"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Depois dos comunistas terem tomado todas as cidades, de norte a sul do país, Marcelo, no decreto presidencial que renova o estado de emergência e antecipando a inevitável queda do muro de Berlim e derrocada da RDA, fala na "reunificação das famílias" [a partir do minuto 09:53].
Se as pessoas não circularem o vírus não circula, parece ser dado por todos adquirido. Parece. E como é que se consegue que as pessoas não circulem? Fechamos a ilha, como fizeram australianos e neo-zelandeses - para nós não dá; impomos a lei do chicote sem dó nem piedade - como fizeram os chineses, mas suspender a democracia está fora de questão; forçamos um confinamento recorrendo à figura do "estado de emergência", consagrada na Constituição da República do Estado de direito democrático, e vamos gerindo a coisa. Por isso a necessidade de "reabrir a economia" à cultura, ao desporto e às escolas, tudo actividades que movimentam milhares de pessoas a horas certas em locais fechados - o vírus a circular, soa a desculpa para não se dizer que se vota contra só por se ser do contra.
Logo após António Costa ter anunciado as novas medidas contra a Covid 19, Bernardo Ferrão, alegado sub-director da SIC Notícias, aparece na televisão do militante n.º 1 a acusar o primeiro-ministro de se escudar na Lei, es - cu - dar - na - Lei. Ainda o Ferrão estava deslumbrado com a profundidade da sua análise já Rui Rio estava a dar à unha no Twitter, a tresler a Lei, de forma a que fosse proibido, por Lei, o Congresso dos comunistas a realizar no mesmo dia em que o seu colega do Chaga reúne o Conselho Nacional em concelho de risco muito elevado.
"Senhor presidente da República, eminente jurista da Faculdade de Direito de Lisboa,
O conceito "colaborador" não existe em Direito Laboral em Portugal. "Colaborador" é um conceito que não consta do Código do Trabalho nem da jurisprudência judicial relativa aos contratos de trabalho por conta de outrem. Pior: encaixa na tentativa ilegal e fraudulenta de "transformar" trabalhadores em falsos prestadores de serviços.
Legalmente, não há, pois, "colaboradores": há trabalhadores, assalariados, funcionários (se o forem), operários (se o forem), ou outra expressão. Não há contratos de "colaboração": há contratos de trabalho. Trabalhador não é um conceito marxista: é uma realidade, prevista na lei.
E que, por isso, senhor presidente da República, agradece-se que corrija esse erro no borrão de decreto presidencial, sob pena dessa disposição não se aplicar a ninguém, senão aos "bujos", "sabujos", "colaboracionistas" e outras pessoas menos rectas, que não os trabalhadores.
Como vê, ele há erros que vêm por bem e há quem escreva direito por linhas tortas e nem é Deus."
Fazia tanto sentido a proibição das feiras e dos "mercados de levante" ou mercados de rua enquanto os centros comerciais e os hipermercados continuavam a funcionar, como faz sentido o recolher obrigatório num país onde no Inverno a partir das 20 horas não se vê vivalma na rua. Tal e qual.
[Feira de Carcavelos na imagem de autor desconhecido]
No debate sobre o prolongamento do "estado de emergência" o CDS, por João Almeida, disse que não achava bem o Parlamento reunir-se para comemorar o 25 de Abril quando os portugueses tinham sido proibidos de celebrar a Páscoa em família e, como falou primeiro, roubou esta parte ao Ventas do Chaga que assim teve de rebuscar outra palermice de última hora. Um Parlamento reduzido à mínima fracção, por via das medidas de distanciamento social e do exemplo que é preciso passar, e uma Páscoa em família, com milhares em êxodo pascal a enxamear as estradas, alegremente de norte para sul, de sul para norte, do litoral para o interior, do interior para o litoral e, estivessem os hotéis e restaurantes a todo o vapor, as fronteiras abertas, até havia quem tivesse família no sul de Espanha, mesmo com casa encostada à praia. O mui famoso vírus-express. João Almeida [e o CDS], que nunca usou um cravo nas sessões comemorativas, frustrado por não ter havido beijo comunitário aos pés do crucifixo, depois de na sessão que votou o primeiro "estado de emergência" ter aparecido em modo circo presidencial sul-americano de máscara na cara. Percebem o problema do CDS com as tradições religiosas ou continuamos sem perceber o problema do CDS com o dia da liberdade?
Regressado da clandestinidade em Cascais para onde tinha fugido com medo dos próprios medos, depois de duas semanas a ver pela televisão a vida continuar, dentro das condicionantes, na maior das normalidades, regida pela auto-disciplina a que os portugueses se propuseram e com uma única voz de comando, discreto, na hierarquia do Estado, a do primeiro-ministro, Marcelo, de quem ninguém sentiu a falta, [re]aparece apostado em retomar o seu desporto favorito desde que foi eleito: condicionar a acção governativa, ao mesmo tempo que ensaia uma justificação para a sua fuga, lavar a cara aos olhos dos portugueses com um "estado de emergência" que nada, mas nada, o justificava nesta altura dos acontecimentos. E quando precisávamos de um Presidente sai-nos uma rifa.