"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
SPQR nas camisolas da Roma, Senatus Populusque Romanus, Senado e Povo Romano. Romani di Roma, guardatelo positivamente: Adriano è nato a Siviglia. Ab Urbe condita libri, não e é só carregar 2 500 anos de história na parte da frente da maglia.
[Tinha prometido a mim próprio que nunca mais falava de futebol]
Passaram a sexta, o sábado, e o domingo até ao apito do árbitro, muito indignados nas redes porque a final da Taça de Portugal, por ser entre uma equipa dos cus de Judas e uma do Porto - o centralismo lisboeta, a Pintofobia e outras calimerices do género, não estava a ter na imprensa o mesmo destaque que habitualmente tem, ler: não estava a ser o circo imbecil montado pelas televisões nas portas dos centros de estágio, hotéis, motas atrás dos autocarros, directos de duas e três horas com entrevistas a cada palerma anónimo mais palerma que o entrevistado anterior, com as previsões mais estapafúrdias e os comentários mais alarves que nem o Freud conseguia explicar, quando o lamento e o protesto nas redes devia ser por as coisas não serem sempre assim, sejam as equipas quais forem na disputa - Benfica, Porto, Sporting, Braga, etc.
Só um irracional e profundo ódio a "Lisboua", à moirama, pode explicar as bojardas de alguém que anda há dezenas de anos no futebol e conhece como ninguém o comportamento dos adeptos bifes nas deslocações ao estrangeiro e a países sem restrição de venda de bebidas alcoolócias.
O nacional-parolismo de um Presidente da República que convoca um Conselho de Ministros extraordinário para o palácio presidencial, com a presença dos representantes do pontapé-na-bola nacional, para celebrar a conquista de uma final da Champions na capital, e com a exaltação de um dos instrumentos da meritocracia nacional de uso corrente - a cunha, o presidente da Federação é vice na UEFA e o organizador da prova um tuga de gema, Marcelo dixit, o edil Medina aplaude, a companhia aérea de bandeira já está a bombar às portas de Portugal enquanto sobrevoa a paisagem.
O nacional-parolismo do primeiro-ministro que a dedica aos profissionais de saúde, "um prémio merecido" por se terem sacrificado, a vida, a família, as férias, as folgas e os tempos livres, na luta contra a pandemia em defesa da saúde pública, amanhã as pitonisas do Costa explicam a relação entre uma coisa e outra, entre o dever do distanciamento social e manadas de hooligans a consumir álcool e a cuspirem-se uns aos outros;
A nacional-irresponsabilidade da Direcção-Geral de Saúde, convertida em Direcção-Geral do Poder Político, "quantos mais visitantes, melhor será para o país", que venham muitos, os civilizados da bola, que já fechámos os bares do Jamaica e andamos em cima de festas privadas e ajuntamentos nas ruas com pessoas que não sejam da mesma família.
Visto daqui, uma equipa com os nomes e os números dos jogadores impressos nas camisolas num sucedâneo de Comic Sans viu-se e desejou-se para levar de vencida uma equipa treinada por um Tom Waits look a like. Podia ser um poema de William Blake mas foi futebol.
Quando em jogos decisivos se mete a equipa jogar contra natura, à defesa; quando se está a ganhar por um e se troca o avançado pelo defesa que nem sequer tem ritmo de jogo nas pernas; quando se adapta um defesa central a defesa esquerdo com defesas esquerdos no plantel que nem sequer são convocados; quando se tem um guarda-redes promessa e se faz uma época inteira com a baliza à guarda de um guarda-redes da loja do chinês; quando, em desespero de causa, se lançam foras de série nos últimos 10 minutos de jogo depois de uma época inteira no banco; quando Cardozo, el cepo, faz ao minuto 94 da final da Taça de Portugal a melhor jogada desde que está ao serviço do SL Benfica.