"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O dia em que um ressabiado Passos apareceu para dizer que não tem muita fé no homem à frente do PSD, cujo passado se chama Passos e que o mais provável é que deixe o PSD atrás, foi o mesmo dia em que uma ressabiada Joacine resolveu dar um ar de sua graça, ela que nasceu para estar ali. Um teve o aplauso da direita radical, o que é uma bela profissão de fé no futuro radioso do PSD, a outra teve o aplauso dos minions do PCP de plantão nas redes, todas as migalhas contam nos amanhãs que vão cantar nas eleições de Março e nem um partido minúsculo escapa. Noves fora nada, estas aparições dizem mais sobre quem aplaudiu do que sobre os aplaudidos.
A educação que receberam em casa foi gozar com as incapacidades, as desordens, as diferenças de cada um. A educação que receberiam nos idos de Salazar, por quem tanto choram, ao confundirem o verbo ter com o verbo estar, eram 20 reguadas em cada mão e orelhas de burro no canto da sala. A cobardia de apagar depois o que se escreveu não é defeito, é feitio.
[Print screen de um tweet da conta oficial de um partido de bandalhos]
A gente olha para a lista e vê os nomes Beatriz Gomes Dias, Joacine Katar Moreira, Mamadou Ba e pensa, ok, os imbecis são racistas, olham, vêem um preto, e um preto tem de ir para África, mesmo que seja da enésima geração nascida em Portugal, é assim mesmo que funciona quem nasce com um neurónio, Deus quando distribuiu a inteligência pela humanidade esqueceu-se de alguns, calhou-lhes a eles, tadinhos, nacionalistas o que caralho isse signifique, ainda por cima quando os pretos que têm de ir para África, curiosamente o berço da humanidade, têm mais neurónios que os "verdadeiros portugueses", alguns com aspecto de marroquinos. Adiante. Depois a gente vê o nome Mariana Mortágua e pensa WTF?! a Marina é branca, mais branca que o Machado skinhead e sem o aspecto berbere do senhor cabeça rapada e tatuagens suásticas por que cargas de água há-de abandonar o país e pedir asilo em África ou noutro lado qualquer? E depois a gente lembra-se do trabalho de Mariana Mortágua enquanto deputada na denuncia de crimes financeiros e a evasão fiscal de que André Ventura se alimenta e que alimentam o Chaga e percebe esta lista.
Marcelo Rebelo de Sousa, mais rápido que o INEM a chegar à queda de uma avioneta em cima do telhado de um hipermercado a dezenas de quilómetros de Cascais; Marcelo Rebelo de Sousa, mais rápido que a própria sombra a chegar ao descarrilamento de um eléctrico numa calçada de Lisboa; Marcelo Rebelo de Sousa, sempre disposto a meter o bedelho onde não é chamado, e onde os poderes presidenciais não são tidos nem achados, para condicionar a acção do Governo; Marcelo Rebelo de Sousa, que se baba todo e que fica com a cara toda babada para beijar tudo o que respira à face da terra e que lhe renda simpatia popular; Marcelo Rebelo de Sousa não comenta o "vai para a tua terra" de André Ventura e "desaconselha escaladas" porque "o radicalismo fomenta o radicalismo, a agressividade fomenta a agressividade". Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição, diz ao deputado do Chega que pode dizer tudo o que lhe vai na real gana e diz aos restantes deputados, partidos políticos, cidadãos anónimos deste país que devem ouvir e calar e se calhar até dar a outra face, fazer o sinal da cruz e dizer "amém!".
O Iniciativa Liberal, cujo programa económico e social é igualzinho ao do Chega, se calhar até nas virgulas: acabar com a escola pública, acabar com o Serviço Nacional de Saúde, entregar a Segurança Social - pensões e reformas, a fundos privados, e que foi levado a cabo, com o "sucesso" que se conhece, pelos rapazes de Chicago no Chile do golpista-fascista Pinochet, introduz a "liberdade de expressão" na tomada de posição sobre o "vai para a tua terra" com que André Ventura despachou uma deputada eleita pelos cidadãos em eleições livres e democráticas.
Não se percebe bem a que propósito a "liberdade de expressão" aparece, aqui e neste contexto, ou se calhar até se percebe. Se a liberdade da deputada Joacine propor a devolução das obras de arte retiradas às ex colónias, retiradas, não compradas ou doadas, como, por exemplo, o Metropolitan Museum of Art de Nova York fez ao Egipto com as peças retiradas da tumba de Tutankhamon, ou como o Museu de Atlanta, também nos States, com a múmia de Ramsés I, nós, que passamos a vida a lastimar-nos do saque cultural e científico sofrido durantes as invasões francesas, se a liberdade de André Ventura mandar quem quiser para a terra que lhe der na real gana, tudo a brincar, pois claro e sem emoji, até ao dia em que uma maioria lhe permita fazer uma lei a sério, para depois andarmos todos a ganir, liberais incluídos, o poema do Martin Niemöller "Quando os nazis vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista" e o caralho.
De manhã tivemos a doutora Joacine em directo na televisão a acusar o Livre de se ter aproveitado duma negra gaga para eleger um deputado, exactamente o argumento usado pelo Livre e pela deputada para classificar de racista e de extrema-direita para cima quem disse o mesmo da doutora Katar-Moreira quando foi eleita.
