"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ao PS interessa que se discuta se a ponte é ou não é segura, se as obras começam hoje, amanhã, ou em dia de São Nunca à Tarde sem pôr em risco os milhares que todos os dias cruzam a 25 de Abril. À direita radical, PSD e CDS, interessa que se discuta se a ponte é ou não é segura, se as obras começam hoje, amanhã, ou em dia de São Nunca à Tarde sem pôr em risco os milhares que todos os dias cruzam a 25 de Abril, porque enquanto se fala nisso não ficam entalados entre a opinião pública e os interesses das empresas privadas que sempre defendem em prejuízo do erário público. E a isto chama-se meter a carneirada a discutir aquilo que interessa discutir.
Publicar páginas e páginas de escritos sobre o maoísmo e entrevistas a (ex)maoístas sem nunca abordar, sequer ao de leve, o maior genocída da história da humanidade, Mao Zedong himself, é obra.
E o que é que, ou porque é que, um (ex)maoísta, no ponto mais ocidental da Europa, tem a ver, ou tem de carregar, com os milhões de perseguidos e outros tantos milhões de mortos às mãos de Mao e do Partido Comunista Chinês? O mesmo que um (ex)comunista, no mesmo ponto mais ocidental da Europa, tem a ver com os crimes de Estaline, o que não é impeditivo para que o tema esteja sempre em cima da mesa de trabalho, não é?
De Jorge Coelho não me admiro. Desde os tempos na Quadratura do Círculo em que ficámos todos a saber que conhecia toda a gente. Desde o varredor da rua até ao Papa. E que a todos tinha como pessoas íntegras e honestas. E que aproveitava a ocasião para lhes enviar um caloroso abraço…
Agora de Dias Loureiro. Um impoluto que anda cá por ver andar os outros. E que enriqueceu a trabalhar. E que é Conselheiro de Estado e de quem o Presidente da República não vê razões para desconfiar. Deste é que é de estranhar…
Ao dar de caras com a notícia que Jorge Coelho vai assumir a “presidência executiva do maior grupo de construção civil de Portugal, o grupo Mota-Engil”, não consigo evitar recordar-me do programa A Quadratura do Círculo.
Das palavras de Jorge Coelho, de cada vez que se falava de quem quer que fosse; desde a personalidade mais mediática do país, ao anónimo sem-abrigo: “Fulano de tal é uma pessoa que eu conheço; Sicrano é uma pessoa de quem aliás sou amigo; de Beltrano tenho como pessoa íntegra; e a quem aliás aproveito para saudar e enviar um forte abraço”.
Segundo o DN, António Cunha Vaz aconselhou Luís Filipe Menezes “a tentar as novas tecnologias para atrair os eleitores”:
"Qualquer partido de oposição devia ter um 'Second Life' para mostrar aos portugueses como faria se fosse Governo."
António Cunha Vaz recebe dinheiro por isto! É o que se chama deitar dinheiro à rua. É que o PSD está todo ele transformado num Second Life, não desde o dia das directas que consagraram Menezes como líder; desde o dia em que Cavaco Silva "abdicou". Seria necessário um António CunhaVaz por cada militante; mas ao contrário; para os retirar da realidade virtual, e trazê-los de volta à realidade pura e dura. Isso sim!
(Foto fanada ao Guardian)
Ainda no DN – e esta a meu ver é a mais importante – o Coelhone foi (é?) o spin doctor de Sócrates!
“assumiu ter sido ele o autor do anúncio pré-eleitoral da criação de 150 mil empregos, que José Sócrates utilizou como uma das bandeiras da sua campanha em 2005”
Conta Jorge Coelho que foi a Inglaterra assistir a duas campanhas do guru socialista Blair para uma pós-graduação em como enganar os tugas. O que ele aprendeu:
"Exagerar no anúncio das políticas para obter melhor cobertura mediática", "Nunca anunciar uma medida que não possa ser anunciada mais duas ou três vezes" e "abandonar uma política que seja mal recebida pela opinião pública"
Nada que um observador minimamente atento já não soubesse. Os primeiros dois pontos foram religiosamente seguidos por Sócrates até “ontem”; à queda do ministro da Saúde. Passámos (passaram, salvo seja) ao terceiro ponto. Afinal sempre vão haver eleições para o ano… Depois de dizer o que disse, e, segundo o DN, com um sorriso nos lábios, concluiu:
A quem indicar uma única (não é pedir muito!) emissão do programa A Quadratura do Círculo em que, quando se fala deste, daquele, ou daqueloutro, Jorge Coelho não tenha começado a sua intervenção com “Eu conheço bem o fulano; ou o beltrano; ou o sicrano; de quem sou um bom amigo, e desde já aproveito para lhe enviar um forte abraço”; ou “e desde já aproveito para o cumprimentar”; ou ainda “tenho-o como pessoa integra”.
Mas não. Foi preciso a trapalhada do Casino Lisboa, para a comunicação social descobrir que o Coelhone é amigo de toda a gente…
Primeiro foi Jorge Coelho a contestar o encerramento de urgências hospitalares, “se calhar há outros sectores que mais facilmente podem ser desengordurados (…)”. Seguiu-se-lhe António Vitorino na RTP1, dizendo que o défice orçamental não pode ser alcançado através de economias na área da saúde, advertindo para a necessidade de “explicar melhor” a decisão de aumentar as taxas moderadoras; mas mais subtil que Jorge Coelho, finta o adversário e chuta a bola para canto; o Governo “tem de fazer a demonstração da conformidade constitucional” do aumento das taxas moderadoras; e aconselha o Governo a reivindicar que “um serviço universal não é incompatível com o critério de equidade com as responsabilidades de cada um”.
Correia de Campos, Ministro da Saúde, agradece a (in)esperada mãozinha e anuncia que vai pedir ao grupo parlamentar do PS que proceda à verificação da constitucionalidade da proposta das taxas moderadoras.
Isto não é mais que uma habilidade de transpor para o plano técnico, uma discussão que deveria ser do campo ideológico.
A ver: Sendo o PS um partido que se reclama da área do socialismo democrático, preocupado com a solidariedade e justiça social, ao encaminhar a questão para a possível constitucionalidade ou falta dela, liberta totalmente o acto governativo de qualquer pendor ideológico, e o que deveria ser uma questão de princípios políticos passa a ser uma mera questão tecnocrática, não diferenciando o PS de qualquer outro partido de direita e/ ou de ideologia neo-liberal.
O famoso esbatimento de fronteiras entre esquerda e direita.
Existe alguma diferença entre constitucionalidade e justeza de actos governativos.
Não é por ser constitucional que a medida passa a ser justa.
Assim, se for declarada a constitucionalidade da medida, o processo é para avançar, e a ideologia é atirada às urtigas.
É a versão século XXI, do Partido Socialista que já havia metido o socialismo na gaveta.