"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Que há escritórios de advogados especializados em sacar dinheiro ao Estado já todos sabíamos. Assim como todos sabíamos dos escritórios de advogados especializados em sacar dinheiro ao Estado... pagos pelo próprio Estado. Todos muito bem relacionados com as agremiações que por via do voto democrático administram a espaços o Estado alternando entre si. E sendo que Estado é eufemismo usado em determinadas circunstâncias para o contribuinte não dar que lhe estão a ir ao bolso de bisnaga de vaselina na mão. A novidade é a "malabarice", agora que o pantomineiro do pin está outra vez na moda, ter sido desmontada na praça pública para gáudio do pagode. E agora, no sentido de agora ser daqui para a frente?
Há uma enorme diferença entre perder dinheiro e deixar de ganhar dinheiro. A classe empresarial pantomineira tuga gosta muito de as equivaler porque lhes dá jeito quando toca a praticar o seu desporto favorito: chorar pelo Estado. Não se esperava esta equivalência da parte de uma ex-ministra da Justiça, alegadamente socialista, com o marido a facturar em relação a anos anteriores mais 1 milhão e 100 mil euros desde 2008, período em que a mulher foi ministra, nos seus 101 contratos com o Estado no valor de 3 milhões 820 mil euros.
O Presidente da República do Estado laico, como qualquer português que se preze assim que dá com um buraco na estrada, uma pá ou uma retro escavadora, foi ver o andamento das obras para receber o Papa à beira do Trancão, depois da birra entre a autarquia e o Governo para ver se a empreitada de 6.997.327,95 € era paga pelo contribuinte, via câmara municipal, ou se a empreitada de 6.997.327,95 € era paga pelo contribuinte, via Estado, já que a isenção de imposto de selo, de emolumentos, de taxas de esgotos, de IMI, de IMT e de quaisquer outros impostos e taxas nacionais, regionais e locais, de que a Igreja Católica beneficia, não é compensada pelo que entra pela porta do cavalo em donativos e esmolas, e o dinheirinho não chega para receber com dignidade o secretário de Deus no planeta Terra.
Deus é grande mas o contribuinte ainda é maior, apesar de se escrever em minúsculas [e não há dinheiro para nada].
Pessoa que passa a vida a apontar o dedo ao fraco investimento público e, por consequência, "a degradação dos serviços públicos" em geral e face a situações como "o colapso das urgências hospitalares" e "a falta de professores" em particular, aparece com cara de pau a prometer prémios para os funcionários públicos em função das poupanças que o Estado consiga obter. Quando o expectável seria o Estado não entrar em poupanças - mais investimento nos serviços públicos, saúde, educação, regressam as famosas "gorduras do Estado" dos idos do governo da troika Passos Coelho/ Paulo Portas - desmantelar o Estado social, retirar competências ao Estado em favor de interesses privados, agora enfeitado com o embrulho das "poupanças", que a memória das pessoas é curta mas não é tão curta quanto isso,
"Há cada vez mais funcionários públicos em Portugal". "Temos de pôr fim a esta rebaldaria geringonço-socialista". "A extrema-esquerda aposta no funcionalismo público porque é a sua base eleitoral". "Chulos". "Manhosos". "Ide mazé trabalhar!".
"Desde 2013, a ANA registou um lucro operacional superior ao previsto e um investimento inferior ao prometido [...].
Ao todo, a ANA já acumula um ganho operacional adicional de quase mil milhões de euros. O resultado líquido do Grupo ANA em 2019 cifrou-se em 303,4 milhões de euros [...].
Os relatórios de gestão e contas da empresa demonstram que esta amealhou, em sete anos, 1174.5 milhões de euros de resultados líquidos [...].
"Para mim, é pessoal. Se o Chega fosse Governo, eu seria proibido de exercer cargos públicos. Não poderia fazer parte de uma organização sindical, que seria proibida.
O meu casamento seria anulado. Seria proibido de adoptar. Seriam eliminadas quaisquer normas que protejam especificamente mulheres ou qualquer outro grupo.
Caso eu pertencesse a outro partido político, este poderia ser ilegalizado, visto o Chega pretender a aprovação de uma nova Constituição sem os limites de revisão material da actual. Viveríamos naquilo a que eles chamam a Quarta República.
Se eu tivesse outra cor ou sexo, não poderia desempenhar determinadas funções devido às variáveis genéticas e às diferenças culturais entre famílias. Ainda não é claro se isto me impediria de votar.
