"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Paulo Ferreira, nos idos do Governo da direita radical, era primeiro-ministro Passos Coelho, ministro das Finanças Vítor Gaspar e Paulo Portas ministro dos Negócios estrangeiros.
O mesmo Paulo Ferreira na primeira crise do Governo da 'Geringonça', duas semanas depois do incêndio de Pedrógão Grande e no day after ao conhecimento do assalto ao paiol da base militar de Tancos.
Durante dezenas de anos Ricardo Salgado e o Banco Espírito Santo pagaram jornais inteiros, o Expresso incluído, por via da publicidade no jornal principal, nas revistas, revistinhas, cadernos e anexos do golfe e do ténis e da jardinagem e da casa e imobiliário, tudo ensacado num plástico com umas tiras verdes e publicidade ao BES. Os jornais, os jornalistas pegavam com pinças em tudo o que cheirasse, mesmo que ao de leve, a sagrada família, em nome do pai, dos filhos e do Espírito Santo que as vendas de jornais estavam/ estão pela hora do pessoal só ver as gordas nas bancas e nos quiosques ou no online com o adblock activado.
A sério que ainda levam o Expresso a sério?
Durante dezenas de anos, mais propriamente quarenta e dois, a contar desde o dia 25 de Abril de 1974 até à hora em que teclo estas linhas, jornalistas suspenderam, os que suspenderam, a carteira de jornalista e abraçaram, de corpo e alma e de conta bancária recheada, as causas de governos e de presidentes e de câmaras municipais e de embaixadas e de consulados diversos de países diversos para depois, terminada a comissão de serviço, regressarem aos jornais, como se nada tivesse acontecido, para continuarem a investigar e a informar, de forma isenta e imparcial os leitores, que a gente faz que acredita e há outros que gostam de ser comidos por parvos e jornalismo e jornalistas militantes é no Avante! .
Mas agora tudo muda porque o morto, ex-Dono Disto Tudo e da publicidade paga nos jornais também, que morreu mesmo mesmo mesmo antes de ser condecorado no Dia da Raça, foi azar, por um cadinho assim, parece que tinha um saco azul na cidade do Canal com o qual pagava, que neste contexto quer dizer comprava, autarcas, funcionários públicos, gestores, empresários e jornalistas. Jornalistas. Jornalistas nos Panamá Tretas. Isso é que não pode ser.
A sério que levam os jornalistas e o sindicato dos jornalistas a sério?
Já não há pachorra para este jornalismo de estagiários, impreparado, amorfo e acéfalo, de microfone na mão a abanar o rabo à porta dos ministérios e secretarias de Estado, correia de transmissão do spin governamental, sem nunca questionar as contradições, as meias verdades e as mentiras do Governo, sem nunca confrontar o Governo com a sua novilíngua e os factos, a realidade das coisas e as suas implicações na vida das pessoas, deixando o "trabalho de casa" a cargo dos comentadores que infestam as rádios e televisões, todos da área do Governo, e que fazem o "trabalho de casa" da casa do Governo.
A novidade nesta trapalhada toda é que pela primeira vez em Portugal há alguém a furar a rede de cumplicidades e panelinhas na corporação dos jornalistas, e que sempre os inibiu de se criticarem e atacarem publicamente, malgrado alguns ódios latentes e mais ou menos perceptíveis. Nunca mais nada vai ser como era no backstage do papel impresso (pelo menos).
Antecipando o capítulo seguinte: vai haver omertà?
“Os jornalistas são considerados perigosos, porque o jornalismo livre é provavelmente a mais perigosa das actividades para as ditaduras de todo o tipo.”
Mário Vargas Llosa na abertura do Fórum Mundial de Directores do 60º Congresso da Associação Mundial de Jornais.
Declaração de interesses: Estou completamente de acordo com a posição tomada pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas no que a seguir se dá conta, mas…
A notícia é que o presidente da Câmara de Almeirim resolveu instituir um prémio no valor de 250 euros a atribuir a jornalistas que escrevam um texto sobre as obras em curso, as que vão ser lançadas, e as que estão agendadas pela autarquia para o concelho.
Perante isto o presidente do Sindicato dos Jornalistas veio a terreiro insurgir-se contra o que considera uma “proposta desonesta, de violação das mais elementares regras da independência da imprensa face ao poder político”, qual virgem pudica ofendida nas suas virtudes.
Seria deveras interessante e esclarecedor saber, se não do sindicato, pelo menos do seu presidente, a posição face:
. 1 – O batalhão de jornalistas, oficial ou encapotadamente, a trabalharem como acessores de imprensa nos diversos ministérios.
. 2 – Os batalhões de jornalistas, oficial ou encapotadamente, a trabalharem como acessores de imprensa nas mais variadas empresas do sector público e privado.
. 3 – A imensa quantidade de jornalistas que a pretexto de acontecimentos de interesse público, e sob a capa de pretensas reportagens, fazem descaradamente o jogo de lobbyes poderosos, de empresas privadas, e do próprio Governo.
. 4 – A manifesta falta de qualidade dos jornalistas, com carteira profissional emitida pelo Sindicato, que pululam e abundam na imprensa regional – porque vai ser essa a categoria de jornalistas a candidatar-se ao prémio.
Esclarecidas estas questões, poderemos constatar que, afinal a virgem pudica não é virgem. No entanto vai “casar por igreja” e vestida de branco…
Ao menos que a indignação se deva ao “cachet” a pagar – 250 euros – ser demasiadamente baixo…
Li algures – não me recordo onde – que, Eduardo Dâmaso vai ocupar o lugar deixado vago por João Marcelino na direcção do Correio da Manhã.
A ser verdadeira esta troca de cadeiras, como é que o público-alvo dos dois jornais irá reagir?
Á primeira vista, o principal beneficiário desta troca poderá ser um terceiro que não foi tido nem achado para estas opções editoriais; é previsível um desvio de leitores do Diário de Notícias para o Público que, repartem e lutam ombro-a-ombro pelo mesmo público-alvo.
Restam duas incógnitas:
. Como irá ser a revista 6ª, uma vez que não são anunciadas mudanças ao nível dos habituais colunistas. Passará a ter a inevitável mulher-nua na capa como a revista do Correio da Manhã?
. A outra incógnita – a maior de todas – é como será o Correio da Manhã com Eduardo Dâmaso ao leme? Poderá o Correio da Manhã cometer uma espécie de hara-kiri jornalístico, com uma mudança do azimute editorial que o levará a uma inevitável perda de leitores?
Conhecendo como penso conhecer o Eduardo – foi meu colega de curso – pode ser que me engane, mas não o vejo a fazer “gimnásticas” editoriais para se adaptar a uma situação concreta que é ter de pôr todos os dias na rua um jornal, em que 90% das notícias são crimes e assaltos e o que resta, no suplemento, são os infalíveis anúncios das acompanhantes brasileiras.