"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O Balsemão entrou-me em casa pela mão do meu pai, tinha eu 11 anos. "Que jornal é esse?", perguntei-lhe eu muito admirado por não chegar com os habituais A Capital, Diário de Lisboa, O Século, com o "Descubra as Diferenças" na penúltima página que era logo minha. "É um jornal novo. Mesmo novo".
Há quatro dias o director do Expresso, João Vieira Pereira, escrevia "A dificuldade em lidar com o Chega é sentida dentro da redacção do Expresso. Estamos longe de ter certezas de como lidar com uma organização para a qual a verdade não é linear ou onde os factos podem ser adulterados à medida de um qualquer objectivo".
O Expresso, no dia em que viu um jornalista agredido num evento do partido da taberna na Universidade Católica viu o taberneiro convidado pela televisão do militante n.º 1 - SIC Notícias, do mesmo grupo do Expresso, para debitar alarvidades no jornal da noite. A SIC Notícias que andou com o taberneiro ao colo desde o dia em foi eleito deputado único, directos, entrevistas, interrupções de programação para o directo, às vezes mais que uma vez no mesmo telejornal, a televisão do militante n.º 1 que mandou uma comitiva à porta do estúdio para trazer o líder do partido da taberna pela mão até à mesa do debate para as legislativas, por oposição a Rui Tavares que fez todo o caminho sozinho, sem comissão de recepção, nem sorrisos manhosos de Bernardo Ferrão e Ricardo Costa.
Estes são os tretas que andam com a extrema-direita ao colo mas que no fim acabam em modo Travis Bickle, "you talk' in to me?" mesmo depois de quem pariram e engordaram acabar a apoda-los "inimigos do povo".
Os jornalistas do grupo de imprensa que tem um jornalista do jornal do militante n.º 1 é agredido à tarde num evento do partido da taberna e à noite a emissão da televisão do militante n.º 1 é interrompida para ouvir em directo o taberneiro sobre não sei o quê, e para onde é amiúde convidado para falar sobre merdas que inventa, sabendo de antemão que é convocado para as comentar.
O Correio da Manha faz meia primeira página em letras garrafais, *** EXCLUSIVO *** MONTENEGRO ADVOGADO EM NEGÓCIO DE CASINOS, com a foto do dito de braços cruzados e olhar de caso. Lá dentro, Armando Pereira, Director-Geral Editorial Adjunto, assim mesmo, com iniciais maiúsculas, explica que não há mal nenhum nisso, tudo normal nessa ligação contratual. Percebem porque é que Correio da Manha não leva til?
A FOX News do PSD - SIC/ SIC Notícias, em formato papel replica a propaganda do ministro da Educação do Governo PSD. Na realidade são mais de 30 mil os alunos sem professores. E o que o padrão nos diz é que de hoje, data da saída do jornal, até à noite do próximo domingo, com a homilia do ex líder do PSD Marques Mendes, todos os telejornais e blocos de noticias da FOX News do PSD vão abrir com "segundo o Expresso". "Segundo o Expresso". Na época das fake news e do pós-verdade está dito, está dito. Já foi um jornal fiável.
Para ler a explicação do primeiro-ministro em relação às declarações sobre os jornalistas é obrigatório subscrever o jornal do grupo de comunicação social, propriedade do militante n.º 1 do partido do primeiro-ministro, proprietário do canal de televisão onde o primeiro-ministro deu uma entrevista a uma alegada jornalista. Economia circular e "jornalismo tranquilo".
O interessante nesta coisa de ter ou não ter carteira de jornalista é o nunca admitirem o "erro", não assumirem que foi essa a opção, por alguém ainda mais domesticado que os domesticados do costume, para evitar embaraços, não. É sempre porque "o outro há tempos", "a entrevista do não sei quantos naquela data", "um que anda aí no activo apesar de não ter carteira", desconhecendo [?] a diferença entre não ter carteira e ter a carteira desactualizada, aliás previsto. Dá jeito. A ideia é se outros fizeram e nós à época criticámos, não vamos agora corrigir e fazer melhor, vamos fazer igual, e ainda pior, porque podemos e estamos no nosso direito. E calhou a ser jornalismo porque este princípio vale para todas as áreas da vida. Nunca saímos daqui.
Luís Montenegro diz que se propõe a acabar gradualmente com a publicidade na RTP, as televisões privadas aplaudiram. E Luís Montenegro diz que não vai haver aumento da taxa audiovisual para compensar a perda da publicidade, os do menos taxas e taxinhas disseram que sim senhor. E ainda disse Luís Montenegro que vai haver dinheiro aos potes para a RTP rescindir contrato com trabalhadores. Luís Montenegro não disse, como Passos Coelho, que a RTP era para privatizar. Não. Luís Montenegro propõe-se gradualmente acabar com o serviço público de televisão, asfixiar a RTP até a tornar insignificante e insustentável. A seguir Luís Montenegro vai meter os contribuintes a pagarem a privatização da RTP, darmos dinheiro do nosso bolso para que algum privado, por caridade cristã, fique com ela. O "rural" saiu melhor que a encomenda. E Luís Montenegro chamou "inimigas da democracia" às redes sociais, as redes sociais onde o Governo tem dezenas de contas a bombarem propaganda 24 horas/ dia e onde o PSD tem centenas de minons de plantão em acções de desinformação e bullying. A seguir Luís Montenegro fez saber como quer o jornalismo e os jornalistas, quietinhos e mansinhos, como na Venezuela. Depois Luís Montenegro desceu o palanque e foi sentar-se entre José Eduardo Moniz, director-geral da TVI, e Francisco Balsemão, filho, CEO da SIC.
