"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Hollande foi ao Iraque dizer às tropas que estão ali porque são pagas para ali estarem, ou noutro sítio qualquer desde que lhes paguem, que afinal estão ali para prevenir o terrorismo em França, mais ou menos a mesma razão invocada por Sarkozy para bombardear a Líbia de Kadafi, criar um mar de mortos no Mediterrâneo a todos os dias da semana e a todos os meses do ano, desestabilizar toda uma região e inventar terrorismo onde ele não existia.
O mesmo argumento usado por W. para bombardear e invadir o Iraque, com as tropas americanas que são pagas para isso e com o trabalho sujo, que nem as tropas americanas que são pagas para fazer o que lhes mandam fazer aceitam fazer, entregue aos mercenários fora-da-lei da Blackwater, acrescentando ao argumento o piedoso neoliberal devaneio do "efeito dominó" de espalhar a democracia a toda à volta depois da queda do ditador Saddam, na realidade e na prática mais um mar de mortos no Mediterrâneo, um mar de mortos em terra, no Iraque, com bombas e ataques suicidas a todos os dias da semana e a todos os meses do ano, e a invenção do ISIS, que em franciu se diz Daesh, e que é a razão para os franceses estarem onde estão, segundo Hollande.
[Depois Paulo Portas foi o primeiro governante ocidental a aterrar em Tripoli, a capital da nova Líbia democrática para negociar um manancial de contratos para as empresas e as exportações portuguesas, o El Dorado no norte de África depois da conquista de Ceuta por D. João I, mas isso são outros quinhentos.]
[Na imagem a primeira página do neo-franquista ABC]
O mote foi dado por François Hollande logo na hora e a sangue quente: é um atentado terrorista do Daech [em árabe]. Estava dito, está dito. O medo não é só amigo dos terroristas, islâmicos ou outros, também aproveita à máquina do Estado ainda democrático, apesar de mesmo que administrada por partidos de esquerda e ditos do socialismo democrático.
Pressionado por todos os lados pelo discurso da Frente Nacional, Hollande responde à la Frente Nacional, como a Frente Nacional gosta de ouvir, Hollande enterra-se ainda mais, dá mais força à Frente Nacional e dá trunfos ao medo do 'Mal', que reivindica a acção 48 – quarenta e oito – 48 horas depois [!] Passa assim oficialmente a atentado, by appointment do Estado Islâmico, depois de oficiosamente indicado para tal pelo Estado francês. O medo.
Estava dito, está dito. E agora Hollande vai ter de explicar como é que um fundamentalista islâmico "comia carne de porco, bebia álcool e consumia drogas" como dizem as televisões todas. É uma radicalização rápida, instantânea como as tendas de campismo do Decathlon. O medo é amigo e há que levar a narrativa a bom porto. O mesmo porto das dezenas de detidos de células terroristas em Molenbeek logo a seguir ao atentado de Bruxelas: libertados e nunca mais ninguém ouviu falar deles.
Se fosse hoje o desequilibrado da Germanwings também era um terrorista islâmico. E tinha sido muito mais fácil.
Hoje é o dia em que os socialistas descentes Gerhard Fritz Kurt Schröder e Anthony Charles Lynton Blair festejam a derrota da Frente Nacional de Marine Le Pen com um menos mal que ganhou a direita responsável e do "sentido de Estado", a direita de Nicolas Paul Stéphane Sarközy a quem Manuel Valls ainda não conseguiu roubar bandeiras suficientes que lhe permitam ganhar eleições.
Como alternativa para os países do leste da Europa "excessivamente dependentes do gás da Rússia" disse o gajo que tem o fornecimento de gás ao país à mercê do ISIS, dos talibans e outros fundamentalismos, de "primaveras" várias e de ditadores amigos. Fizemos um figurão. Siga.
Algumas horas depois de ter tido a minha conta no 'tuita' em destaque no telejornal da TVI 24, também pelo 'tuita' encontro a imagem que podia muito bem ilustrar o que tinha escrito. Coitados dos ucranianos, anónimos, o povo, que só quer ter uma vida descansada.
Ou a maneira como as coisas são ditas. E feitas. Como resposta aos fascistas da Frente Nacional, um fascista do Partido Socialista. A direita a marcar a agenda da esquerda. A esquerda? Qual esquerda? O que é a esquerda? Benito Mussolini também teve formação marxista e tertúlia com socialistas e anarquistas, com o próprio Vladimir Ilyitch Ulianov, durante o exílio na Suíça, e idolatrava Bakunin e Sorel. Ainda vamos a tempo de ver a República Social Francesa. Cem anos depois assitimos, um pouco por toda a Europa, à reposição do filme como se de um ciclo de cinema se tratasse. Dizem eles, os da austeridade, que é um desperdício, e um desperdício de dinheiros públicos, o ensino das ciências sociais, humanidades. Avante camaradas.
E quando a extrema-direita aparecer a falar n' "A Questão Cigana" a esquerda vai acompanhar o tom para fazer face às intenções de voto dos eleitores, e aos votos expressos nas urnas, na pessoa de uma qualquer "estrela em ascensão"?
A única estrela em ascensão aqui é a estrela cosida na banda do casaco, da França colaboracionista de Vichy sobre a França resistente do Bureau central de renseignements et d'action. Quase 70 anos depois.