"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Na chico-espertice de servir Setúbal de 20 em 20 minutos, sem aumento de custos em relação aos de 30 em 30 em vigor desde há 30 anos, a Fertagus, na hora de ponta, passou os comboios das habituais oito composições para quatro, sem fazer o trabalho de casa, na ignorância de que a questão não era o aumento das circulações mas o aumento das circulações em função do aumento de passageiros.
Na hora de ponta, e no sentido Setúbal - Roma/ Areeiro, na estação do Fogueteiro não cabe uma folha de papel entre as pessoas. Num registo de humor negro sádico ainda metem a gravação "Não se aglomere junto à porta, distribua-se pela carruagem", já que não pode ir ninguém lá em cima, como no Paquistão e na Índia, por causa das catenárias.
Na estação Foros de Amora saem 5 e entram 15, não se sabe como mas é assim. A seguir, em Corroios, é preciso ser mestre em artes marciais para conseguir sair do comboio e chegar a horas ao trabalho, no cais estão centenas para entrar. Obviamente não entram. Começaram por meter uns desgraçados da empresa de segurança Strong Charon nas plataformas, a fazer não se sabe bem o quê já que não lhes forneceram luvas brancas para empurrarem as pessoas para dentro das carruagens, à imagem do que acontece no metro de Tóquio. Agora já lá estão os seguranças e agentes da PSP mas a Fertagus está a efectuar "validações de contagens de passageiros e, se for validada a atual perceção da procura, no dia 20 de janeiro procederá a alterações na afetação dos comboios duplos". Uma coisa todos temos a certeza, da percepção que os utentes têm deste bando circense que administra uma empresa de transportes concessionada pelo Estado e subsidiada pelo Orçamento do Estado. Ainda correm o risco de acabar com aumento de prémio de gestão, nomeados para "Melhor Gestor do Ano", e entrevistados pelo Zé Gomes na televisão do militante n.º 1 por este acto de prestidigitação empresarial. Do ministro Pinto Luz, que apareceu mais rápido que a própria sombra a reclamar os louros governamentais deste fornecimento de transporte ferroviário à capital do distrito, nunca mais ninguém ouviu falar, desapareceu, "are you talking to me?".
"Estou contente". "Era preciso fazer qualquer coisa". "Vamos lá a ver desta". "Era preciso mudar". "Eram sempre os mesmos". "Uma vez uns, outra vez os outros". "Anos inteiros nisto". "A gente a trabalhar e eles no subsídio". "Foram para a política para se encherem". E "eles" nem sequer ganharam nada, foram a terceira força política mais votada, mas a dinâmica do discurso é a da vitória e da mudança, e esta percepção na opinião pública já é uma cabazada ao "sistema". Basicamente era este o teor das conversas, hoje no Fertagus, entre pessoas banais, daquelas com roupa das obras, das limpezas, fardas de segurança, pronto a vestir do mercado, nikes e lacostes da candonga. * No comboio descendente vinha tudo a gargalhada, uns por verem rir os outros, e os outros sem ser por nada.
"Dois anos à espera [?] e agora o Costa demitiu-se e fica tudo fuuudido outra vez...", "É pá, porque é que o Costa se demitiu?", "Por causa lá daquela corja dele...", "Mano, nuuunca em tempo algum um ministro do MPLA se demitiu por causa dele quanto mais por causa de outros!".
No Fertagus de Setúbal para Roma-Areeiro à minha frente uma gaja de t-shirt preta, estampada com aquela famosa foto do Che tirada pelo Korda, ao lado, um gajo de t-shirt vermelha com uma cruz do pescoço ao umbigo e "Jesus Cristo" garrafal em Times New Roman branco. E isto deve querer dizer alguma coisa já que vou a terminar um livro há muito tempo adiado, O Pêndulo de Foucault do Umberto Eco.
É que para além do serviço prestado pela Fertagus, em termos de qualidade, conforto e segurança, ser infinitamente melhor que o prestado pela CP, os €62 de diferença no preço do título de transporte pagamos nós, contribuintes, quer sejamos ou não utentes do serviço, e que se calhar, bem feitas as contas, acabam por nos sair a nós, taxpayers (em inglês tem mais a ver com a realidade) por 100 ou mais euros porque, querer comparar a eficiência de uma empresa com a da outra, ao nível da produtividade versus numero de empregados e/ou gestores, é o mesmo que comparar o cu das calças com a Feira de Castro. Conversa da treta.