"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Primeiro inflacionam as notas artificialmente para ganharem vantagem no acesso ao ensino superior público, a seguir pedem a redução do peso do único instrumento que pode nivelar e repor alguma justiça nesse mesmo acesso. A chico-espertice de quererem passar a perna aos outros e a soberba de pensarem que ninguém percebe a matrafisga.
Um chico-esperto medalhado vem, de má-fé, confundir os incautos com exames como sinónimo de avaliação e larga uma bojarda, daquelas que faz umas gordas de encher o olho em qualquer jornal: "Não é por deixar de haver exames avaliação que os alunos vão saber mais". Não. Não é por haver avaliação exames que os alunos vão passar a saber mais, como o comprova todos os anos o ranking das escolas, com as privadas, especializadas num nicho de mercado que é o trabalhar alunos para exames e provas de aferição avaliações, sempre no Top of The Pops da "excelência" no ensino mas com os alunos chegados ao superior a diluírem-se na banalidade.
Somos muito à frente. Nós e a Turquia, ambos com os exames no 4.º ano de escolaridade. Também no tempo da minha avó mulher séria só saía à rua com a cabeça coberta e, na proximidade de um café, passava para o passeio oposto. Depois vieram as modernidades e as mulheres de cabelo ao vento e a fumar nos cafés. E como se não bastasse agora veio a esquerda do reviralho.
O que vale é que os profs vão passar a fazer prova de avaliação, o cheque-ensino vai distribuir democracia e possibilidades de escolha a eito pelas famílias, o ministro Crato vai tirar mais um exame da cartola [a Educação Física no 6.º ano?], a Maria Filomena Mónica vai escrever mais um romance sobre a escola pública e a mobilidade social e isto vai tudo entrar nos eixos:
"Há muitos professores que não querem aderir à greve". E remata que os professores não devem ser pressionados, o economista-matemático que, durante anos, teve coluna num semanário a explicar ao povo as cousas da ciência mas que não conhece a Terceira Lei de Newton.
Contava Jaime Serra, um dos protagonistas de uma das fugas mais ousadas e espectaculares de uma prisão do Estado Novo que, após semanas de interrogatórios na prisão, sem a presença de advogado, onde foi submetido a agressões físicas de toda a espécie e crueldade e à tortura do sono, como não havia meio de ceder, lhe deram a ouvir vozes, supostamente da mulher e dos filhos, supostamente na sala ao lado, como chantagem e ameaça. "Se tens amor à tua família é melhor deitares cá para fora tudo ou a seguir são eles", mais ou menos isto, tendo ele respondido que todo o mal que fizessem à mulher e aos filhos era a PIDE, era o fascismo, era Salazar, pelas mãos daqueles agentes, quem o faria e não ele que lutava por uma causa justa.
Vem isto a propósito da greve dos professores e da argumentação do ministro da Educação Nuno Crato, do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, do ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas, e do Presidente Aníbal Silva, por o princípio ser exactamente é o mesmo: atirar com a greve para cima dos alunos e a responsabilidade dos prejuízos causados para o lado dos professores, como forma de disfarçar e desviar as atenções da opinião pública da incapacidade, e da falta de vontade do Governo, em lidar com o problema de forma racional e honesta.
"O superior interesse dos alunos", diria o Presidente que-foge-dos-alunos da António Arroio depois de ter açulado os alunos dos colégios privados.
No avatar Nuno 'Zedong' Crato, a seguir os profs iriam todos para campos de reeducação e não se falava mais nisso, na versão Governo fora-da-lei, dois Orçamentos do Estado chumbados pelo Constitucional, e desrespeito à decisão do mesmo Constitucional na reposição dos subsídios de férias esbulhados aos funcionários públicos, o que dava mesmo jeito era um Tribunal Plenário para julgar sumaríssimamente essa corja. Na falta do tribunal Plenário altera-se a Lei ao jeito do Governo de modo a que não seja necessário um Tribunal Plenário.
A gente conhece um fascista retardado, de tardio/ atrasado e também de alguém cujo desenvolvimento intelectual está aquém do índice para a sua idade, quando a timeline argumentativa tem início no governo de Marcello Caetano, precisamente quando começaram, a ser dados, ainda que timidamente, os primeiros passos para a erradicação do analfabetismo em Portugal.
O resto é um vómito de invenções causa-efeito, e a explicação do conceito "marcelismo" não é tentativa falhada de humor, é mesmo uma explicação infantil de um bebé adulto para bebés adultos.
Esta gentinha não presta e não tem vergonha na cara.
E uma ardósia para fazer contas e um caderno de duas linhas para aperfeiçoar a caligrafia, depois de cantada A Portuguesa sob o olhar severo do senhor Presidente do Conselho na moldura na parede.
Agora repitam três vezes: "vai premiar os bons alunos, vai premiar os bons alunos, vai premiar os bons alunos" e depois todos à manif dos stôres contra a avaliação que vai premiar os bons professores.
[Imagem "June 30, 1924, Debutantes with Summer Follies, Mary Seldon, Dora Wagner" via National Photo Company Collection]
Modo Nuno Crato, que é como quem diz, no meu tempo é que era bom.
