"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O interessante nesta coisa de ter ou não ter carteira de jornalista é o nunca admitirem o "erro", não assumirem que foi essa a opção, por alguém ainda mais domesticado que os domesticados do costume, para evitar embaraços, não. É sempre porque "o outro há tempos", "a entrevista do não sei quantos naquela data", "um que anda aí no activo apesar de não ter carteira", desconhecendo [?] a diferença entre não ter carteira e ter a carteira desactualizada, aliás previsto. Dá jeito. A ideia é se outros fizeram e nós à época criticámos, não vamos agora corrigir e fazer melhor, vamos fazer igual, e ainda pior, porque podemos e estamos no nosso direito. E calhou a ser jornalismo porque este princípio vale para todas as áreas da vida. Nunca saímos daqui.
A três dias da entrega do orçamento do Estado para 2025 no Parlamento, a televisão do militante n.º 1 - SIC, mete Maria João Avillez a entrevistar Luís Montenegro. Maria João Avillez a entrevistar Luís Montenegro. Isto depois de uma semana inteira de pressões sobre Pedro Nuno Santos, desde o presidente do Supremo ao cardeal de Lisboa, passando pelo presidente dos patrões e outros bonzos avulso, um tempo de antena de bandeja. Honi soit qui mal y pense, isto não é o Pedro Tadeu a entrevistar o Paulo Raimundo, nem pouco mais ou menos.
Ontem Luís Marques Mendes na homilia semanal sem contraditório, também na televisão do militante n.º 1, por mais que uma vez sublinhou a histórica vitória que foi um Governo de minoria absoluta ter conseguido juntar na concertação social as assinaturas da CIP e da UGT. Onde é que já se viu? A UGT, essa grande central sindical com ligação ao mundo do trabalho, não é cá como os fantoches da CGTP, assinar por baixo o que a CIP lhe diz para assinar. Inédito.
Excessivo em Portugal é o salário mínimo nacional, o subsídio de desemprego - no valor a pagar e na duração temporal, a contratação colectiva de trabalho, as indemnizações a pagar por despedimento, o imposto a pagar pelas empresas, a protecção social aos cidadãos. Nos 90s até havia uma banda, os Excesso, cujo nome era precisamente inspirado nisto.
Errar é humano e o Ministério Público nunca erra. O Ministério Público faz coisas indesejáveis, mas tem de ser, é para o bem comum. O Ministério Público não deve desculpas a ninguém porque ninguém tem um estatuto especial, excepto o Ministério Público. Ninguém está acima da Lei, excepto o Ministério Público. Aprendemos ontem na RTP.
Luís Montenegro ganhou as eleições, por poucochinho mas ganhou, e a primeira entrevista da televisão do militante n.º 1, SIC/ SIC Notícias, é ao taberneiro, medalha de bronze nas urnas. Faz sentido, no sentido da luta contra o poder do TikTok.
António Costa deu entrevista e espremido saiu em todos os jornais e televisões que o salário mínimo pode aumentar acima dos 810 euros até 2024 [e ainda dizem que o PS tem má imprensa], nada que a direita não reverta quando se alçar ao poder, mais cedo que tarde, com um congelamento a propósito das contas certas, da competitividade, do crescimento económico e o caralho, como já anteriormente o fez.
Entretanto a saúde está para lá do caos, e idem idem aspas aspas com a educação, num estado tal que quando a direita se alçar ao poder , mais cedo que tarde, pode entregar tudo de mão beijada tudo ao privado santo milagreiro e ainda leva aplauso da populaça que pelos cabelos está com paralizações de doutores, faltas de médicos para tudo e mais algumas especialidades, encerramentos a eito a pretexto da reestruturação, greves de stores, embeiçados que estão com as propostas do pantomineiro que foi líder da bancada para lamentar [não é gralha] de suporte ao governo do ministro Crato para reposição do tempo, faltas de stores em todo o lado, e a olhar para o ranking das escolas mais a "excelência do ensino privado", cof, cof, e com o PS a gritar "aqui-del-Rei!" que a direita está a desmantelar o Estado social, fazendo de conta que não teve nada a ver com isso, com todo um caminho que foi preparado. Tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta", lá diz o pagode.
Mas fica para a História, com agá grande e tudo, o PS e António Costa e António Costa e o PS, mais o ministro das Finanças prémio de consolação por ter perdido a câmara da capital, por terem reduzido a dívida, em percentagem do PIB, que a dívida real, essa, continua lá e até a subir, fazendo de conta que os juros quando são pagos não o são em percentagem do PIB mas no seu valor nominal.
Luís Montenegro, para não lhe estarem sempre a apontar que o seu PSD não tem nada para apresentar sobre coisa alguma, mandou Miguel Pinto Luz à televisão do militante n.º 1 para uma entrevista onde conseguiu dizer tudo e o seu contrário, dizer tudo a que o PSD se propõe para a saúde, mesmo que vá contra a tudo a que o PSD sempre defendeu para a saúde, e não dizer nada a entrevista toda, além de invocar uma proposta que o PSD tinha em 1979 para o SNS que, tirando o ter votado contra, ninguém sabe qual foi. 50 anos depois do 25 de Abril os pantomineiros continuam o seu caminho.