Se fosse mulher, não existiriam protecções jurídicas pela minha igualdade salarial. Também me seria negado o acesso à contracepção ou à IVG, pois ambas violam o direito à vida.
Sob este novo regime, a minha cidadania - bem como outros direitos - poderia ser-me retirada, visto eu ter de “merecer” os meus direitos enquanto cidadão português. Estas ponderações baseiam-se no Direito Natural.
Teríamos de tirar a minha mãe do lar onde ela reside, porque a Segurança Social não pagaria a sua prestação. O meu pai ficaria sem a sua reforma, porque essa já não seria uma função do Estado.
O meu irmão não poderia ter acesso a uma educação tendencialmente gratuita, porque essa já não seria uma função do Estado. Se eu ficasse desempregado, não receberia subsídio de desemprego pela mesma lógica.
Falando de desemprego, este seria totalmente liberalizado, visto o meu empregador ter total liberdade contratual face a mim enquanto trabalhador. Em teoria, qualquer empregador poderia criar um contrato sem garantias laborais rigorosamente nenhumas.
As funções do Estado seriam - paradoxalmente - apenas as que o mercado livre não assegure, mas igualmente concedidas numa lógica de competitividade e lucro, como os privados. A função redistributiva do Estado desapareceria.
A habitação social seria eliminada. A educação pública seria progressivamente subfinanciada em preferência da privada. O SNS seria privatizado.
Embora o Estado assegure estas funções apenas quando não existam privados que as assegurem, terei de as pagar como um utilizador privado, sem direito a qualquer subsídio ou moderação dos preços dos serviços. P. ex., as taxas moderadoras do SNS mudariam para preços de custo.
Os serviços públicos não receberiam quaisquer compensações pelos seus encargos com os contribuintes; ao invés, quando houvesse lugar a subsídios (algo que tb é paradoxal face ao ponto anterior), estes seriam entregues directamente ao contribuinte.
No caso de quaisquer litígios com o Estado, os tribunais administrativos seriam extintos. A pena de prisão perpétua seria uma pena possível. Os crimes de ódio desapareceriam da legislação penal. Os recursos para o TEDH não seriam admissíveis.
Quaisquer referências ao Islão na educação pública seriam proibidas. Os muçulmanos poderiam ser livremente expulsos do país por “suspeitas de radicalismo”. O facto de um migrante entrar ilegalmente em Portugal tornaria impossível q legalizasse a situação (bye bye non-refoulement)
A perda da nacionalidade adquirida seria uma pena acessória obrigatória para quaisquer crimes de violência contra terceiros. As organizações de “protecção humanitária” seriam abolidas.
Os professores poderiam utilizar quaisquer métodos à sua disposição para recuperar a sua “autoridade” perante os alunos, incluindo a violência física. Os sistemas de bolsas de estudo seriam apenas em função do mérito e não da necessidade.
As penas criminais seriam aplicadas imediatamente nos seus máximos, independentemente de históricos criminais ou “pequenos delitos”. Comportamentos como o consumo de drogas leves seriam repenalizados.
As relações externas de Portugal teriam de ter como base “heranças culturais” partilhadas (ou repudiadas) com os outros países. A nossa relação com a UE mudaria para a proposta pelo Grupo de Visegrado.
Apenas poderia imigrar para Portugal caso pudesse identificar um antepassado neste país. Não é claro quão antigo este antepassado poderia ser, e se teria de ser branco para o requerer.
Recuso-me a chafurdar mais na lama, mas tudo isto são propostas concretas presentes na declaração de princípios do Chega.
É pessoal para mim; mas é pessoal para todos nós. Votar no Chega é votar por uma ditadura e votar por algo que se assemelha - e muito - ao Estado Novo. Com isto, façam o que a vossa consciência vos disser.
