"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O taberneiro, que tem como financiadores e patrocinadores do partido Carlos Barbot, dono das tintas com o mesmo nome e com negócios no imobiliário; Cruz Martins, "facilitador" de negócios na área do imobiliário, administrador de empresas da mesma área, e com o nome nos Panama Papers; Eduardo Amaral Neto, dono de sociedade de consultoria e investimentos imobiliários; Miguel Félix da Costa, sociedade gestora de participações nas áreas do imobiliário; Salvador Posser de Andrade, administrador da antiga empresa imobiliária do Grupo Espírito Santo; e como vice-presidente Diogo Pacheco Amorim, consultor imobiliário, e o deputado eleito Ricardo Regalla, também consultor imobiliário; o taberneiro que chegou a propor no programa do partido a venda da totalidade dos edifícios propriedade do Estado, é o mesmo que quer garantias de que a nova lei dos solos vai ser impermeável à corrupção e à fraude.
O ponto já não é ser papalvo e votar nesta trupe, é gostar de ser gozado por meia dúzia de chico-espertos.
Mais caos urbanístico, mais atentados ambientais, mais população para as periferias, cada vez mais periferias das cidades, mais perda de qualidade de vida no calvário das horas no trânsito casa-trabalho-casa ou escola, os centros das cidades para a especulação Disneyland, a satisfação da clientela político-partidária do pato-bravismo e do betão. É "a economia a funcionar", onde todos ganham menos o tanso do costume, o contribuinte. Quem é amigo do povo, quem é?
Toda a gente com um mínimo de formação sabe que as cidades com história, em geral, e a cidade de Lisboa, em particular, cresceram a partir do centro, na base do turismo, dos alojamentos locais, e de lojas de artesanato diversas, que a partir de uma determinada hora as ruas ficam vazias de gente e não se vê vivalma, que os conceitos "lisboeta", em particular, e "bairrismo" e "tradição", no geral, são uma invenção ideológica, que os verdadeiros cidadãos, em geral, e os "alfacinhas", no particular, viviam fora das cidades, é por isso que em algumas cidades ainda é possível encontrar vestígios de muralhas e nalgumas até muralhas completas, desde esses tempos áureos, da divisão dos cidadãos genuínos, nos guetos, e dos cidadãos fake, os que fazem a cidade renovar e prosperar, no centro, sendo que a questão da mobilidade nem se colocava, não havia o caos do trânsito como nos tempos que correm, o tempo tinha outra velocidade e outro ritmo, uma pessoa metia-se rapidamente em qualquer lado a cavalo num burro, numa carroça ou até mesmo a penantes.
Disse Marques Mendes na avença semanal que tem na televisão do militante n.º 1, sem contraditório, que o preço das casas em Lisboa e no Porto mata o elevador social e que, pasme-se, até conhece quem tenha ido morar para Setúbal por causa disso. Há em Setúbal quem tenha ido morar para o Pinhal Novo por causa do preço das casas, gente que Marques Mendes não conhece, e não são tão poucos quanto isso. Assim como Almada e toda a margem sul explodiu com a fuga de Lisboa pelos mesmos motivos, depois de já ser insuportável pagar um andar desde Benfica a Santo António dos Cavaleiros, era Marques Mendes pequenino e, como é por todos sabido, "em pequenino não conta". Podemos argumentar com o preço elevado da habitação em todo o lado, à sua proporção, agora meter o "elevador social" à mistura, tadinhos dos alfacinhas e dos tripeiros...
O jornal do militante n.º 1 veio em grande alvoroço avisar que um quinto dos proprietário já venderam as casas que tinham no mercado de arrendamento com medo do Mais Habitação apresentado pelo Governo. O comunismo e a Venezuela, diz a direita que suspira pela Inglaterra e Países Baixos e países nórdicos, paraísos do livre mercado e do menos Estado, e onde há décadas onde funcionam programas semelhantes. E todo este pavor à conta de um questionário que a Associação Lisbonense de Proprietários distribuiu entre os seus associados, respondido por 700, rapidamente transformados em um quinto dos senhorios a nível nacional. Que a associação dos proprietários lisboetas faça os inquéritos que muito bem entender é lá com ela, que faça disso alarde e toque a todas as campainhas, também é um direito que lhe assiste, que um jornal, dito de referência, faça disso uma amostragem fiável do mercado nacional só mesmo um trapo encharcado nas fuças, como diz o pagode. É que nem na "liberdade para pensar" isto tem encaixe possível.
Cavácuo saiu do sarcófago na Coelha para apodar de "marxistas ignorantes das regras da economia de mercado que vigora na União Europeia" quem em 2023 quer aplicar legislação de 2014, era o PSD governo com Passos Coelho primeiro-ministro e Cavácuo Presidente da República, e logo apareceram milhares de bots nas redes, secundados por grunhos, mais ou menos anónimos, e totós de bisnaga de vaselina na mão em defesa da boa governação e honestidade do sonso que começou a vida com uma marquise clandestina em Lisboa e se retirou com uma vivenda trafulhada no Algarve, por causa de uma lei de 1993, imposta a Cavácuo numa Presidência Aberta de Mário Soares, e executada por Jorge Sampaio e João Soares. Não os deixemos ficar na sua chico-esperta e sonsa "ignorância".
A arte da direita radical consiste em fazer o povo acreditar que até uma medida de nítido cariz neo-liberal, o Estado tomar um imóvel devoluto, substituir-se ao proprietário em obras de recuperação para o colocar no mercado com renda acessível, entregando o dinheiro de mão-beijada ao senhorio, é uma medida esquerdista, bolchevique, venezuelana, vem aí outra vez o PREC e o caralho. Só lucro com zero risco para o proprietário é "comunismo". Isto depois de décadas de sucesso da cartilha de que para o interesse público é melhor o que é privado, de alguém, que o que é público, de todos.
["Um cartaz com o Fernando Cunha dos Delfins na beira da estrada". Link na imagem]
Oito pessoas, na altura a coisa não funcionava como "família", funcionava como "chefe de família", juntavam-se, geralmente trabalhavam na mesma empresa, pediam um empréstimo à Caixa de Previdência e Abono de Família, compravam um terreno, pagavam o projecto a um arquitecto, a construção a um empreiteiro, três andares mais rés-do-chão, esquerdo, direito, e ficavam a pagar a mesma renda fixa, independentemente do rendimento familiar, durante 25 anos até à liquidação total da dívida, a prestação mensal não sofria com oscilações e humores do mercado. Foi nos idos do Estado Novo. E foi assim que milhares de ruas e bairros, como os das fotos que ilustram o post, Praceta das Janelas Verdes e Rua das Areias em Setúbal, nasceram de norte a sul de Portugal. Não resolveu o problema da habitação em Portugal, os bairros da lata eram mais que muitos e muitos anos depois do 25 de Abril continuavam a ser uma realidade, mas resolveu o problema de uma classe média/ média alta em ascensão. Está bem que não havia os "mercados", os "investidores" e os bancos não eram alimentados pelos contribuintes, na altura dos apertos, nem pelo cidadão, em tempos de bonança. Não havia eleições, mas agora que as há ninguém é chamado a eleger mercados e é suposto que os eleitos governem em favor dos eleitores e não de poderes obscuros, e que um partido socialista seja efectivamente socialista e não uma cona aberta aos interesses privados e à especulação. Depois quando um qualquer Ventas, que quer inaugurar uma nova República, vier argumentar que o fascismo fez mais pela habitação para a classe média que 50 anos de democracia ficam todos mui admirados por pagode concordar, aplaudir, e reflectir o aplauso nas urnas.