"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ver espécimes que desde os idos do hi5, passando pelas batalhas nos blogues e o apogeu como comentadeiros e especialistas televisivos depois de uma passagem pelas redes, professam a globalização selvagem, uma fonte interminável de riqueza e bem estar, os novos amanhãs que cantam, exultarem com a vitória de Trump, que fez toda uma campanha a prometer acabar com a globalização. O mérito de ser milionário herdeiro de milionário que fez toda a fortuna na sombra do Estado e que agora promete acabar com o pouco Estado que resta. Porque Trump falou às pessoas, porque Trump se aproximou da classe operária, porque Trump soube ler a alma do povo americano, porque Trump refundou a direita e o conservadorismo [glup], por causa do wookismo, uma quantidade de justificações filosóficas e políticas para a vitória de um cadastrado, racista, homofóbico, bully sexual, misógino, mentiroso compulsivo, quando a explicação é mais simples: é a estupidez, estúpido!
Liberalizaram totalmente o mercado, sem exigências de segurança social, pensões, subsídios de desemprego, salário mínimos, sindicatos, horários de trabalho, dias de descanso e de férias, na esperança de 1 500 000 000 de consumidores para as marcas e corporações da "economia ocidental" e, quando lá chegaram, apanharam pela frente com um 1 500 000 000 produtores, sem quaisquer regras ou controlos de qualidade, laboral, individual, familiar. Argumentam agora, os liberais de pacotilha, que a globalização contribuiu para retirar 1 500 000 000 da miséria quando a globalização se limitou a meter 1 500 000 000 de miseráveis ao mesmo nível dos miseráveis ocidentais, ainda assim uma subida de rating. É o que o povo na sua imensa sabedoria chama de "ir à lã e sair tosquiado".
[Ursula von der Leyen] "instou Xi Jinping a tomar medidas para controlar a superprodução de bens industriais chineses que inundam o mercado europeu". "Uma China que joga limpo é boa para todos nós". LOL.
Depois de descobrirmos, por causa de uma guerra, que metade da Europa dependente do gás e petróleo russos, vamos descobrir, fazendo votos que não seja também por uma guerra, que temos toda a produção deslocalizada.
O figurão que a Europa faz ao nível ambiental, no cumprimento das metas de descarbonização e na redução do consumo de plástico, para atirar à cara e fazer exigências aos outros, quando tem toda a produção instalada na China e no sudeste asiático. Maravilhas da globalização, que elevou os miseráveis asiáticos até ao nível dos pobres ocidentais.
Que a liberalização é boa, que o proteccionismo não só é mau como um retrocesso civilizacional, que há que fazer figas [é só o que resta] para que o efeito Trump não seja o efeito dominó na Europa de Marine Le Pen, Nigel Farage e Gert Wilders, que a liberalização até tirou da miséria não-sei-quantos-milhões de chineses lá na China, [ler colocou não-sei-quantos-milhões de chineses miseráveis lá na China ao nível dos miseráveis europeus na Europa, sem que nesta equação nunca sejam tidos em conta os milhões de europeus que baixaram da classe média para a classe baixa e da classe baixa para o "lumpem"]. E até aqui já todos percebemos. Agora falta percebermos todos, eleitores de Trump, de Marine Le Pen, de Nigel Farage e de Gert Wilders incluídos, se a liberalização é tão boa e o proteccionismo tão mau e até um retrocesso histórico, porque é que andamos sempre com o coração nas mãos e o credo na boca e a fazer figas para que os senhores que propõem acabar com o paraíso na terra e o sol brilhará para todos nós não ganhem eleições. As pessoas não gostam de boa vida que a globalização lhes deu ou a globalização é, tem sido, boa para quem?
Imperialismo não é chegar com as tropas e ocupar o território e, passados uns tempos, sair e deixar um Governo fantoche instalado. Não. Isso é terrorismo de Estado, de um país sobre outro. Imperialismo é meter as marcas e as corporações acima da regulação e da legislação dos Estados e dos governos dos países. Imperialismo é meter o poder económico a decidir pelo poder político. Imperialismo é isto:
"You can download all the documents below, as a whole and per chapter. TTIP Leaks"
O mundo perfeito do capitalismo das marcas, do crescimento e da criação de riqueza a perder de vista, sem luta de classes, higiénico. Apesar de tudo não tão perfeito quanto isso já que as relações familiares não são de tios para sobrinhos como nos Disney comics.
Já tínhamos uma Bíblia da anti-globalização selvagem, pelo capitalismo das marcas e das corporações. Agora temos um Papa anti-globalização selvagem, contra o Governo global das multinacionais. E um Papa com uma Bíblia na mão é outra loiça.
Assinar um acordo sem cuidar que do lado de lá haja o mesmo tipo de protecção social e garantias laborais que há do lado de cá.
Assinar um acordo na gula do mercado dos não sei quantos milhões de consumidores do lado de lá para ir encontrar uma mina de não sei quantos milhões de potenciais dentes na engrenagem de produção das empresas deslocalizadas e da subcontratação de da sub-subcontratação de cá para lá.
Assinar um acordo para depois nos virem dizer que é necessário o lado de cá reduzir salários e abdicar de direitos e garantias e trabalhar de sol a sol trezentos e sessenta e cinco dias por ano até que a morte nos separe porque estamos a perder competitividade em relação ao lado de lá.
Empobrecer a classe média do lado de cá para promover os miseráveis do lado de lá até ao nível exacto dos miseráveis ex-classe média do lado de cá para depois nos virem dizer que a globalização é boa e que a globalização retirou não sei quantos milhões da miséria.
Mais um tiro no porta-aviões. Globalização não é isto. Globalização my ass!
Liberalizaram os mercados na secreta esperança de encontrar um mercado com não-sei-quantos mil milhões de consumidores, levaram pela cara com um mercado de não-sei-quantos mil milhões de produtores. É a hora do capitalismo das marcas apostar na pacificação e no desenvolvimento de África, é só já o que resta.