À noitinha tivemos a doutora Isabel dos Santos no Twitter a classificar de racismo e preconceito os casos de corrupção e nepotismo onde aparece envolvida na investigação jornalística "Luanda Leaks".
"Racismo" e "preconceito" é o novo maravilhoso.
De caminho a Price Waterhouse Coopers cortou relações com a filha do pai depois de décadas a ser paga para trabalhar na maquilhagem das trafulhices da empresária, dar-lhe um ar decente, aceitável e com "sentido de Estado, enquanto o Cigarette Smoking Man ou Cancer Man dos X-Files, também conhecido por Fórum de Davos ou Forum Económico de Davos, 'desconvidou' a senhora. Tem peçonha, ninguém sabia ou sequer desconfiava. Por causa das carradas de maquilhagem e do cabelo esticado que a fazem quase branca. Uma afirmação claramente preconceituosa e racista, esta.
Entretanto vai grande alegria e excitação no jornal do militante n. º 1, também ele sentadinho em Davos e apanhado de surpresa com toda esta embrulhada, enquanto ficamos todos à espera que depois de publicar a prometida lista dos jornalistas avençados do BES nos Panamá Tretas, o Expresso publique também a lista dos jornalistas avençados da cleptocracia angolana que conseguiu roubar e fazer mais mal ao seu próprio povo que o colonialismo, e isto sem qualquer acusação de racismo e preconceito, sublinhe-se.
A confusão entre a "missão" de serviço público, inerente ao cargo de deputado eleito da Nação, e um qualquer emprego na vida privada, por alguém que não sabe, nem quer saber, o que é ser deputado eleito, e por outrem que não sabe, nem quer saber, o que é ser assessor de imprensa de um deputado eleito por uma partido político. Siga a marcha.
A doutora Joacine, que não sabia como votar na questão "a culpa é como Israel", absteve-se por dificuldades de comunicação com o partido que mantém mãos cheias de dezenas de militantes activos no Twitter 24 horas por dia. Se isto não é ridículo é no mínimo ridículo. A doutora Joacine, que foi eleita sozinha sem precisar do partido para nada, nem sequer de Rui Tavares, o fundador do partido e a cara do partido, que andou meses com a doutora Joacine ao colo para a mostrar urbi et orbi e para promover a imagem de alguém que foi não precisa de Rui Tavares nem do partido para nada, não sabe o sentido a dar ao seu voto na questão, a seguir ao futebol, onde toda a gente tem opinião formada - "a culpa é como Israel". "Eu é que sou o presidente da Junta". E a doutora Joacine também não conhece Zeca Afonso, caso contrário a questão do sentido de voto, de quem não precisa de partidos para nada, nem se colocava. Se isto não é ridículo é no mínimo ridículo. A doutora Joacine, entretida em trabalho de campo com a meritória transladação de Aristides de Sousa Mendes para o Panteão Nacional, ó ironia, um facilitador de passaportes a judeus ainda a questão da "culpa de Israel" não se colocava, falhou a entrega do projecto sobre a lei da nacionalidade, em campanha eleitoral uma das bandeiras do partido de que a doutora Joacine não precisa para nada e pelo qual foi eleita. As minorias, "racializadas" ou não, podem esperar pelo ego da doutora Joacine ou que o ego da doutora Joacine vote no projecto de outro partido de esquerda, com ou sem indicação do sentido de voto do partido pelo qual a doutora Joacine foi eleita. Se isto não é ridículo é no mínimo ridículo. A doutora Joacine, que foi eleita sozinha sem precisar do partido para nada, quebrou unilateralmente o blackout decidido entre a sua pessoa e o partido de que não precisa para nada, para o acusar de falta de camaradagem e de promover um golpe contra a sua pessoa, "não sou descartável", estou aqui para ficar, "eu é sou o presidente da Junta". Se isto não é ridículo é no mínimo ridículo.
Por mérito próprio e por convicção o Livre ficou encostado exactamente onde a direita radical o queria ver encostado: às questões étnicas e de identidade de género. Parabéns pois ao Livre, que tem a maior brigada de serviço ao Twitter e Facebook e que lhe serviu para nada ou precisamente para isso, para confirmar o "nicho de mercado".
O Incrível Hulk também era bastante irritadiço [entrevista de Joacine Katar-Moreira ao Expresso].
Os imbecis que vibraram com o golo do Éder na final do Europeu, com as medalhas de Nelson Évora no atletismo, com Jorge Fonseca campeão do mundo a levar os adversários ao tapete, com as jogadas e os golos de Eusébio no top 10 das melhores da história do futebol, com Cristiano Ronaldo na final da Champions a receber a medalha de campeão da Europa com a bandeira nacional a servir de capa ao lado dos colegas de equipa, também cada um deles com a bandeira do país de origem, que enche o Pavilhão Atlântico para cantar "Ó Gente da Minha Terra" com a Mariza e que anda na rua a "Chamar a Música" da Sara Tavares são já nove mil a assinar uma petição pública para impedir a tomada de posse de Joacine Katar Moreira, primeira afro descendente a chegar ao Parlamento, porque na noite da celebração alguém empunhava uma bandeira da Guiné-Bissau.