"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Luís Montenegro falou em aproveitamento político da greve dos trabalhadores colaboradores da CP para se aproveitar politicamente da greve e insinuar mexidas na lei de forma a não prejudicar os outros, quem vai trabalhar, alegou. E os outros concordaram prontamente. Até chegar o dia em que precisam de recorrer à arma greve para fazer valer os seus direitos, reivindicar, e não podem porque a lei foi mexida com a sua anuência porque se sentiam prejudicados quando os outros estavam na luta. É todo um processo de chico-espertice que começa na arte de meter pobres a invejar o que o menos pobre ganha ou a criticar a ajuda dos que estão no patamar abaixo recebem enquanto os ricos passam pelos intervalos da chuva.
"FICASTE SEM COMBOIOS? PRIVATIZE-SE!", Berra no Xis a Reunião-Geral de Alunos, agora denominada Ilusão Liberal, a propósito da greve na CP, com uma foice e um martelo a preceder o logo, porque, como é por todos sabido, os trabalhadores colaboradores fazem greve por o Partido Comunista os mandar fazer e não por se sentirem injustiçados e prejudicados, e porque nas privadas Vimeca, Fertagus, TST, Alsa, Transdev, etc., não há greves nunca em tempo algum, é uma alegria no trabalho com o patrão accionista a ser um mãos largas e a distribuir remunerações e benesses a eito.
Como escreveu o Prémio Nobel da Literatura, "Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos."
Residents of Masiphumelele set up burning barricades amidst an ongoing strike by taxi operators against traffic authorities in Cape Town, South Africa, August 8. Reuters/ Nic Bothma
A páginas tantas na entrevista Marcelo começa a discorrer sobre a greve dos stores "ao lado dos sindicatos clássicos, apareceram novos tipos de sindicatos...", "como o STOP, por exemplo", voz de António José Teixeira, "por exemplo transversais... [sorriso de orelha a orelha] que cobrem todos os que trabalham na escola e não apenas os professores... [sorriso de orelha a orelha outra vez, "estão a ver como eu sou um génio iluminado?"] isto é uma realidade completamente nova, e as confederações sindicais como as patronais estão há muitos anos a serem ultrapassados por esta realidade" [minuto 14:40].
Estão há tantos anos a serem ultrapassados que desde o sindicalismo democrático, surgido da revolução de Abril, existe uma coisa chamada Contrato Colectivo Vertical, que se aplica a todos os colaboradores trabalhadores de uma determinada actividade económica, por exemplo o trabalhadores rodoviários, para fins de contratação entendem-se como tal não só os motoristas, como também os mecânicos, os empregados administrativos, os empregados de limpeza, os empregados dos refeitórios, etc, etc, que trabalhem numa mesma empresa do ramo. A novidade aqui, no caso STOP, é ser um sindicato saído da escola marxista-leninista da reivindicação de massas, malgré o comissário Nogueira na Fenprof, e onde o tradicional primus inter pares, em vigor nas escolas, foi deixado cair.
As coisas funcionam assim: os pais trabalham e no horário de trabalho dos pais os filhos estão na escola, e mesmo para aqueles pais que trabalham a partir de casa este princípio é válido. E é assim em todo o mundo, desde sempre, até porque o horário dos professores é o horário de trabalho dos pais professores e dos filhos dos professores. E por isso ver nas televisões e nas redes professores irados que "a escola não é um depósito de crianças" é não ter noção de nada, arrogância e falta de respeito pelo trabalho dos outros, gozar com o pagode, ou, na pior das hipóteses, os stores serem versados na Lição de Salazar onde o pai regressava do trabalho para alegremente ser recebido pela criançada que tinha ficado em casa à guarda da mãe, empenhada nas tarefas domésticas, cuidar dos petizes, e onde o direito à greve terminava na PIDE ou com umas cacetadas da GNR no lombo. E isto nem sequer tem nada a ver com greves, direitos à greve, justeza de greves, mas com educação e respeito pelos outros cidadãos.
