"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Os milhares de empregos de merda que Trump ia criar na agricultura, na hotelaria, na restauração, com os imigrantes mandados para a terra deles, já não vão ser criados, porque os imigrantes já não vão para a terra deles por fazerem falta na agricultura, na hotelaria, na restauração.
A man waves a Mexican flag as smoke and flames rise from a burning vehicle during a protest against federal immigration sweeps, near Los Angeles City Hall in downtown Los Angeles, California, U.S. June 8, 2025. Reuters/ David Swanson
Por um lado temos a direita-extrema com a agenda da extrema-direita, que os emigrantes devem ir para a terra deles, que há cá demais para as necessidades, que têm que vir com contrato assinado e com habilitações necessárias; por outro lado temos os patrões, que faltam cem mil - 100 000 - cem mil imigrantes em Portugal para suprir as necessidades, e ainda nem sequer começaram as obras do novo aeroporto, da nova ponte sobre o Tejo, do TGV, tudo assente nas sub empreitadas e sub sub empreitadas, para maximizar lucros e fugir às obrigações fiscais, com a cumplicidade do poder político, e resta saber como se vão identificar os pedreiros, os carpinteiros, os serralheiros, etc, etc, com diploma passado que os habilite a trabalhar na obra.
Por um lado temos o controlo minucioso de fronteiras, por causa dos alegados bandidos que vêm de fora, para se aproveitarem dos subsídios, do Serviço Nacional de Saúde, para as mulheres parirem à pala e ficarem logo a receber abonos, como diz o líder do partido da taberna, e como repetem acéfalamente os que estavam na abstenção e resolveram sair de casa para meterem o país na merda com o seu direito ao voto; por outro lado temos os "investidores" que dizem desistir de Portugal por causa da exagerada burocracia e da caça ao imigrante nas fronteiras.
É a direita no seu labirinto a ganhar eleição atrás de eleição com um discurso em choque com a realidade do país mas ao sabor da bolha.
A seguir vão descobrir uma barbearia onde dormem vinte gajos do Punjab. Trabalham todos na restauração mas como a renda da casa é maior que o ordenado em vez de viverem em vinte apartamentos vivem vinte numa barbearia dum compatriota. Mas a culpa é deles que são imigrantes. E lá vamos vivendo alegremente com a extrema-direita a fazer-nos a barba e o cabelo todos os dias.
Se por uma semana na vida todos fizessem o que Mariana Mortágua fez, se metessem num transporte público de madrugada com aqueles que trabalham 12 a 14 horas por dia, todos os dias da semana, para fazerem o trabalho de merda que ninguém quer fazer, das limpezas às obras passando por parir os filhos do ex juiz chalupa anti-vacinas, e acabava logo a conversa da treta de recambiar imigrantes para "a terra deles".
Deportações de estrangeiros, indocumentados e sem autorização de residência, sempre as houve, todos os governos as fizeram, a novidade é serem publicitadas e celebradas, usadas como arma de propaganda em campanha eleitoral. Daqui para a frente vai ser sempre a descer, quando a direita alegadamente do "sentido de Estado" começa a dizer em público e em voz alta aquilo que só se atrevia a pensar baixinho e em privado.
Leitão Amaro apareceu na televisão para nos dizer, com cara de Leitão Amaro, que com o Governo PS a imigração aumentou de 4% para 15% e que neste momento são já 1.600.000, coisa nunca vista, uma rebaldaria, uma irresponsabilidade socialista a que este Governo pôs termo. Isto mesmo depois dos patrões dizerem que ainda são precisos mais 100 mil para suprir as necessidades. Ufano, a pensar que toda a gente o escuta com ouvidos de eleitor do partido da taberna, Leitão Amaro, que apesar da cara de Leitão Amaro não é burro, remata que com o fim da "manifestação de interesse" houve uma quebra de 59% na entrada de imigrantes em Portugal, agora é que é, ordem na casa, e diz isto a saber que os 59% estão cá, continuam a vir, ficaram em quebra mas aos olhos dos cidadãos e das reportagens que abriam os telejornais com as filas intermináveis nas portas dos serviços para legalização. Não são vistos não existem. Mas existem, agora mais vulneráveis, sem direitos, sem protecção social, às mãos de empregadores sem escrúpulos. Manhosos todos os dias, os empregadores e o Leitão Amaro.
Voltando aos 100 mil não residentes que recorrem ao SNS, aos 48 mil no Algarve - mão-de-obra barata para construção civil, restauração e hotelaria; aos 42 mil na Região Oeste - mão-de-obra barata para hortícolas e frutícolas; aos 41 mil na região de Lisboa - mão-de-obra barata para construção civil, restauração, hotelaria, alojamentos locais, limpezas, entregas e outros uber desta vida, lá se vai a hipóteses do turista manhoso que vem do estrangeiro usufruir da qualidade do nosso SNS, e vai haver muito boa direita do "sentido de Estado", e alegadamente democrática, a chegar à proposta do partido da taberna de interditar o acesso de imigrantes aos cuidados de saúde gratuitos e à escola pública.
Não se lhe conhece uma ideia digna desse nome para reter "capital humano" qualificado de forma a parar a sangria de jovens altamente qualificados para o estrangeiro, mas quer captar "capital humano qualificado" no estrangeiro, necessário ao desenvolvimento do país, como contraponto ao fluxo migrante de baixas qualificações. E foi aplaudido de pé. Um pantomineiro é isto.
"A meio de uma arruada em Coimbra, André Ventura entrou no Mosteiro de Santa Cruz", não para rezar, mas "para ser filmado a rezar", se calhar por uma lei para que os imigrantes só tenham direito a prestações sociais após cinco anos a descontar para a Segurança Social portuguesa.
O taberneiro foi em campanha até ao sítio do país com mais imigrantes por m2 falar mal dos imigrantes e encontrar a dona de uma lavandaria que vive de lavar roupa para os imigrantes, cheia de medo dos imigrantes que são o seu ganha pão e lhe dão qualidade de vida, "passam aqui e olham fixamente para a montra, onde é que já se viu? Agora vou ter de pintar os vidros de preto para ninguém ver saber que aqui há uma lavandaria. Isto estava muito melhor quando caminhava para ser um deserto de gente e de areia e eu me preparava para imigrar para Lisboa, agora isto é tudo deles, ocuparam as lojas, nem sequer pagam renda ao dono", ia dizer a senhora da querida lavandaria mas não teve oportunidade porque, de imediato, as televisões se viraram para o taberneiro que exige imigrantes a falarem português e a partilharem os nossos valores, tal e qual os imigrantes do deputado eleito pelo partido da taberna a que preside, e que na plantação de espargos de que é proprietário só emprega falantes de português, adoradores de Jesus Cristo, da Nossa Senhora de Fátima, da Irmã Lúcia, e tementes a Afonso de Albuquerque, que os mantinha na ordem e lhes fazia ver o que era bom para a tosse.