"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Hugo Soares, apoiante de Montenegro e critico de Rio, aproxima-se de Rio porque acha que em caso de vitória nas eleições para a comissão política do partido o nome a indicar para integrar a lista de candidatos a deputados por Braga nas próximas legislativas deve ser o dele.
Semanas a fio com "os socialistas" e "os secretários de Estado socialistas" e "os ministros socialistas" e "a promiscuidade do partido socialista" na boca. A boca toda cheia.
A anedota do cigano "aiii, merreu o Zureeede... E merreu do quêee? Merreu com um cancro das costas... Aiii, logo vi cu malandre não era homem para ir para ele pela frenteee!" materializada no PSD, logo no dia a seguir aos apupos e às assobiadelas como por artes mágicas aparece a notícia da ex-bastonária da Ordem dos Advogados e Hugo Soares, que há mais de um mês vinha a receber desenhos de Rui Rio e de Marcelo, via Mindinho Mendes nas noites de domingo na SIC, caiu na real, como dizem os brasileiros, e não gostou, só se pode queixar de ser de compreensão lenta e de tentar esticar a corda quando do lado dele é só ele a puxar. Partido do Cancro nas Costas, por acso até nem é um mau nome.
Pegamos na deixa do rapazola, alçado a líder da bancada parlamentar do PSD: "esta frase encerra uma verdade", uma verdade de que já todos desconfiávamos desde sempre, que para o PSD, as retribuições, os salários, as pensões, o Estado social, os direitos e garantias, são "coisas comezinhas", são "coisas pequeninas", "que não trazem reforma estrutural" [que não cortam, definitivamente, salários e pensões], das "coisas que não apontam caminhos para o futuro" [que não apostam num modelo de baixos salários e de precariedade] e para isso o PS não conta com o PSD como conta com o BE e com o PCP. O que o rapazola, alçado a líder da bancada parlamentar do PSD, fez nesta entrevista foi medalhar o BE e o PCP e "amesquinhar" e "apoucar" o cidadão anónimo que vive do rendimento do seu trabalho, até eleitor do PSD, e isso "são contas com que o PSD se tem de entender", internamente, e externamente, nas urnas. E só por isso esta entrevista, nesta parte específica, devia passar em repeat todos os dias naqueles blocos "humorísticos" com música a condizer" e que servem de separador aos canais noticiosos no cabo.
Nem Pedro Passos Coelho nem Hugo Soares vieram pedir desculpa aos portugueses por durante três dias terem andado a alimentar uma teoria da conspiração, uma espécie de "x-files" à portuguesa, com base no jornalismo do "diz que disse" nas "redes sociais" e de uma "empresária" contadora de cadáveres, do Expresso, amplificado pela SIC e pela SIC Notícias, instrumentalizando as vítimas do incêndio de Pedrógão Grande, e seus familiares, com o intuito de capitalizar politicamente. Escroques.
Se o PSD não sabe se a lista das vítimas do incêndio em Pedrógão Grande está ou não em segredo de justiça primeiro pede um esclarecimento à Procuradora-Geral da República e depois, consoante a resposta recebida, pede ou não ao Governo para o levantar, não faz chicana política nem tenta capitalizar com a desgraça e o sofrimento alheios. E, em caso de dificuldade, faz pedagogia e pede ajuda à comunicação social militante que desconhece a separação de poderes num Estado liberal democrático, acampada à porta do primeiro-ministro e da ministra da Administração Interna, ao invés de ir bater às portas certas [que não são propriamente as das "redes sociais" e as das empresárias elaboradoras de listas].
Não é o líder da JSD de Braga vir a terreiro criticar Hugo Soares, Luís Montenegro e Luís Campos Ferreira por terem terem viajado para ver o campeonato europeu de futebol a convite de Joaquim Oliveira [Olivedesportos], quando o PSD critica o pagamento de viagens do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, pela Galp, com um lapidar "não podemos apregoar um caminho e os nossos representantes fazerem o contrário. Não podemos pedir explicações ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que vai ao Europeu a convite da Galp e ser surpreendidos pela intimidade do líder parlamentar [Luís Montenegro] e do seu primeiro vice-presidente, Hugo Soares, com interesses empresariais. Não podemos condenar politicamente o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quando o nosso líder parlamentar e o seu primeiro vice-presidente Hugo Soares aceitam participar em viagens de amigos, não dignificando e honrando as funções que exercem. Este caso é uma verdadeira pouca vergonha que não podemos aceitar de modo algum", não.
Enquanto Hugo Soares, o deputado do PSD cujos únicos contributos conhecidos para a democracia são o ter feito de his master’s voice com um referendo à co-adopção nos intervalos de passar manhãs e tardes no Parlamento a mandar bocas à oposição e a dizer "muito bem!" quando os seus correligionários discursam, gozava à descarada com o deputado do PAN, André Silva, demonstrando uma total falta de respeito e de educação, que se adquire em casa e não com o exame da 4.ª classe, o "primeiro-ministro no exílio", Pedro Passos Coelho, acompanhado de grande burburinho nas bancadas PàFiosas, abandonava o hemiciclo durante a intervenção do primeiro-ministro de facto, aparentemente em protesto por António Costa ter usado o termo "mavioso" para adjectivar Paulo Portas.
Aquilo que em Jerónimo de Sousa é genuíno, quer pela origem de classe, quer pela baixa escolaridade e consequente pobreza semântica, e que em Passos Coelho, mais pontapé menos pontapé na gramática, podia ser "um burro carregado de livros é um doutor" é afinal uma "bengala linguística" que tem em Jerónimo de Sousa termo de comparação. Sancionado pelos outros, doutores e doutoras do partido, com mais ou menos livros no carrego.
Um ex-partido refém e um futuro partido órfão, sem matriz ideológica nem linha identitária, sempre dependente de uma figura tutelar, omnipresente e omnipotente, mesmo na ausência. «PSD espera por Cavaco para decidir». E, nestas e noutras questões, o país à espera do PSD que espera por Cavaco. É um dos grandes mistérios da vida democrática portuguesa os cíclicos votos de confiança que os eleitores depositam neste híbrido de coisa nenhuma.