Que quanto a alianças com o ex-camarada de partido, agora a soldo dos fascistas, já disse o que tinha dito e nada mais tem a a dizer em relação ao que já disse e que foi nada. Que não senhor, sim senhor, não quer eleições por dá cá aquela palha mas está preparado para ser primeiro-ministro já ontem, como mostram todas as sondagens e estudos de opinião, com o partido e ele e ele o partido a subirem na vontade do pagode, apesar dele e o partido e o partido e ele se encontrarem no mesmo sítio em que se encontravam há um ano e o PS a descer ao seu encontro. E neste já disse e não disse e não torno a dizer o que já não disse foram metade metade dos 90 minutos de jogo. Que está muito indignado com a alegada falta autenticidade das candidaturas autárquicas tutti frutti, "oh rootie", ele que chegou à liderança do partido através de elementos chave que controlam eleitores fantasmas através do pagamento de quotas nas distritais, "a wop bop a loo bop a lop bom bom". Podíamos dizer que não ter a puta da vergonha na cara é isto mas é só mais do mesmo, desde que o partido foi fundado pelo "pensamento político de Sá Carneiro". Que o socialismo está a dar cabo do país, governado por um partido, socialista de nome, e que fez disparar as exportações para além da Taprobana como nunca se 'havera' visto, estabilizar o desemprego e baixar a dívida em percentagem do PIB em tempo recorde. Se o país está melhor e as pessoas não, é coisa que não foi chamada à colação. Mas devia. Portantes, quem no dia das eleições for todo lampeiro fazer um xis no quadradinho deste senhor não se pode queixar depois. Danny Kaye rocks!
Depois de ter metido Marcelo onde ele nunca esperou estar, com uma maioria absoluta PS no Parlamento, resultado de uma jogada política mal calculada, a dissolução da Assembleia da República, convocação de eleições antecipadas [mas não muito, para dar ao PSD tempo de arrumar a casa e escolher nova liderança], com o esdrúxulo argumento do chumbo do Orçamento do Estado, António Costa meteu-se, sem ninguém o mandar ou sequer empurrar, na posição onde Marcelo o queria ver sentado, maioria absoluta mas não muito absoluta, o Governo com mais trapalhadas por segundo na história da democracia e que só continua a governar porque Marcelo não vislumbra alternativa na casa-mãe a que pertence. Como é que António Costa vai ficar para a história, como o gajo que derrubou o "muro de Berlim" das soluções governativas à esquerda, ou como o maior inepto da democracia que meteu a extrema-direita no Governo 50 anos depois do 25 de Abril?
António Costa "admite tomar medidas contra a inflação", não vai tomar, admite. Assim como tinha admitido o fim dos vistos gold. Foi há tanto tempo que já ninguém se lembra, foi em Novembro passado. Temos o país constantemente paralisado por greves, dos médicos aos professores, passando pelo enfermeiros e técnicos de diagnóstico, aos transportes públicos, funcionários judiciais e administração pública, mas António Costa tem "acordo com a concertação social, na função pública, com a Associação Nacional de Municípios e tem dialogado na Assembleia da República". E repete isto uma vez atrás da outra, as vezes que forem necessárias, não convencendo ninguém e enganando-se a ele e aquele sindicato dos bancários também conhecido por UGT. António Costa anuncia um conselho de ministros todo ele "exclusivamente dedicado à política de habitação", quando todos nós, na nossa humilde ignorância, pensávamos que "política de habitação" era inerente à função de governar e que os conselhos de ministros eram aquelas coisas que aconteciam naturalmente, como processo de governação. Afinal "anunciam-se".
Propaganda, show off e fogo de artifício, como dizem os camaradas brasileiros, é nos trinques, governar é que está quieto. Talvez da próxima António Costa admita começar a governar. Ou anuncie um conselho de ministros todo ele exclusivamente dedicado à governação.
O doutor António Costa em entrevista à Visão disse que "[...] o estilo histriónico que a Iniciativa Liberal quer ter de com voz de soprano gritar um bocadinho mais alto que o irmão gémeo Chega fica ridículo porque os filhos das famílias de bem quando tentam falar muito alto, não conseguem, ficam ridículos perante a voz baixo popular que o doutor Ventura consegue fazer".
Percebem a diferença? António Costa também. E já agora André Ventura.
Nunca se lhe ouviu, em 40 anos, uma constatação, um lamento, por em 40 anos de democracia a esquerda ter estado afastada da solução e/ ou influência governativa, quando a diferença entre a esquerda e a direita "fragmentadas" é, por exemplo, a primeira reivindicar aumento do salário mínimo, investimento no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública, redução da carga horária, direitos iguais para iguais deveres, contra o desmantelamento do Estado social, a privatização da saúde e da educação, a desregulação do mercado laboral, a ausência de direitos e garantias pelos segundos.
Marcelo não engana quem quer ser enganado, Marcelo não engana ninguém, Marcelo sobrevive na iliteracia política portuguesa.