"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Oito pessoas, na altura a coisa não funcionava como "família", funcionava como "chefe de família", juntavam-se, geralmente trabalhavam na mesma empresa, pediam um empréstimo à Caixa de Previdência e Abono de Família, compravam um terreno, pagavam o projecto a um arquitecto, a construção a um empreiteiro, três andares mais rés-do-chão, esquerdo, direito, e ficavam a pagar a mesma renda fixa, independentemente do rendimento familiar, durante 25 anos até à liquidação total da dívida, a prestação mensal não sofria com oscilações e humores do mercado. Foi nos idos do Estado Novo. E foi assim que milhares de ruas e bairros, como os das fotos que ilustram o post, Praceta das Janelas Verdes e Rua das Areias em Setúbal, nasceram de norte a sul de Portugal. Não resolveu o problema da habitação em Portugal, os bairros da lata eram mais que muitos e muitos anos depois do 25 de Abril continuavam a ser uma realidade, mas resolveu o problema de uma classe média/ média alta em ascensão. Está bem que não havia os "mercados", os "investidores" e os bancos não eram alimentados pelos contribuintes, na altura dos apertos, nem pelo cidadão, em tempos de bonança. Não havia eleições, mas agora que as há ninguém é chamado a eleger mercados e é suposto que os eleitos governem em favor dos eleitores e não de poderes obscuros, e que um partido socialista seja efectivamente socialista e não uma cona aberta aos interesses privados e à especulação. Depois quando um qualquer Ventas, que quer inaugurar uma nova República, vier argumentar que o fascismo fez mais pela habitação para a classe média que 50 anos de democracia ficam todos mui admirados por pagode concordar, aplaudir, e reflectir o aplauso nas urnas.
Uma corja saudosa de um tempo que não viveu - Portugal orgulhosamente só e ausência de qualquer liberdade que não a do regime suprimir a dos cidadãos, organiza um arraial debaixo da lona "Europa e Liberdade". Engana quem quiser ser enganado.
Só por manifesta ignorância, aliás expressa na forma como dirigentes, militantes e minions anónimos escrevem nas caixas de comentários e nas redes, com erros de concordância, gramaticais, pejados de bengalas linguísticas, o congresso não tem lugar em Braga, porque por vergonha na cara não é, de certeza.
Já nem vou pela 4.ª classe como escolaridade mínima e o saber de cor e salteado as linhas de caminho-de-ferro de Angola e as culturas agrícolas praticadas no Brasil, que era um país independente desde 1822, tudo a toque de reguada na palma da mão ou de cana da Índia nos nós dos dedos; já nem vou pelos índices de analfabetismo, por atacado na população e entre os homens e as mulheres, em separado, assim como o ensino separado para homens e mulheres; já nem vou pelo filho do doutor que havia de ser doutor e pelo filho do médico que havia de ser médico e pelo filho do arquitecto que havia de ser arquitecto e pelo filho do engenheiro que havia de ser engenheiro e pelo filho do cavador que havia de ser cavador e pelo filho do pescador que havia de ser pescador e pelo filho do carpinteiro que havia de ser carpinteiro e o do pedreiro e o do padeiro e de todas as artes e ofícios conhecidas à face de Portugal, do Minho a Timor; já nem vou pelo pão-nosso de cada dia que era o assinar com o dedo molhado num frasco de tinta para carimbo, marca Cisne; já nem vou pelos liceus para os filhos dos doutores e pelas escolas industriais e comerciais para os filhos da ralé, abertas contra vontade de Salazar, condicionado pela sua política do condicionamento industrial e porque eram precisos técnicos com mais do que a 4.ª classe e a saber mais do que contar até 100 e assinar o nome num papel selado e fazer trocos de tostões nas mercearias e tabernas, para trabalhar com as máquinas nas fábricas dos Alfredos da Silva e dos Mellos, com dois eles; já nem vou pelos cursos de lavores e de cozinha para mulheres, nas escolas industriais e comerciais para os homens que haviam de ir para as fábricas, higienicamente separadas dos machos por um muro ou por uma rede. Não. Este é o homem que no dia a seguir ao 25 de Abril andou a espalhar a revolução maoista pela universidade, a agredir adversários políticos, a praticar a caça ao bufo e a sanear os professores que até esse dia praticavam "a cultura de excelência" que tantas saudades lhe deixa:
Principalmente da parte daqueles que foram, ou que tiveram, familiares perseguidos, torturados, mortos, por pensarem de modo diferente ou só por lutarem por coisas tão simples e tão banais como a liberdade de expressão, e que são hoje, para as novas gerações, tão naturais como o respirar.
Principalmente por aqueles, e por aquelas famílias, que tiveram a vida e as famílias desfeitas e destroçadas numa guerra que não era a sua e que não lhes dizia coisíssima nenhuma, para negar aos outros o que reivindicávamos para nós, sermos senhores do nosso destino e do nosso futuro, e provocada por uma descolonização que não foi feita e que nem sequer era equacionada, não fora o malandro do Mário Soares e os bandalhos dos comunistas se terem lembrado de trazer o tema para a agenda, quebrando a unidade da pátria e o sossego instituído.
Principalmente pelo mundo e pela Igreja que estavam contra nós por causa de uma descolonização que não queríamos fazer, e pelos malandros da Academia Militar que iam estudar para os States e que até se atreviam a vir de lá open mind, a ver o mundo com outros olhos de ver, e a ver uma guerra onde, mais cedo ou mais tarde, iam acabar por morrer, por cousa e por causa nenhuma e em contra-mão ao sentido da História. Ingratos e mal-agradecidos a quem lhes deu oportunidade de estudar no estrangeiro.
Principalmente por causa da "grande dimensão metropolitana" e da "grande massa crítica" que não tínhamos, por causa de Salazar e dum Estado Novo fechado sobre si mesmo, e Deus e Pátria e Família e respeitinho é muito bonito e cada macaco no seu galho e cada um nasce para o que é e manda quem pode e obedece quem deve e o homem rural e a mulher na cozinha e a teta na boca da cria, e que nos impediu de fazer a descolonização que Salazar não queria fazer.
Jaime Nogueira Pinto é uma besta com um título académico que tem boa imprensa e muito tempo de antena e que até pode publicar livros, coisa que o Estado Novo que é muito diabolizado e que Salazar que foi um grande homem, nunca permitiu fazer a quem discordava de si, do seu regime, ou que simplesmente pensava de modo diferente.
Ficámos todos a saber que no próximo dia 5 de Outubro de 1910 vamos comemorar 59 anos de República “de facto” e 100 anos “de jure”, porque pelo meio houve um hiato de 41 anos que não conta para nada, não foi Monarquia nem foi República - apesar de formalmente ter havido a figura do Presidente - e até convém nem sequer falar disso e muito menos encenações históricas. Como o país esteve 41 anos “suspenso” – “de jure” – suspenda-se também a história, em upgrade Bloco de Esquerda da suspensão da Democracia.
Não há meio de aprenderem que as ideias se combatem com ideias e não com proibições.