I Shot the Sheriff
A child points a water pistol at a statue of Russian President Vladimir Putin riding a tank created by French artist James Colomina in Central Park in Manhattan. Reuters/ Andrew Kelly
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A child points a water pistol at a statue of Russian President Vladimir Putin riding a tank created by French artist James Colomina in Central Park in Manhattan. Reuters/ Andrew Kelly
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Sign O' The Times, Capítulo CXCII
On Columbus Day, statue in Providence vandalized: ‘Stop celebrating genocide’
Sign O' The Times, Capítulo LXXXV
Quando o escultor coreano Do Ho Suh criou Public Figues em 2001 estava longe de imaginar, ou se calhar não, a actualidade da obra e o seu simbolismo em 2020 e como complementa o "desenho" de Pawel Kuczynski para assinalar a queda do comunismo e do bloco de leste. As voltas que o mundo dá.
Esta imagem animada de Pawel Kuczynski para o desmoronar da União Soviética e do comunismo resume na perfeição os tempos que correm desde que os tempos correm: pessoas que derrubam estátuas e erguem estátuas e derrubam estátuas e erguem estátuas e... são, somos sempre os mesmos nos mesmos tempos em tempos diferentes nos tempos que correm.
Por alturas dos 80s, nos verões de Setúbal, era uso haver festivais de cinema e teatro ao ar livre nos claustros do Convento de Jesus, autêntico serviço público de divulgação cultural a preços simbólicos, da uva mijona como sói dizer-se. Nos intervalos e/ ou no final da soirée havia sempre magotes de barbas mal-amanhadas, sapatos pé de pato em camurça e o Jornal das Letras debaixo do braço, eles, de cabelos compridos sem ver pente e pinça de esticar, 'late Janes Joplin', e vestidos indianos, elas, que debatiam interpretações filosóficas e políticas das peças em cena ou das fitas projectadas, para desenjoar o estarem sempre a falar da quão maravilhosa era a MPB, música popular brasileira.
Ouvia-os, eu adolescente, e pensava "wtf?! como é que estes caralhos conseguiram ver esta merda no filme ou na peça que, se falarem com o autor/ realizador, nem o próprio viu e até fica tipo Sá de Miranda, "m' espanto às vezes, outras m' avergonha"? E lá ficavam horas a chatearem-se uns com os outros até à próxima projecção/ representação onde voltava tudo à casa de partida.
Vem isto a propósito da interpretação que leio amiúde na imprensa escrita e nas redes e de uma dúvida sincera que me atormenta: Marco Fidalgo, autor da estátua do Vieira, padre, retratou os índios como crianças ou aquilo são mesmo crianças índias ou até se os índios quando nascem em terra brasis é já em tamanho adulto?
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* "Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, pois o Reino dos céus pertence aos que se tornam semelhantes a elas"
Um tem estátua na Parliament Square, o outro não. Um foi derrotado e escorraçado pelo povo e pela democracia, o outro ganhou uma guerra mundial e a eternidade. A estátua de um é defendida pelos discípulos do outro.
Setenta e cinco anos depois da vitória aliada sobre a Alemanha nazi na II Guerra Mundial ver a extrema-direita e os nazis a marchar nas ruas de Londres em defesa da estátua Churchill. Com as voltas que o mundo dá ainda há palermas que juram que a Terra não é redonda.
"O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?
E o homem do leme disse, tremendo:
El-Rei D. João Segundo!
De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?
E o homem do leme tremeu, e disse:
El-Rei D. João Segundo!
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"
A partir do minuto 15:46
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O pontapé de saída havia sido dado por Joacine Katar Moreira quando, no primeiro dia como deputada, papagueou qualquer coisa sobre o colonialismo e a escravatura enquanto posava à sombra do óleo de Domingos Rebelo no Salão Nobre da Assembleia da República com a representação da recepção de Vasco da Gama pelos emissários do Samorim de Calecute. Tudo a ver.
