vivêssemos num Estado governado por um partido populista de extrema-direita é um jogo perigoso de se jogar e o Ventas, percebendo isso melhor que os anónimos, os políticos super star e os jornalistas, chapéu, começa a capitalizar por antecipação e força ainda mais com pressões inaceitáveis sobre o tribunal guardião da Constituição da República sob a forma de manifestações.
Ivo Rosa, aquele juiz legalista dos filmes 'amaricanos', que quer tudo by the book, e que a direita do tugão gosta de invocar para mostrar a eficácia e a superioridade do sistema em relação ao nosso, desmonta toda uma acusão feita sem provas - anos e anos nos media "o Ministério Público acredita", "o Ministério Público suspeita", nunca "o Ministério Público tem provas irrefutáveis". E as provas que há foram obtidas de forma ilegal, as que não foram obtidas de forma ilegal são insuficientes, e nas que bastam o crime já prescreveu. É mau demais para ser verdade, mas é. E a verdade é que isto é todo um programa de incompetência, não começou com José Sócrates, é toda uma construção que vem de trás, o caso Portucale arquivado, o caso dos submarinos com condenados por corrupção na Alemanha sem corrompidos em Portugal, por exemplo. É mais fácil julgar e condenar na primeira página do Correio da Manha e é uma irresponsabilidade levar alguém à barra do tribunal na base do "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm", como ainda se fez público. Carlos Alexandre e Rosário Teixeira prestaram um grande serviço ao populismo e ao justicialismo. E a José Sócrates, que saiu lampeiro e sorridente do tribunal a falar em "compensação" e a dar lições de jornalismo aos jornalistas. Isto vai acabar tudo no Tribunal de Justiça da União Europeia com indemnização paga pelo Estado português, que é como quem diz nós, os contribuintes.
Diz o Zé Gomes 'programa de governo' Ferreira na televisão do militante n.º 1 que não precisamos ver a chuva a cair para saber que choveu durante a noite, basta sair à rua de manhã e ver as poças de água, logo, se o Sócras metia torneiras de luxo no apartamento de Paris e ia às compras ao Sunset Boulevard de Los Angeles é mais do que provado que é corrupto.
Daí até ao Zé Gomes 'programa de governo' Ferreira aparecer na televisão do militante n.º 1 a dizer que estava a almoçar num restaurante e que ouviu um casal na mesa ao lado, que iam tirar todo o dinheiro do BES, que o banco estava em risco de falir, e que interrompeu o repasto para se dirigir à mesa e dizer que não senhor, que isso era tudo uma treta e que ele próprio, se tivesse poupanças assinaláveis, ia já amanhã comprar acções do GES, para no dia a seguir o GES ter dado o peido mestre, com todo o rol de desgraças e misérias que sobrou até ao dia de hoje para o contribuinte, e sem perspectivavas de tão cedo vir a acabar, para uns tempos depois o jornal do militante n.º 1 avançar que tinha uma lista de jornalistas avençados do BES, que eram pagos pelo Ricardo Salgado para só dizer bem do banco e constuir narrativas de modo a enrolar investidores e pequenos aforradores, em linguagem comum conhecidos por totós, e depois essa lista nunca mais ter aparecido até aos dias que correm, os dias em que a gente sai à rua e vê as poças de água e sabe que choveu durante a noite. É isto, não é?
Argumentar que um eventual chumbo do Orçamento do Estado pelo Bloco de Esquerda é chamar Passos Coelho - o agregador da direita, para lhe entregar o poder de volta, tal e qual o chumbo do PEC IV de Sócrates, é só má-fé argumentativa e deliberadamente ignorar que Passos Coelho foi a votos, que ganhou em eleições livres e democráticas, que nem o PCP nem o Bloco metem quem quer que seja a governar, e fazer de conta que António Costa não se meteu no buraco onde se encontra quando disse "No dia em que a sua subsistência depender do PSD, este Governo acabou" e que agora, com a cumplicidade dos media e dos paineleiros-comentadeiros com lugar cativo, atira o ónus da culpa para os ex-parceiros da 'Geringonça' e espera que se anulem e abdiquem dos seus princípios em função do Governo minoritário PS, numa espécie de TINA 2.0?
"As minhas despesas são igualzinhas a um pai que decide mandar estudar um filho para uma universidade inglesa. Fizemos uma vida normal em Paris. E financiei isto com os 450 mil euros que a minha mãe me deu e com os rendimentos da Octapharma… Somente nas mentes maldosas se chama vida de luxo. Nunca tive vida de luxo!". José Sócrates ouvido pelo juiz Ivo Rosa.
O ministro da Justiça de Bolsonaro veio a Portugal perorar sobre a dita que tutela e sobre a "dificuldade institucional" de Portugal fazer avançar o processo contra José Sócrates. Portugal que ocupa a 30.ª posição entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção de 2019 e o Brasil que caiu 9 posições, para a 105.ª, abaixo dos 44 pontos de média do continente americano, ocupando a posição 20 entre os 32 países. José Sócrates chamou-lhe aquilo que ele é, um activista político disfarçado de juiz, Sérgio Moro retorquiu que não debatia com criminosos pela televisão. Que se saiba José Sócrates não foi condenado por nenhum tribunal, pela televisão e pelos jornais sim, por um tribunal não. E um ministro ex-juiz entrar em modo Correio da Manha [sem til] pervertendo o Estado de direito e a presunção da inocência que era suposto defender, para já não referir o meter o bedelho em sistema judicial de país soberano, que não devia meter, só vem dar razão a José Sócrates e confirmar as dúvidas sobre a qualidade e a independência da justiça brasileira. Mas como é sobre José Sócrates e envolve José Sócrates está tudo calado no país dos bardamerdas que é o nosso.
Nesta lavagem da história vale tudo, só já falta Cavaco Silva, himself, interromper a reforma e aparecer por aí numa televisão qualquer com o tradicional "eu avisei" enquanto mastiga cuspo.
A impoluta, ícone do jornalismo de investigação, bandeira da liberdade de imprensa contra o totalitarismo socialista-socratista, e sempre adiado Pulitzer Prize, na televisão do militante n.º 1, por ter sido despedida pelo Sócras, precisamente quando andava a investigar Paulo Portas e os submarinos, Luís Nobre Guedes e o caso Portucale, Telmo Correia e o Casino Lisboa e a Estoril-Sol, tudo doutores do partido pelo qual foi deputada à Assembleia da República, tudo casos de governação anterior aos governos de José Sócrates ao qual dedicou especial afinco. Ele há coincidências e ao mesmo tempo azares do caralho!