"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Há cerca de 745 mil funcionários públicos em Portugal. Na visão da IL, quantos deveria haver?
Nos últimos anos foram admitidos cerca de 90 mil funcionários, nos governos de António Costa - 90 mil funcionários a mais do que havia quando iniciou funções. Para uma legislatura, aquilo que estamos a dizer, se com esta média de saída de 20 mil funcionários, 15 mil por ano, estaríamos a dizer que reduziríamos cerca de 40 mil funcionários públicos até ao fim da legislatura. Sempre com este mecanismo de reforma, não estando aqui em causa nenhum tipo de negociações antecipadas e outras questões.
Nas televisões 300 a passo de caracol agarrados a uma corda engatam o trânsito, e a vida a toda a gente, em toda a baixa lisboeta durante uma manhã. Larga o comissário, para o poder político em tom de ameaça, que 700 e não sei quantos mil funcionários públicos vão a votos no próximo 10 de Março. 300. E noção?
Depois dos professores na semana passada diz que vem aí uma oleada de greve e paralisações, roubando a expressão aos espanhóis. Função Pública, médicos e enfermeiros, guardas prisionais, farmacêuticos, técnicos de diagnóstico e terapêutica, uma fartura. Por isso é legitimo perguntar para que foi aquele circo e foguetório no Palácio Foz com a assinatura da câmara corporativ... concertação social entre os sindicatos dos patrões e o sindicato que representa os patrões nas empresas, a UGT, se paz social nas ruas e nas empresas é coisa que não vai haver; se António Costa e o Presidente da República, eleito com o voto do PS de António Costa, acreditam mesmo em toda aquela palhaçada; se acreditam que os portugueses acreditam; se varrendo para debaixo do tapete a coisa deixava de existir; se acham que as pessoas fazem greve e vêm para a rua porque o PCP, por interposta pessoa a CGTP, lhes diz para parar e vir, já que o acordo está assinado e não há razões para isso?
Pessoa que passa a vida a apontar o dedo ao fraco investimento público e, por consequência, "a degradação dos serviços públicos" em geral e face a situações como "o colapso das urgências hospitalares" e "a falta de professores" em particular, aparece com cara de pau a prometer prémios para os funcionários públicos em função das poupanças que o Estado consiga obter. Quando o expectável seria o Estado não entrar em poupanças - mais investimento nos serviços públicos, saúde, educação, regressam as famosas "gorduras do Estado" dos idos do governo da troika Passos Coelho/ Paulo Portas - desmantelar o Estado social, retirar competências ao Estado em favor de interesses privados, agora enfeitado com o embrulho das "poupanças", que a memória das pessoas é curta mas não é tão curta quanto isso,
"Há cada vez mais funcionários públicos em Portugal". "Temos de pôr fim a esta rebaldaria geringonço-socialista". "A extrema-esquerda aposta no funcionalismo público porque é a sua base eleitoral". "Chulos". "Manhosos". "Ide mazé trabalhar!".
Com cara de sonso pergunta o presidente do sindicato dos patrões "como é possível que com as colónias e um império tivéssemos cento e tal mil funcionários e agora tenhamos mais de 700 mil?" deixando de fora da equação a escola pública - básico, secundário e superior, democratizada e acessível a toda a população, o Serviço Nacional de Saúde, universal e tendencialmente gratuito, as autarquias democráticas - câmaras municipais e juntas de freguesia, com o investimento em equipamentos públicos e o trabalho de proximidade com os cidadãos; contabilizando nos "mais de 700 mil" as forças armadas que deixa de fora, mais os pides, legionários e restante bufaria, nos "cento e tal mil" do tempo em que era bom, o da outra senhora. Como é possível um desonesto e mal intencionado deste calibre ter assento e acento na Concertação Social e negociar políticas com governos democraticamente eleitos?
A direita, que desde o início da pandemia clama que o Serviço Nacional de Saúde e a escola pública estão em falência por falta de médicos, enfermeiros, professores, auxiliares, et cætera, profissionais dispensados, ou não contratados para colmatar faltas e falhas nos serviços, com o argumento do "emagrecimento do Estado" quando a direita foi poder, é a direita que agora protesta contra o maior aumento de funcionários públicos nos últimos nove anos, por via do "despesismo socialista" que não olha ao dinheiro do contribuinte. Confusos? Nope, a ideia é desmantelar o Estado social e meter o contribuinte a pagar o lucro do negócio da saúde e do ensino privado. Pelo caminho diz que a esquerda é contra o lucro.