Agora, à boleia da revisão da História em curso nos Estados Unidos e em Inglaterra, um qualquer imbecil vandalizou a estátua do Padre António Vieira em Lisboa, precisamente ele, uma voz à frente no seu tempo, contra a escravatura e defensor dos índios brasileiros, perseguido pela Inquisição. É o triunfo da ignorância.
Há uma estátua suplente de D. Sebastião esquecida num instituto de oftalmologia.
«Two single mums (one pregnant), their children – and not a dad in sight»
A estátua de um comunista velho derrubada por fascistas novos.
[Na imagem o primeiro símbolo do Svoboda inspirado no Wolfsangel alemão]
No número de Agosto da revista Atlântico, há um artigo que me merece especial atenção. Couve de Bruxelas, assinado por Henrique Burnay (HB). Reza assim:
A Estátua Que Não Se Faz
«Os americanos fizeram uma estátua às vítimas do totalitarismo comunista, mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma. Os dois lados da ‘Europa’ têm memórias diferentes. O problema é que se não se entendem quanto a quem eram os maus, como é que vão concordar sobre quem são os bons?»
O problema, caro HB, não reside em os europeus não se entenderem. O problema está na eterna perspectiva norte-americana em dividir o mundo entre “bons” e “maus”. O problema está na rapidez com que os norte-americanos, partindo da visão maniqueísta que têm do mundo, erguerem estátuas. E também as derrubarem.
«Tune Kelam, eurodeputado e um importante político estónio, foi à inauguração do memorial destinado a homenagear as cem milhões de vítimas do comunismo, erguido em Washington (…)» escreve HB; muito bem, fosse o monumento aqui mais perto e eu também iria, sem sombra de dúvida. Mas o problema é muito maior que isso. Lestos a homenagear as «vítimas do totalitarismo comunista», que passou ao largo dos EUA, os americanos esquecem-se de homenagear, por exemplo, as vítimas do McCartismo surgido como resposta histérica da “inteligentia” americana ao comunismo; e que não foram tão poucas como isso. Partindo do princípio que vítima não é só aquele que perde a vida. Mas se for só aquele que perde a vida, esquecem-se, por exemplo, de homenagear as vítimas das ditaduras militares na América Latina, inventadas e apoiadas pelos EU, também como reacção ao perigo comunista.
O problema, visto daqui, deste lado da Europa, é que os EU têm problemas em lidar com a sua história recente, e, absolutamente nenhuns quando se trata da história que fica para além dos limites geográficos das suas fronteiras, e principalmente da Europa. Daquela Europa que foi “ganha” para o “lado de cá” pela Guerra-Fria e pelo colapso económico dos comunismos.
Quando HB escreve «mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma» traz-me à memória uma célebre entrevista da Rolling Stone ao músico norte-americano Frank Zappa, em que ele dizia não compreender porque é que os europeus falam diversas línguas e têm diversos governos. «É pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma», mas não é de todo improvável nem impossível que os europeus de Tallin ou de Varsóvia, por exemplo, venham a fazer a sua. E não será por isso que deixaremos de ser mais ou menos Europa; que o projecto europeu se deixará de concretizar. Esta é a riqueza do Velho Continente, e dá pelo nome de diversidade histórica e cultural. Não perceber isto é fazer figura de Frank Zappa, que, com este célebre comentário, definiu o pensamento do americano médio. E fazer figura de Frank Zappa, por razões que não ligadas à música, é fazer uma triste figura.
É fácil erguer estátuas. Ainda mais fácil é derrubá-las. Recordo-me de ver em directo na TV os milhares de alemães, armados de escopros, martelos e picaretas, que participaram no derrube do Muro de Berlim, essa estátua à Guerra-Fria. Da sua genuína alegria. Da sua esperança num mundo novo.
Recordo-me de ver, também em directo pela TV, uma praça de Bagdad. Três dúzias de soldados americanos, armados… com armas. Derrubavam a estátua do ditador sanguinário Saddam. Eram acompanhados na operação por meia dúzia de timidos iraquianos.