As urgências encerradas, com as de obstetrícia com sirenes e tinóni nos telejornais, passaram a urgências com contingências. Aberturas de telejornais com directos intermináveis nem vê-las.
Dos 200 mil alunos sem aulas no início deste ano lectivo contra os 73 mil em igual período no ano lectivo anterior ninguém ouviu falar nas televisões, não mexeu com os presidentes vitalícios das associações de pais, nem com o comissário Nogueira dos stores.
A gasolina e o gasóleo que eram para baixar mas que afinal subiram porque o Governo lhe aplicou mais uma taxa em cima não motivaram reportagens nem directos das bombas do costume, aquela na 2.ª Circular e aquela outra na rotunda de Moscavide.
A carga fiscal que era "asfixia fiscal" agora é "contribuição para o excedente orçamental".
O taberneiro uma vez acusou os jornalistas de "inimigos do povo" por apresentarem uma reportagem tal e qual ela havia sido filmada, sem filtros de redacção, quando os alegados jornalistas, na pele de "inimigos do povo", afinal só se limitam a omitir e maquilhar.
Bom era quando o camarada Bruno de Carvalho, ilegalmente em território ucraniano, acompanhava a invasão "operação militar especial" e, com fotos no Twitter, encontrava um azove em cada ucraniano morto e uma bandeira nazi e um exemplar do Mein Kampf em cada habitação que devassava, por cá com direito a livro no prelo a dar conta de tão profunda experiência como jornalista "independente".
Deve ser a isto que algumas mentes iluminadas, com avença nos jornais e lugar cativo no comentariado televisivo, chamam de russofobia e censura a tudo o que vem dos lados da Rússia.
Independentemente da "venezuelização de Portugal" que isso significava, segundo os apóstolos e escudeiros, minions de plantão às redes, e que antes era e agora já não é, que financiamento o contribuinte vai desembolsar? O do amigo que tem o grupo de comunicação com a corda na garganta? O dos amigos prestimosos nas acções de propaganda denominada "análise independente" em jornais que não vendem mas que miraculosamente todos os dias aterram nas bancas? O do grupo que chega em primeira mão e em exclusivo ao segredo de justiça? O do não menos amigo que tem noticias direccionadas na base do mui independente princípio "double standard"?
Aceitam-se apostas sobre quantas televisões vão abrir telejornais com este trabalho do Público:
“A lista de extremistas que, em tempos, se preparavam para entrar no partido e que entreguei em mão ao André tinha nomes ligados ao assassinato de Alcindo Monteiro. Era extrema-direita dura”, recorda ao PÚBLICO o antigo vice-presidente do Chega, Nuno Afonso, que se desfilioue encabeça a coligação Alternativa 21 por Lisboa. “Já tinha suspeitas de que vagas de pessoas desse género podiam entrar, havia gajos da NOS [Nova Ordem Social], a extrema-direita a sério. Mas quando mostrei a lista ao André [Ventura], a resposta foi: ‘Não faz mal, queremos os votos de toda a gente’”.
No dia a seguir a Marcelo ter promulgado o diploma sobre os professores, acompanhado de uma nota onde assume, sem um pingo de vergonha, que tentou condicionar a acção governativa com duas propostas de diploma por si apresentadas ao Governo, e lamentando que ambas tivessem sido rejeitadas, mandando às malvas a separação de poderes e imiscuindo-se numa área para a qual não foi eleito e nem sequer tem poder para legislar, tivemos uma manada de "jornalistas", entre aspas, acampados na porta do ministério para, de microfone em punho, rodearem João Galamba enquanto lhe perguntavam se tinha condições para continuar ministro. Isto de andar atrás do fait-divers e do ruído e deixar passar o que realmente importa, de abdicar de ser jornalista para ser o jornaleiro, para o caso, de Marcelo aprende-se na Faculdade? Não vos incomoda profundamente desempenhar o papel de palhaços úteis para servirem os intentos de alguém?
Escreve o jornal do militante n.º 1 na secção "Sociedade" que os "supermercados estão a colocar alarmes em produtos alimentares básicos, como latas de atum ou garrafas de azeite", "as pessoas estão desesperadas, escondem latas de atum e leite para comer ou dar aos filhos". Vira-se a página para o caderno "Economia" e ficamos a saber que a "inflação castiga todo o tipo de famílias: nas mais pobres pesam alimentos e habitação, nas mais ricas os restaurantes e hotéis". Os que vêem o atum e o azeite ao preço do whisky na prateleira do supermercado e os que por estarem quase pobres vão ter de abdicar de brincar aos pobrezinhos na Comporta. Isto podia ter outro título, sei lá, jornalismo de merda.