O João, no seu editorial de hoje [ontem] no Expresso indigna-se por os funcionários do Estado não estarem a contribuir para o sacrifício nacional pois não há um único em lay off com corte de salário (que seria pago pelo mesmo Estado). De quem falará ele?
Diz que não é dos 30 569 médicos, nem dos 49 022 enfermeiros. Nem será dos 9 670 técnicos de diagnóstico e terapêutica. Bem como dos 1 962 técnicos superiores de saúde. Também não será dos 51 366 polícias das forças de segurança ou dos 1 548 polícias municipais. Ou dos 2 292 bombeiros.
Se bem percebi também não fala dos 136 150 professores dos vários níveis de ensino básico e secundário que continuam a dar aulas à distância e a preparar o que aí vem. Ou dos 15 241 docentes universitários e 10 470 docentes superior politécnico que continuam com aulas não presenciais.
Mesmo os políticos nacionais, regionais, locais estarão em overdrive como nunca pelo que também não será desses 2 374 que fala ou sequer dos autarcas que na larga maioria não contam para este totobola pois recebem senhas e não salário.
Será que fala dos 157 990 assistentes operacionais/ operário/ auxiliar (aqueles que constituem, no Estado, o grupo com mais infetados) que contém, lá pelo meio, a malta que está nos hospitais, centros de saúde, que nas autarquias continuam a desinfetar ruas e enterrar mortos? Se calhar não.
Talvez sejam os 87 448 assistentes técnico/ administrativos bom, mas também nesses os há que estão em teletrabalho a apoiar os 67 965 técnicos superiores que desenham e acodem a empresas e particulares com todas as medidas de exceção.
Já sei, são os dirigentes, os 11 107 dirigente intermédios e os 1 713 dirigentes superiores. Mas espera, quem define trabalho, organiza o trabalhado à distância, distribui pessoas para outras áreas críticas neste período? Não também não devem ser esses.
Talvez os 5 181 informáticos? Eh pá, também não! Esse andam completamente debaixo de água a tentar que tudo funcione à distância e a trabalhar como nunca. Os 403 diplomatas? Bom, esses anda em roda viva à procura de garantir equipamentos e razoabilidade entre pares.
Serão os magistrados, todos os 3 801? Bom, parece que há muitos procesos ainda em curso e muito trabalho acumulado que implica ler, estudar e despachar. Ná. Também não andam a coçar a micose.
Estão-se-me a acabar os suspeitos. Mas... serão os 3 441 tipos da investigação científica? Os de biomédicas? Os de economia? Quais? Sim haverá alguns que ficaram em casa mas até esses estão de prevenção e podem ser chamados a qualquer momento como determina o Estado de Emergência.
Pois é JVP, provavelmente NUNCA em tempo de paz os mandriões do Estado mandriaram tão pouco. Se calhar NUNCA tantos sentiram o peso e importância de cumprirem e se calhar NUNCA os que eles servem reconheceram tão facilmente quão importante é o seu trabalho para comunidade. Saúde!
Quando há milhares de portugueses com a ameaça do desemprego a pairar sobre a cabeça, com ou sem subsídio; quando há milhares de portugueses em risco de perderem uma parte importante do rendimento do seu trabalho, quer por via do layoff, quer por via da eliminação do subsídio de refeição; quando a falência ameaça milhares de micro, pequenas e médias empresas, provocando um rombo inimaginável na Segurança Social, nas finanças públicas, e metendo a dívida externa outra vez em rota ascendente, o sindicato do emprego para a vida sai a terreiro para dizer esperar que o coronavírus não ameace ou ponha em causa futuros aumentos salariais na Função Pública, um dia depois de terem sido aumentados. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
Os "dois pesos e as duas medidas do Governo", segundo o secretário-geral vitalício da FESAP [a partir do minuto 08:25], com o referencial de 2,7% para o sector privado e o "ofensivo" 0.3% para a Administração Pública, como se estivéssemos todos esquecidos do tempo em que toda a gente, jornalistas, comentadeiros e fazedores de opinião, dizia que como referencial para o sector privado valia o número avançado pelo Governo para a Função Pública, e de todo o sector privado ser "aumentado" entre 0.3% e 1% quando José Sócrates dava 2.9% aos empregados no Estado em vésperas da chegada da troika. É que no privado são todos malucos e vivem no emprego para a vida.