"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Agora que é conhecida a paternidade do enjeitado, o azar da Autoridade Tributária com a operação stop em Alfena/ Valongo foi o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais já não ser o CDS Paulo Núncio, para haver uma lista de matrículas VIP isentas de escrutínio, e para termos a brigada da direita radical, de plantão ao Twitter e ao Facebook, o dia todo a explicar a justeza da acção, rematada pelas avenças do comentário político, isento e independente, nas televisões a explicarem ao povo ignaro que a medida era não só justa como imperiosa e necessária, o problema resida na comunicação do Governo estar a ser mal feita.
Não, não foi durante a vigência do Governo da direita radical [PSD/ CDS] com o fisco a penhorar, implacável e inexoravelmente, uma habitação por meia dúzia de euros de portagens não pagas que a "Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) anulou uma liquidação adicional de aproximadamente 125 milhões de euros que tinha instaurado à Brisa pela venda da sua participação na Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) no Brasil".
Corria o ano de 2014 e o Governo liderado por Pedro Passos Coelho, vá-se lá saber porquê, perdoou, por dívidas ao fisco, 5,7 milhões de euros à Cofina, a empresa proprietária, entre outros, do campeão nacional da luta pela transparência e cumprimento, Correio da Manha [sem til], que, no ano seguir, e uma semana antes das eleições, fazia esta maravilhosa primeira página, vá-se lá saber porquê.
Errado, Cristiano Ró-náldo. As pessoas, cumpridoras das suas obrigações fiscais, sentem-se incomodadas quando vêem alguém, que ganha num dia o que elas ganham num ano, em prejuízo do bem comum usar da chico-espertice chamada "planeamento fiscal" para fugir com umas migalhas do seu rendimento aos cofres do Estado e que, quando levado perante o juiz, o melhor que lhe sai da boca para fora é uma imbecilidade com quatro pontos de exclamação sobre a inveja e a cobiça, numa "rede social" onde ganha dinheiro com a indignação das pessoas que ganham num dia o que ele ganha num ano.
"Grande elevação de carácter" era Paulo Núncio, quando foi convidado para secretário de Estado, ter dito "desculpa lá ó Paulo" ou, como a direita muito gosta, cheio de forma e salamaleque, "o doutor Paulo queria desculpar mas dado o meu passado ao serviço de offshores não me é eticamente permitido aceitar, vou ter de declinar o convite".
"Grande elevação de carácter", e uma vez que o leque da direita do "sentido de Estado" e da marcha do balão do "arco da Governação" para a ética tem uma abertura "de costa a costa", era Paulo Núncio ter sido imparcial e independente e não ter metido 10 mil milhões de euros na gaveta do esquecimento. Mas, como sói dizer-se, é mais forte do que ele, é a raça dele.
Não, doutora Maria de Assunção, isto não demonstra uma "grande elevação de carácter" coisíssima nenhuma, demonstra outra coisa completamente diferente e que me abstenho, aqui e agora, de nomear.
A gente lê no jornal que Paulo Núncio antes de ser colocado pelo CDS à frente do Fisco tinha sido advogado fiscalista na sociedade Morais Leitão, Galvão Teles & Associados onde esteve ligado ao ramo do escritório para o offshore da Madeira, sendo representante da MLGTS Madeira Management & Investment SA e que, pouco tempo depois de entrar no Governo, assinou o despacho sobre a tributação dos dividendos dos grupos com sociedades gestoras de participações sociais [SGPS] que isentou os grandes grupos económicos do pagamento de milhões de euros em impostos e depois a gente lê no jornal que "durante todo o tempo em que foi governante e tutelou a administração tributária, as estatísticas das transferências de dinheiro para contas offshores feitas a partir de Portugal" não foram publicadas.
Não estou a insinuar nada, nem sequer estou a levantar falsos testemunhos, longe de mim tal intenção, só estou a ler jornais.
O fisco espanhol andar a apertar os jogadores de um dos dois campeonatos nacionais de futebol mais mediáticos e milionários do mundo – o outro é o inglês, é má política porque os clubes podem deslocalizar a La Liga para a Holanda ou para a Irlanda [teoria liberal].
Quando se trata do Estado a meter o bedelho na vida de cada um há argumentos e há argumentos e há o peso da História no país que deu Salazar ao mundo e aos portugueses uma ditadura de quase 50 anos suportada numa polícia política e num argumento usado para a justificar.
Com Jean-Claude Juncker presidente da Comissão Europeia começa hoje no Luxemburgo o julgamento do jornalista francês e de dois ex-auditores da PricewaterhouseCoopers por terem passado ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação documentos que provam um esquema de fuga aos impostos por grandes empresas conhecido como LuxLeaks.