"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Não sei se é para rir ou para chorar ver o estado de negação em que se encontram aqueles que durante décadas a única posição perante os Estados Unidos foi o abanar de rabo e o seguidismo acéfalo, escudados num alegado atlantismo, recusando admitir que agora a Europa está por conta própria, a NATO tem morte anunciada, vítima de homicídio às mãos de quem a criou e financiou, para gáudio de alguma esquerda anacrónica que ao longo de décadas pediu a sua extinção e invocou o seu anacronismo.
Andávamos todos preocupados com o Steve Bannon e o Breitbart News e a Cambridge Analytica e quando veio para a Europa com o The Movement. Andávamos. Depois chega Elon Musk com as algibeiras cheias de dinheiro, compra o Twitter, que faz o Breitbart News parecer um jornal regional, manipula o algoritmo, cola-se a Trump, aparece em Inglaterra ao lado do Nigel Farage enquanto no X avisa "Only the AfD can save Germany", os fantoches alemães de Putin na guerra contra a democracia e os direitos humanos na Europa. Andámos todos preocupados com um tigre de papel.
Em 16 de Março de 2003, Durão Barroso, então primeiro-ministro, servia de mordomo numa cimeira que juntava W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar na base aérea das Lajes e que com base numa mentira antecedia em quatro dias a invasão de um país soberano, a desestabilização de toda uma região, inventar uma guerra onde ela não existia, estar na génese do nascimento do ISIS, dor e sofrimento, criar milhões de refugiados que se fazem diariamente ao Mediterrâneo em busca de paz e de uma vida decente na Europa. Hoje, 21 anos passados sobre um crime de guerra, um dos criminosos implicados, Durão Barroso, vem dizer com a maior cara de pau que "os europeus não querem muito mais imigração e que há limites para o multiculturalismo" como se não tivesse nada a ver com isso. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
Lula sabe perfeitamente que os tais 100% foram alcançados na II Guerra Mundial; Lula sabe perfeitamente que na II Guerra Mundial se ganhou tudo; Lula sabe perfeitamente que na II Guerra Mundial o inimigo foi completamente derrotado; e Lula sabe perfeitamente que a Europa do Estado social, da paz [duradoura] e prosperidade como a conhecemos hoje, íman para milhões de pessoas em todo o mundo, brasileiros incluídos, e até para aqueles que são vítimas de guerras que a Europa foi inventar onde elas não existiam, teve o seu embrião no day after à derrota total da Alemanha nazi, dos tais 100% que Lula diz não serem possíveis. Lula sabe perfeitamente isso e muito mais, e pelos vistos também sabe tocar violino na pele que se propôs vestir neste seu regresso.
Na primeira página do Il Riformista les beaux esprits se rencontrent em Budapeste, na primeira página do Il Manifesto a ilha de Lampedusa está a rebentar pelas costuras com milhares de migrantes em condições que não aceitamos aceitáveis para animais. Como cantavam os outros nos 80s, "the future's so bright, i gotta wear shades".
O que é mais ridículo, Costa a fazer-se de sonso acerca de uma sua hipotética carreira europeia, ou Marcelo, sem noção, a pensar que tem uma palavra a dizer na hipotética carreira europeia de Costa?
Orbán, o homem de mão de Putin dentro da União Europeia, crescido e engordado pelo Partido Popular Europeu, da direita dona da democracia. Anos a fio com o comunismo, Cuba e a Venezuela, o esquerdismo e o 25 de Novembro, o totalitarismo comunista, rebéubéu pardais ao ninho, enquanto engordavam Orbán. Agora estamos reféns do Putin, pelas posições do camarada húngaro, e os donos da democracia nem um pio.
Anos a fio com a independência da magistratura, a separação dos poderes, o primado do direito e o respeito pelos direitos humanos, enquanto na Hungria, mesmo debaixo dos doutos e democráticos narizes, Orbán limpava o rabo a isso tudo e ainda à independência da comunicação social, para agora se ensaiar dentro de portas uma "via GOP" na tomada por dentro do Constitucional, com a indicação, pelos pares da direita dona da democracia, de um fanático que defende a punição do mensageiro - a comunicação social, no caso de fugas ao segredo de justiça, e cita como fonte científica experiências levadas a cabo pelos nazis em campos de concentração, tudo isto explicável e desculpável ao abrigo do princípio da "liberdade de expressão".
A direita, dona da democracia, tem um problema com a democracia.
Primeiro Putin insinuou a resposta nuclear caso a NATO fosse em socorro da Ucrânia, depois Peskov, porta-voz do Kremlin, apareceu a falar em devastação nunca vista no continente europeu em caso de interferência de terceiros no conflito, ontem o ministro dos Estrangeiros russo, Lavrov, vem com o perigo real de uma III Guerra Mundial. Depois de milhares de mortos e de milhões de refugiados na Ucrânia, da destruição do país - de escolas a hospitais, passando infantários, bairros habitacionais, fábricas, cidades inteiras arrasadas, mais os crimes de guerra contra civis e a violação como arma. No entretanto a imprensa russa vai preparando a opinião pública para uma nova frente, uma 5.ª Coluna na Gagaúzia invocada por um general moldavos e "a Roménia não poderá ajudar a Moldávia no momento certo, pois é um país da OTAN e sua participação em uma operação fora da aliança significará o início de uma terceira guerra mundial". Até quando Putin vai avançar na reconstrução do império soviético, escudado na estratégia do medo, perante a passividade da NATO e dos Estados Unidos, é a questão que se coloca.