"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Um grande antifascista, e dono do 25 de Abril, paga para poder escrever no outrora Twitter folhas A4 a culpar a NATO e a União Europeia pela bela vida sossegada que leva, a Europa pela "Donroe Doctrine", e a Ucrânia pela alucinação imperialista estalinista de Putin, "ia de mini-saia do que é que estava à espera? pôs-se a jeito...", enquanto brandem a Constituição, falam do "direito dos povos à autodeterminação e independência", e invocam a famigerada Acta de Helsínquia, que diz precisamente isso, que os países são livres de escolherem blocos e alianças sem terem que dar cavaco a ninguém, muito menos ao vizinho do lado. E depois destas enxurradas diárias de folhas A4 escritas e pagas, prontamente retuitadas por dezenas de acéfalos, o dono daquilo tudo, Elon Musk, agarra no dinheirinho destes grandes antifascistas e financia o fascismo em todos os cantos do globo. ¡Viva la libertad, carajo!
Somos [são] bué revolucionários, democratas, acima de tudo antifascista, e alguns somos donos até fizemos [fizeram] o 25 de Abril, mas pagamos [pagam] 21 paus de mês para, em vez dos 280 caracteres no X, usarmos [usarem] 4000 em postas contra o imperialismo, o capitalismo, o fascismo, e outra coisas terminadas em ismo como NATO e União Europeia, para depois o Musk agarrar no dinheirinho e financiar tudo o que é organização e partido fascista no planeta, enquanto manipula o algoritmo para dar visibilidade ao ódio da extrema-direita. É esta a qualidade do alegado antifascismo do teclado militante tuga.
Andávamos todos preocupados com o Steve Bannon e o Breitbart News e a Cambridge Analytica e quando veio para a Europa com o The Movement. Andávamos. Depois chega Elon Musk com as algibeiras cheias de dinheiro, compra o Twitter, que faz o Breitbart News parecer um jornal regional, manipula o algoritmo, cola-se a Trump, aparece em Inglaterra ao lado do Nigel Farage enquanto no X avisa "Only the AfD can save Germany", os fantoches alemães de Putin na guerra contra a democracia e os direitos humanos na Europa. Andámos todos preocupados com um tigre de papel.
Na RDA eram combatentes leais ao estado do SED - Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, agora também podem ser encontrados nas fileiras da AfD. Segundo uma investigação da CORRECTIV, várias dezenas de antigos funcionários a tempo inteiro da Stasi fazem parte das estruturas da AfD. Mostramos o que eles estão fazendo hoje. A AfD permanece em silêncio sobre isso.
Manifestantes nacionalistas e antifascistas envolveram-se em confrontos junto ao Padrão dos Descobrimentos, "nacionalistas" é a maneira bonita que alguns media arranjaram para referirem os fascistas, e a polícia, para pôr cobro à refrega, escolheu o lombo dos antifa para largas à bastonada. Depois descobriram que a polícia é amiga dos fascist... dos nacionalistas. E até há fotos a circular pelas redes onde se vêm ambos, a polícia e os fascist... nacionalistas, em alegre confraternização, antes e depois da peleja. A seguir vão descobrir que o Partido alegadamente Socialista esteve 8 anos no Governo e não quis acabar com os zeros, com os amigos fardados do senhor Machado, pôr ordem nas polícias.
Com o principal financiador do fascismo na Europa e desestabilizador das democracias sentado no Kremlin, com um proto-fascista que o tem como ídolo com grande possibilidade de ficar à frente da "land of the free", 80 anos depois que "home of the brave" vem salvar a Europa, que não se soube cuidar neste tempo todo?
Parece que vai por aí grande alvoroço porque a extrema-direita está a ganhar likes no TikTok e no Insta a todos os outros na geração entre os 18 e os 24 anos, e Portugal não é excepção, com o partido da taberna a liderar destacado. Porque em casa já ninguém fala com os filhos [como se antes falassem de outras coisas que não merdas de futebol, reality shows manhosos, e festivais de música pimba]. Porque estamos [estão] todos à mesa de telemóvel na mão [como se antes do telemóvel alguém falasse de política com os filhos à mesa, ou de outra coisa qualquer]. Porque os putos passam o dia, e a noite, na net [antes disto é porque viam demasiada televisão]. Porque se calhar é melhor meter alguma ordem na net e nas redes [antes disto chamava-se censura, e depois da ordem metida quando a direita se alçar ao poder só precisa acrescentar "nova"]. Tudo isto no país em que ninguém fala de política no local de trabalho, porque isso é com cada um, porque a minha política é o trabalho e depois o fora-de-jogo no domingo e o penálti por assinalar. Tudo isto pelos génios do génio que Obama foi por ganhar eleições a mexer-se bem no Facebook e no Twitter, estas novas ferramentas de comunicação. Sim, os fascistas podem, mais que não sejam porque não estão cá com merdas como os outros.
Por uma daquelas coincidências o dia em que o tablóide italiano Libero, cada vez mais encostado à extrema-direita, faz primeira página com Giorgia Meloni "Uomo Dell' Anno" é o dia em que a Il Venerdì, revista do diário La Repubblica, elege como homem do ano de 2024 Giacomo Matteotti, o deputado socialista assassinado pelos fascistas de Mussolini em... 1924. Percebemos todos ou fazemo-nos de desentendidos?
Começamos o séc. XXI com o regresso do fascismo. Em força. Em toda a Europa e nos Estados Unidos. E na Rússia, um dos países vencedores do fascismo no fim da II Guerra Mundial. Mas o comunismo não regressa. Antes pelo contrário, desaparece. E não só não regressa e desaparece como pisca o olho ao eleitorado do partido fascista. Certinho como o destino é a explicação "científica" do regresso do fascismo como a "decadência do capitalismo". Apesar do comunismo ter [de]caído primeiro. E da esquerda se ter demitido.
Na primeira página do Il Riformista les beaux esprits se rencontrent em Budapeste, na primeira página do Il Manifesto a ilha de Lampedusa está a rebentar pelas costuras com milhares de migrantes em condições que não aceitamos aceitáveis para animais. Como cantavam os outros nos 80s, "the future's so bright, i gotta wear shades".