"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
No dia em que milhares desciam desde a Alameda até ao Martim Moniz num protesto contra o racismo, a xenofobia, e a instrumentalização política das forças da ordem, a televisão do Correio da Manha, sem til, optou por cobrir uma contra manifestação convocada pelo líder do partido da taberna, contra a imigração e, alegadamente, em solidariedade com as polícias, onde as ramonas da polícia eram em maior número que os contra-manifestantes.
Em 16 de Março de 2003, Durão Barroso, então primeiro-ministro, servia de mordomo numa cimeira que juntava W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar na base aérea das Lajes e que com base numa mentira antecedia em quatro dias a invasão de um país soberano, a desestabilização de toda uma região, inventar uma guerra onde ela não existia, estar na génese do nascimento do ISIS, dor e sofrimento, criar milhões de refugiados que se fazem diariamente ao Mediterrâneo em busca de paz e de uma vida decente na Europa. Hoje, 21 anos passados sobre um crime de guerra, um dos criminosos implicados, Durão Barroso, vem dizer com a maior cara de pau que "os europeus não querem muito mais imigração e que há limites para o multiculturalismo" como se não tivesse nada a ver com isso. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
"Turistas olham e não compram nada", aqueles que ainda não perceberam que podem, por metade do preço, fazer férias na outra margem do Guadiana, gasolina e portagens incluídas, nalguns casos em regime de alojamento superior ou praticado deste lado. Vai daí, a propósito de um Orçamento do Estado, o partido da taberna quer um referendo aos que asseguram a alegada baixa rentabilidade do negócio e de todas as empresas à volta, e os greetings enviados do Algarve para todas as partidas do mundo. O português é um bicho estranho...
"pessoas em especial vulnerabilidade, que vivem 20 ou 30 numa casa ou pequeno armazém", a ganhar mal, passar privações e humilhações, para amealhar algum e enviar para o país de origem, vão deixar de estar vulneráveis, amontoadas numa casa ou num armazém porque, de contrato exigido na mão, vão passar a ganhar bem, tão bem que vão poder alugar uma casa só para elas num centro urbano, vão deixar de vir procurar emprego em trabalhos sem contrato ou, acabados os contratos, precários e/ ou sazonais, que são a imensa maioria, regressam de imediato ao país de origem, e nunca, mas nunca, vão cair nas mãos das redes de tráfico humano que alimentam os trabalhos, que continuam lá, com ou sem lei, a perderem a visibilidade que agora ganharam. Como é que nunca ninguém se tinha lembrado disto?!
O taberneiro diz que é pouco este muito de propaganda e varrer para debaixo do tapete que lhe vai corroer directamente a base eleitoral.
Diz que Carlos Moedas é grande estadista por ter posto os pontos nos is e dizer preto no branco que a imigração faz falta, não podemos é "tolerar atentados contra a dignidade humana", e que a "imigração tem que ter regras, que garantam que quem entra no país tem contrato de trabalho e condições para viver com dignidade". E foi prontamente aplaudido, por unanimidade e aclamação, pelos compagnons de route que, desde pelo menos 2006, ano em que saíram dos buracos para os blogues, onde foi congeminada a direita ilusionista liberal, fã do 'amaricano' Tea Party e com fotos da Margaret Hilda na parede do quarto, sempre defendeu a virtude da iniciativa privada que criou os Uber, Uber Eats, Glovos desta vida, precisamente alimentados pelos imigrantes sem contrato de trabalho, sindicatos vade retro Satanás, coisa de comunistas, e sem sítio para dormir, que durmam empilhados uns nos outros que sempre se aquecem no Inverno. E nesta enxurrada orgásmica de aplausos temos alegados jornalistas, que não têm memória nenhuma do que era a direita liberal quando Passos começou a rabear com Manuela Ferreira Leite, moravam em Marte, taditos, mesmo aqueles que marcaram presença no congresso que havia de entronizar o barítono em Mafra.
"Dois anos à espera [?] e agora o Costa demitiu-se e fica tudo fuuudido outra vez...", "É pá, porque é que o Costa se demitiu?", "Por causa lá daquela corja dele...", "Mano, nuuunca em tempo algum um ministro do MPLA se demitiu por causa dele quanto mais por causa de outros!".
Temos Rishi Sunak, filho de indianos emigrados da África Oriental, primeiro ministro em Inglaterra; temos Suella Braverman, filha de imigrantes de origem indiana nascidos no Quénia e nas Ilhas Maurícias, secretária de Estado para os Assuntos Internos, também em Inglaterra; e temos Humza Yousaf, filho de pai paquistanês e mãe queniana, à frente do Partido Nacional Escocês. Quantas décadas vamos demorar até Portugal ter este nível de integração, dando como ponto de partida as autárquicas de 2021 na margem sul do Tejo, a zona mais multicultural, multi étnica, e de diversidade religiosa do país, onde, por exemplo, na "zona das quintas" - St.º Amaro, Rouxinol, Varejeira, Brasileiro, S. Nicolau, Miratejo, um branco europeu é que "dá nas vistas" nas ruas, e com todas as listas de todas as áreas políticas a passarem completamente ao lado desta realidade?
Imigrantes em Portugal só "se tiverem contrato de trabalho" deixou cair Carlos Moedas numa entrevista à Rádio Renascença. O mesmo Moedas dos unicórnios, das startup's, dos nómadas digitais, dos vistos gold, e que sabe perfeitamente no que assenta o modelo de crescimento da "cidade que está na moda": turismo alimentado pelos baixos salários e precariedade, dos uber - eats e driver, aos tuk tuk, passando pelos alojamentos locais e quem lhes faz a manutenção, à restauração e hotelaria, e às hordas de apalavrados em trabalhos de construção civil e reparações. Uns sem os outros não funcionam e, ao invés de exigir regulação, fiscalização, legalidade e respeito pelos direitos, humanos e laborais, veste uma pele de xenófobo e de uma penada passa a perna ao ex camarada de partido, Ventas, alçado em Le Pen de trazer por casa, ao líder em funções, o homem sem passado, o passado chama-se Passos, e coloca-se à frente dos dois, a arrebanhar votos a um, a posicionar-se para a sucessão do outro. Moedas não é tolinho, pode parecer mas não é.
O Ventas e o Chaga não são contra a imigração, o Ventas e o Chaga são contra a imigração legalizada, aqueles que vêm para o nosso país à procura de melhor qualidade de vida, para si e para os seus, a qualidade que não encontram no país de origem, tal e qual a diáspora portuguesa desde sempre, aqueles que trabalham mais do que lhes é exigido sem respingar, aqueles que descontam e pagam impostos e contribuem para a sustentabilidade da Segurança Social. O Ventas e o Chaga, na sua cruzada contra a imigração, o que pretendem é que Portugal seja uma imensa estufa em Odemira, um olival em Beja, um amendoal no Alqueva, de trabalho escravo, sem direitos nem garantias, de mais-valia absoluta para o empregador, os financiadores anónimos do Chaga.
O mistério do voto da imigração, aquele voto que costuma premiar os partidos que, através da acção governativa, criaram as condições para que alguns portugueses possam votar a partir do seu local de trabalho no estrangeiro.