Mas quando os vossos pais, irmãos, primos, amigos, colegas, disserem que o gajo “diz muitas verdades”, saquem das propostas. Porque ninguém as lê e ninguém as conhece, apesar de serem públicas. E apesar de serem pessoais até com quem diz que o gajo “diz muitas verdades”."
f) Optimização do valor dos activos imobiliários do Estado. No plano de emagrecimento do Estado estará incluída a devolução, à economia privada, de todos os activos imobiliários por ele detidos quer por concessão, quer por arrendamento, quer por venda. O Estado é um péssimo gestor de activos, quaisquer que eles sejam. Esta optimização será procedida de uma classificação de cada um dos imóveis que serão distribuídos por duas classes básicas: com interesse patrimonial ou sem interesse. Estes últimos serão liminarmente vendidos. Quanto aos primeiros será a sua exploração concedida segundo critérios rigorosos a definir
No trabalho da Visão "Os empresários e as redes que embalam André Ventura", que o Expresso resume, João Maria Bravo, dono do grupo Sodarca, que lidera o fornecimento de armas, munições, tecnologia e equipamento militar ao Estado, Forças Armadas e de Segurança e também é dono da Helibravo, empresa com frota de helicópteros utilizados no combate aos incêndios, e que durante os governos de António Costa facturaram ao Estado perto de 33,3 milhões de euros, diz que apoia André Ventura porque "desde 1974 que o país se afunda, e este já é o governo mais caro de sempre". É disto que o povo gosta, de ouvir falar mal do 25 de Abril - "desde 1974", de ouvir apontar o dedo ao despesismo do Governo - "o mais caro de sempre", de alguém "que coloca o dedo na ferida e fala do que queremos ouvir" - "Se queres dançar e não tens par chama o André! Chama o André!", que os 33,3 milhões já cá cantam e até dão para financiar partidos do Estado Novo - Velho Estado, e seriam muitos mais milhões caso o André chegasse ao poder para "pôr o país na ordem, combater a impunidade e fazer a economia florescer", pelo menos a economia do Bravo, João. O fascismo à portuguesa é um circo que nunca acaba. Haja palhaços.
O liberal Observador, e porta-voz da alt-right no "tugão", entre outros detido e financiado pelos liberais Luís Amaral, António Carrapatoso, António Alvim Champalimaud, Alexandre Relvas, Filipe de Botton, António Viana Baptista e João Talone, empenhados no desmantelamento do Estado social em favor de interesses privados até a meta Estado mínimo ser atingida, propõe, face à queda das receitas com a publicidade motivada pela pandemia global Covid-19, "um programa específico para o sector, para além das medidas transversais de que já beneficia estabelecidas para a economia e empresas em geral".
No ano em que todos aprendemos que o que antes todos tínhamos aprendido afinal estava errado, que a Lei não é para interpretar literalmente mas antes que a Lei é a Lei mas...
- As pessoas vão para a política por facilidades nos negócios com o Estado?
- As pessoas têm negócios com o Estado por facilidade no acesso aos decisores políticos?
- Ambas as anteriores fazem sentido e complementam-se?
- Pedro Passos Coelho tinha razão quando dizia ser necessário "aliviar o peso do Estado na economia"?
- Ou entes é preciso aliviar o peso dos partidos no Estado?
- Uma das grandes conquistas do 25 de Abril foi alargar o espectro do "vira o disco e toca o mesmo" na relação de umas quantas famílias com o Estado, a democratização do clientelismo?
- Qual é o papel reservado ao cidadão anónimo que não a abstenção como forma de protesto ou o voto num qualquer justiceiro que lhe apareça a prometer disciplinar a causa pública?
Pedro Passos Coelho ganhou as eleições todos os dias nas televisões a dizer "é preciso aliviar o peso do Estado na economia", com os resultados que todos viemos a ver e a sofrer, directa ou indirectamente, na pele ao nível dos serviços do Estado e da administração pública e do saque a sectores estratégicos e da soberania nacional.
Depois desta trafulhice dos "kit incêndio", e das negociatas dos sub-secretários e dos secretários de Estado e famílias de sangue e famílias políticas, vai aparecer um qualquer com "é preciso aliviar o peso dos partidos no Estado" e chamam-lhe populista. E se calhar até ganha as eleições a marimbar-se para a "ética republicana", e todos já sabemos o resultado por exemplos que nos chegam todos os dias de outras latitudes.
O Estado é administrado por Governos saídos da Assembleia da República constituída por deputados eleitos nas listas dos partidos em eleições livres e democráticas. O CDS, caso consiga chegar à administração do Estado a partir do acto eleitoral, não se propõe "reformar o Estado" [sem piadismo] por forma a que o atraso nos pagamentos não seja a regra mas a excepção. Não. O CDS propõe que os atrasos continuem tal e qual os conhecemos mas que o "desconto" fique por conta do credor. Um partido de pantomineiros.