A última vez que ouvi falar em exame da 4.ª classe foi… no dia do meu exame. Saiu-me o caminho-de-ferro de Angola e as culturas praticadas em S. Tomé e Príncipe [trabalho escravo excluído que, para a época, isso também não interessava nada] coisas que me viriam a ser extremamente úteis ao longo da minha vida [ironia], além dos afluentes do rio Mondego e de duas contas de dividir e uma de subtrair e de uma pergunta qualquer sobre a 1.ª Dinastia. É do que me lembro. Suponho que, pelo menos, agora o caminho-de-ferro de Angola volte a sair, já são não-sei-quantos mil a caminho do horto da família dos Santos e nunca se sabe. As culturas praticadas em Portugal não vão sair porque não as há, god bless Cavaco, e o trabalho escravo, 10 e mais horas por dia, de segunda a segunda, pelo salário abaixo do salário mínimo, god bless UGT, calculo que, para a época, também não interesse nada falar. E a História de Portugal começou no dia 25 de Novembro de 1975.
[Na imagem o meu Diploma da 4.ª Classe onde só constava o nome do examinado e o do pai. O da mãe, à época, também não interessava nada]
Pode parecer que não tem nada a ver, mas tem. Tem tudo.
É que eu ando com outra na cabeça há um ror de tempo:
- Será que a geração que estava em vias de acabar a Faculdade nos anos da brasa de 1974 até meados de 1977, e sabendo-se como eram ministradas as aulas e efectuadas as avaliações e passagens, é melhor preparada que a geração da licenciatura “à la Sócrates”?
E eles andam por aqui; por ali. Por aí…
(Foto de Alexia Webster roubada no New York Times)
Há uma coisa que me faz espécie; confusão; não me entra; complica-me com o sistema nervoso: todos os anos, em todas as disciplinas, em todos os exames, sucedem-se os erros nos enunciados das provas. Sempre tive o desejo de poder fazer, a quem de direito, uma pergunta simples, e gostava de receber em troca, também uma resposta simples. Quem é que elabora as provas de exame? São elaboradas pelos Contínuos, Zeladores ou afins, das escolas e dos liceus – com todo o respeito que essas profissões mereçam? Há pergunta que nunca pude fazer, tive a resposta no Público de hoje. E, afinal os senhores Contínuos e Zeladores não são para aqui tidos nem achados.
Primeiro escolhe-se uma mão cheia de professores do secundário, conhecedores dos programas, e um chefe de equipa. A partir de matrizes genéricas, elaboram-se potenciais perguntas e faz-se um esboço de exame. Depois a prova é auditada do ponto de vista científico, por professores do ensino superior. «Há questões que voltam para trás para serem reformuladas pelas equipas. Outras são deitadas para o lixo. (…). Até que surge a versão final Há então que resolvê-la e definir os critérios de correcção.» Aqui chegados, chamam-se alguns profs do secundário alheios à equipa, para fazer os testes ao cronómetro. O enunciado torna a ser corrigido. Por cada item retirado é feita uma redistribuição das perguntas para evitar desequilíbrios. Os exames são impressos. É feita uma revisão gráfica e duas auditorias linguísticas. Até que chegamos a Março. «Nessa altura as provas ficam em pousio durante um mês. Há uma saturação cognitiva de quem escreveu, que já não tem capacidade para detectar problemas». Passado que foi um mês «é feita uma leitura final, conferida uma espécie de check list, dado o OK final».
Chegamos ao exame e dá barraca! Sempre! É da praxe! É a tradição no seu melhor!
Ontem o director do Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) assumiu toda a responsabilidade pelos erros detectados nas provas. É uma atitude linda não é? – Não, não é! Porque logo de seguida desresponsabiliza-se a si e a toda a gente da sua equipa ao afirmar que, não pode pedir responsabilidades a quem deixou passar os erros, porque “este é um trabalho de equipa. Só interferia se houvesse da parte de alguém displicência, falta de zelo ou dolo. Que não foi o caso.” (Público).
Senhor Carlos Pinto Ferreira: importa-se de repetir?! Na sua escala de valores o que é que pode ser considerado como «displicência, falta de zelo ou dolo»? Deve ser uma escala do “outro mundo”, porque nele não cabem as avaliações ao trabalho dos “nossos filhos”. Numa peneira tão fina como a que enunciou, chegamos ao fim e dá – desculpe a expressão -, a merda que dá, e não há ninguém para ser responsabilizado!?
Senhora ministra da Educação: uma vez que, e segundo o director do Gave, «este é um trabalho de equipa», com os péssimos resultados por todos conhecidos, não será de aplicar aqui a lei do despedimento colectivo com justa causa?
Depois é um “ai Jesus!” que estamos perante uma ofensiva que visa descredibilizar a classe dos professores. Fosse numa empresa privada em que a relação empresa-cliente está acima de tudo o mais, e outro galo cantaria!
Post-Scriptum: Qual é o salário auferido pelo director doGave e sua equipa, e, pago pelo bolso do contribuinte?