"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Já se tinha percebido que o assunto Tancos tinha morrido quando logo no dia a seguir o velho Correio da Manha [sem til] voltou ao que sempre foi e ignorou olímpicamente o caso na primeira página, no entanto, o [ainda] líder da bancada par[a]lamentar do PSD, ignorando o princípio elementar das democracias - a maioria, frustrado por o circo não montar barraca no Parlamento, aparece a acusar a esquerda de impor uma data para a Comissão Permanente, enquanto lamenta a Assembleia da República não sair dignificada deste affair, um dia - um só, depois de ter sido caçado a digitalizar assinaturas de deputados do seu partido sem a autorização dos próprios. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
Ouvir o líder, de jure, da bancada parlamentar do PSD no debate "o estado da Nação", sem se rir, que este é "um Governo apoiado por forças políticas contrárias à União Europeia [BE e PCP]", depois de "continuar" sentado ao lado de Viktor Orbán na bancada do PPE no Parlamento Europeu.
Fernando Negrão, da demissão do cargo de director da Polícia Judiciária no quadro do processo Moderna [que chegou a envolver Paulo Portas] por suspeitas de violação do segredo de justiça. De Setúbal para Lisboa, de Lisboa para o Parlamento, onde ainda ontem não foi eleito presidente porque os socialistas-comunistas-esquerdistas-anarquistas não respeitam a tradição. Contra a democracia marchar, marchar.
Em democracia os habitantes do concelho de Setúbal não quiseram Fernando Negrão como presidente da Câmara Municipal, na tradição teria sido nomeado pelo excelentíssimo senhor Presidente do Conselho.
Na construção de "O Homem Novo", o PSD e o CDS querem que os alunos do 3.º ciclo e do secundário sejam previamente doutrinados, e ideologicamente direccionados, para adquirirem espírito crítico, antes de passarem à leitura, e interpretação, de uma Constituição de "forte carga ideológica", segundo o PSD e o CDS.
É isto, não é?
[Na imagem Pioneiros na ex URSS, autor desconhecido]
Obviamente que o argumento da "datação" e da «carga ideológica forte», num documento aprovado pela maioria de 2/3, por um Parlamento eleito pelo voto livre e democrático dos cidadãos, são efeitos especiais e nuvens de fumo para os olhos da opinião pública, e nem sequer vale a pena estar a perder muito, pouco, ou algum tempo com isso porque a questão é muito mais simples, mas não menos grave.
Num país governado por uma maioria de "iluminados" de direita, apostada na criação, custe o que custar, de um "homem novo", liberto de direitos numa sociedade onde só há lugar para deveres; com o desinvestimento na escola pública e nas ciências humanas e sociais em prol da aposta nas ciências económicas, para a elite, e no ensino profissional, para o povéu, e com fiéis, cegos, e amorfos seguidores dentro das próprias hostes, a leitura e o conhecimento da Constituição pelos mais novos e/ ou menores de idade só pode ser visto como uma medida perniciosa.
As intercalares para a Câmara de Lisboa, vistas deste lado de cá, da capital do deserto – Setúbal, tornaram-se num case study sobre como funcionam os partidos, das suas reais intenções e interesses no plano político, e do escalonamento de prioridades em relação às cidades e aos cidadãos; apostados que parecem em dar razão ao popular “eles querem é poleiro!” ou “eles querem é tacho!”. Não pelo que de concreto acontece em Lisboa, mas pelas implicações que tem em Setúbal.
Após as trapalhadas em que o PC se envolveu com a substituição de Carlos Sousa por Dores Meira na Câmara de Setúbal, a pretexto da desculpa esfarrapada das reformas compulsivas (que aliás começaram no “reinado” de Mata Cáceres, sem que ninguém pareça minimamente preocupado em falar no assunto…), o PSD que com Fernando Negrão a cabeça de lista, nas últimas autárquicas tinha atingido uma votação histórica na cidade, relegando o PS para terceira força política, crente de que poderia pela primeira vez conquistar a presidência da edilidade, pediu eleições intercalares. O PS, fragilizado, com Catarino Costa que nem aos próprios militantes parece agradar, e sem alternativa credível, obviamente recusou.
Agora que Fernando Negrão trocou a hipótese de ser presidente de Câmara duma capital de distrito, por um lugar de vereador na Câmara da capital do país, o PS enche os pulmões e vem pedir intercalares em Setúbal. Como seria de prever, o PSD está contra. E vai mais longe; acusa o ex-presidente PS, Mata Cáceres de também ter culpas no cartório pela situação financeira em que a Câmara de Setúbal se encontra – dívida superior a 100 milhões de euros. Só que o PSD finge esquecer que Mata Cáceres, no seu primeiro mandato à frente dos destinos de Setúbal foi eleito em coligação PS / PSD, deliberadamente com o objectivo de “correr com os comunistas” da Câmara de Setúbal, e, só não repetindo a graça no segundo mandato, não porque o PSD não o quisesse, mas porque o PS ganhou asas e resolveu ir a votos sozinho. Pelo meio foi votando a favor das propostas do PS, e viabilizando o gradual aumento do buraco financeiro. Foi o abraço do urso do PS ao PSD, que durou 16 longos anos. O resto é história; história municipal. E nos entretantos a cidade vai ficando adiada…O PC não quer; O PSD já quis; O PS agora quer, mas ao PSD não lhe apetece. Enfim, "nem o pai morre, em a gente almoça".