"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Os "dois pesos e as duas medidas do Governo", segundo o secretário-geral vitalício da FESAP [a partir do minuto 08:25], com o referencial de 2,7% para o sector privado e o "ofensivo" 0.3% para a Administração Pública, como se estivéssemos todos esquecidos do tempo em que toda a gente, jornalistas, comentadeiros e fazedores de opinião, dizia que como referencial para o sector privado valia o número avançado pelo Governo para a Função Pública, e de todo o sector privado ser "aumentado" entre 0.3% e 1% quando José Sócrates dava 2.9% aos empregados no Estado em vésperas da chegada da troika. É que no privado são todos malucos e vivem no emprego para a vida.
Há que tirar o chapéu a António Costa quando saca da cartola o argumento de que "é mais importante contratar mais funcionários públicos do que aumentar os salários". O Bloco de Esquerda, com reduzida implantação na Função Pública e percebendo a armadilha, embatucou e fingiu que não tinha ouvido nada. O PCP, Jerónimo de Sousa, que ainda a semana passada disse no Parlamento que "há já muitos anos que por aqui ando", engoliu o isco e quando se deu conta da esparrela desviou a conversa para "a dívida pública impagável e o dinheiro que não há para nada mas há para os bancos", argumento justo e bonito, de resto, mas que não tem nada a ver para o caso porque, como disse e bem, a opção é política e o dinheiro vai ser sempre gasto, seja em aumentos seja em contratações, deixando o secretário-geral dos comunistas de fora os que já estão de fora, os desempregados, e encostando-se onde António Costa o queria encostado, ao partido da Função Pública, com toda a carga que isso tem no resto do país, nos outros, nos que não trabalham para o Estado.
Vem então os 'pontas-de-lança' dos partidos nos sindicatos, um para fazer prova de vida e outro para interpretar o papel que lhe foi destinado representar, invocar "os baixos salários" e "o congelamento de carreiras e de aumentos salariais". Mais dois encostados nas cordas ao lado de Jerónimo de Sousa, com as progressões nas carreiras e aumentos salariais no sector privado que não há só porque sim e porque a velhice é um posto como na tropa macaca, e com a falência do Estado, a manter o emprego a todos os seus funcionários, paga com a falência, o desemprego, a emigração, a miséria de milhares no sector privado e com o congelamento salarial e precariedade para os que ficaram.
Não podia estar mais de acordo com os sindicatos: mais de um milhão e 300 mil funcionários e familiares, cidadãos de 1.ª classe, que usufruem de um sistema de saúde sem limites e com reembolsos até 80%, suportado pelos impostos solidários dos outros milhões de cidadãos de 2.º classe, utentes do Serviço Nacional de Saúde, com os limites impostos pelo salário de cada um e a guardar o recibo para “meter” no IRS.
E conseguem dizer estas barbaridades sem corar de vergonha.
(Na imagem Rodolfo Valentino e Agnes Ayres via Museo Nazionale del Cinema di Torino)