"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Como é que se requisita civilmente [de requisição civil] alguém que não tem nenhum vínculo contratual com nenhuma empresa ou entidade [no caso do Porto de Setúbal]?
"Eu requisitado? Porquê eu e não o senhor ministro requisitador? Ou o senhor doutor Marco António Costa do PSD, que não se calou com isso uma semana inteira?". [o requisitado a falar para com os seus botões].
E as televisões dias, semanas a fio, a todas as horas certas, em todos os noticiários a papaguear esta coisa da "requisição civil".
Ver Assunção Cristas, a aprendiza-substituta de Paulo Portas à frente do CDS até o querido líder completar a travessia do deserto e haver uma vaga de fundo que clame pelo seu glorioso regresso à liderança, em todos os canais de televisão, a largar o veneno e a plantar a mentira, sem que nenhum dos jornalistas, câmaras de ressonância, lhe perguntasse como é que se faz a "requisição civil" a quem cumpre o seu horário de trabalho e só se recusa a fazer horas extraordinárias...
Numa sociedade justa o empregador criava mais um turno de trabalho e o problema ficava resolvido, mas criar mais um turno de trabalho implica criar mais umas dezenas de postos de trabalho, pagar mais umas dezenas de salários, pagar mais umas dezenas de subsídios de férias, pagar mais umas dezenas de subsídios de Natal, pagar mais umas dezenas de contribuições para a Segurança Social, e menos uns milhares de euros em mais-valia para o patrão e para aos accionistas. E isto não é um país comunista, nem tampouco uma sociedade capitalista redistributiva.
Diz que os armadores perdem dinheiro, que os operadores portuários perdem dinheiro, que as exportações são afectadas, que as importações idem, que as empresas estão a perder milhões, que a economia do país está em risco. Por uma greve às horas extraordinárias. Não é uma greve total, é uma greve às horas extraordinárias. Às horas extraordinárias. Todo um sistema laboral que afecta este mundo e ainda uma parte do outro todo ele assente no pressuposto de que os trabalhadores vão fazer horas extraordinárias. As pessoas deviam pensar nisto. E deviam pensar porque é que a direita radical lamenta não ter conseguido baixar os custos do trabalho para as empresas e porque é que uma das primeiras medidas adoptadas pelo Governo da direita radical foi precisamente baixar o preço da hora e o preço da hora extraordinária. As tais horas extraordinárias que são atiradas à cara dos estivadores todos os dias e a todas as horas pelos comentadores da direita radical – os salários milionários que os madraços da estiva recebem, e no eco que faz na ignorância invejosa de outros trabalhadores, trabalhadores como os estivadores. E as pessoas também deviam pensar nisto.
Na Assembleia da República em Novembro de 2012, da bancada do partido fundado em 19 de Maio de 1974 com base em nomes de família que vêm desde 28 de Maio de 1926:
Que os filhos dos estivadores, como os pais, estivadores venham a ser, não me preocupa por aí além, além de fazer parte da agenda oculta do actual Governo, miséria para as classes mais baixas e empobrecimento generalizado da classe média, dificultar o acesso à educação e à formação superior e universitária, de tal forma que o filho do pedreiro, pedreiro seja, o filho do electricista, electricista seja, o filho do operário, operário seja, e por aí. O que me preocupa, e muito, é o número de deputados, sem qualidades que se vejam e méritos que se lhes conheçam, que enxameiam as bancadas parlamentares de suporte ao actual Governo, aparentemente apenas porque o papá ou a mamã também foram deputados pelo mesmo partido, ou porque fazem parte do núcleo da elite partidária a que se convencionou chamar de barões, e isso diz muito da qualidade da nossa Democracia.
A Associação dos Agentes de Navegação de Portugal, no papel de Johnny Friendly, quer despedir todos os que ousam fazer-lhe frente e que se recusam ceder-lhe uma parte do seu salário, e substitui-los por militares.
Os militares são disciplinados e obedientes, assim também pensaram Salazar e Marcelo Caetano.
Para apresentar elevados níveis de rentabilidade em resposta à "ditadura" do rácio trabalhador versus instrumento de trabalho; para diminuir encargos com a Segurança Social e com o fisco; para se ter o mínimo, pelo menor número de trabalhadores ao serviço, de responsabilidade na redistribuição da riqueza, acumulada pelo contrato de compra e venda da força de trabalho – a tal da dignidade do trabalho, estrutura-se todo o serviço com base nas horas extraordinárias e, depois do contrato assinado entre o contratante e o contratado, decide-se que o valor a pagar pelas horas extraordinárias, que asseguram o normal funcionamento do serviço na premissa do que anteriormente foi [d]escrito, não é xis como foi previamente acordado mas ípsilon porque agora nos apetece e porque aumenta a mais-valia ao contratante. E o contratado recusa, qual é a dúvida? Aparentemente nenhuma, não fosse a ideia, sim, porque há uma "ideia", voltar aos anos 60/ 70 do século passado, quando os estivadores se acumulavam à entrada dos portos na chegada dos barcos e vinha depois o capataz escolhê-los um a um, pela cara, pela amizade, pela submissão, pelo lambe-botismo, pelos bufos, ou porque sim, e negociava o preço da estiva, paga na hora e no final de cada jorna. Assim, sem mais, e que cada um faça depois o que muito bem entender com o dinheiro que recebe, descontos e comparticipações incluídas.
Adenda: Num clip, cirurgicamente amputado do minuto inicial, qual é a dúvida por alguém que trabalha 12 ou mais horas por dia, a qualquer hora do dia, da noite, da madrugado, assegurando, como agora se gosta muito de papaguear, o bom funcionamento da economia, ganhar 5 mil euros mensais?