Dar mau nome aos sindicatos e ao sindicalismo; dar argumentos à direita do "partir a espinha aos sindicatos" e dos limites à Lei da Greve; fazer os do negócio da saúde sairem do buraco a clamar pelo regresso das PPP da "lei e da ordem" nos serviços e no atendimento; meter a população contra os profissionais de saúde e contra os sindicatos, não necessariamente por esta ordem, cada uma por si ou todas em conjunto.
"É de lamentar esta situação, sendo o Hospital de Braga um hospital de referência na epidemia do coronavírus. Pensamos que o Governo e a própria administração do hospital deveriam ter sido mais céleres e ter procurado a solução do problema, no sentido de evitar esta greve"
Os "dois pesos e as duas medidas do Governo", segundo o secretário-geral vitalício da FESAP [a partir do minuto 08:25], com o referencial de 2,7% para o sector privado e o "ofensivo" 0.3% para a Administração Pública, como se estivéssemos todos esquecidos do tempo em que toda a gente, jornalistas, comentadeiros e fazedores de opinião, dizia que como referencial para o sector privado valia o número avançado pelo Governo para a Função Pública, e de todo o sector privado ser "aumentado" entre 0.3% e 1% quando José Sócrates dava 2.9% aos empregados no Estado em vésperas da chegada da troika. É que no privado são todos malucos e vivem no emprego para a vida.
Ler nos online e nas "redes sociais" pantomineiros neoliberais, daqueles que têm a Margaret Hilda e o Governador da Califórnia nos idos do Woodstock Festival como foto de fundo, a acusarem António Costa de deliberadamente confundir autoridade do Estado com autoritarismo, pela forma como o Governo respondeu à greve dos camionistas das matérias perigosas e como lidou com a figura "requisição civil", depois de passarem a vida a elogiar a mão firme e a domesticação dos sindicatos que levou os "amanhãs que cantam" dos mercados aos States e à UK ;
Ler nos online e nas "redes sociais" pantomineiros do "De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!" a acusarem António Costa de grave atentado ao direito à greve consagrado na Constituição da República, enquanto faziam figas para que o Pardal da trotineta fosse eclipsado pela negociação dos patrões com a CGTP, schnell, schnell, e que ninguém se lembrasse de que todos os anos nas páginas do Avante! lastimam a queda do Muro de Berlim e lamentam o fim da União Soviética, onde sindicalismo e luta sindical era na Sibéria, quando se encontravam todos a trabalhar como escravos no Gulag e em condições sub-humanas.
Por uma daquelas estranhas coincidências da vida o início do Verão coincidiu exactamente com o início da greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas e, os incêndios que, em tempo fresco, estavam a todas as horas certas nos canais de notícias no cabo e a fazerem meia hora de abertura de telejornal nos canais em canal aberto, com repórteres de imagem em directo dos sítios mais recônditos do país onde nem o carro do Google Maps vai, pura e simplesmente desapareceram, Portugal deixou de estar a arder pela primeira vez nos últimos 20 anos, no mínimo.
Ou as televisões redireccionaram o histerismo mediático e com isso minimizaram o efeito copycat na floresta na exacta proporção em que o combustível desaparecia nas bombas de norte a sul do país?
E depois, quando este circo acabar, podemos falar de toda a contratação colectiva assente no baixo salário base compensado por horas a 50 e 75%, horas retiradas ao descanso pagas, descansos efectivos e complementares [dias de folga] pagos, refeições deslocadas, fora da base e à factura, diuturnidades e ajudas de custo, que foi negociada por sindicatos afectos à CGTP, no tempo em que os sindicatos tinham poder negocial e a Intersindical assinava contratos verticais, e da verticalidade sindical que, do princípio "a união faz a força", meteu no mesmo saco coisas diversas e diferentes, uma das razões para o nascimento dos novos sindicatos sectoriais e não alinhados?
Talvez depois haja muita coisa que fique mais nítida.
Uma conta paródia no Twitter, com aquele "picolete" de conta certificada e tudo, a decretar que quem decreta o fim das greves são os governos e não os sindicatos que as convocam.