"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Primeiro inflacionam as notas artificialmente para ganharem vantagem no acesso ao ensino superior público, a seguir pedem a redução do peso do único instrumento que pode nivelar e repor alguma justiça nesse mesmo acesso. A chico-espertice de quererem passar a perna aos outros e a soberba de pensarem que ninguém percebe a matrafisga.
Isto do Interior e da desertificação do Interior e da discriminação positiva e blah blah blah é tudo muito bonito, sim senhor, e nem sequer vamos falar das medidas tomadas e das políticas implementadas em quase 50 anos de democracia por quem teve e tem e vai continuar a ter responsabilidades governativas e que levaram a que as pessoas fugissem a sete pés do interior do país para o litoral ou para a emigração - encerramento de escolas, tribunais, hospitais, postos de saúde, repartições públicas, postos dos correios, agências bancárias e o coise, e não se dando por contentes, os mesmos das tais políticas, cortam agora as vagas nas universidades e politécnicos do litoral para as abrir no tal dito interior, onde as vagas nunca são na totalidade preenchidas e onde cursos há que nem sequer chegam a abrir, para dificultar ainda mais o acesso das classes baixas e médias ao ensino superior, porque uma coisa é uma família de Setúbal ou de Sesimbra ou de Almada, por exemplo, ter um filho ou dois a estudar numa universidade ou politécnico no distrito, ou até mesmo em Lisboa, outra coisa completamente diferente é a mesma família ter a descendência a tirar o curso em Beja ou na Guarda ou em Portalegre ou na Covilhã, com a acção social miserável que temos e com o preço das rendas e alimentação e transportes, porque as propinas a roupa e as sebentas não entram agora aqui, e despesas com a saúde não há-de ser nada se Deus quiser.
Era só o que faltava um numerus clausus instituído por um Governo do Partido Socialista apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. A direita não faria melhor e Nuno Crato até se deve estar a roer de inveja por nunca se ter lembrado de tal coisa. O filho do doutor é doutor e o filho do pedreiro é pedreiro e vai mas é trabalhar malandro, manda qujem pode obedece quem deve. Tudo está bem quando acaba bem.
Não lhe ocorreu dissertar sobre a educação e a excelência da formação na escola pública, do ensino superior como indústria exportadora, uma das apostas de sucesso do seu consulado, ao lado de outras indústrias exportadoras de não menos sucesso, como as refinarias, apostas e soluções duradouras, encontradas por gente com visão estratégica e uma ideia de e para o país e que ele e o seu Governo se entretêm a desmantelar com a cúmplicidade do Presidente de facção da República.
Para acabar com a maior indústria exportadora portuguesa - a dos licenciados e doutorados, como forma de filtrar braços de trabalho para os empregos mal remunerados e precários [que o Governo não tem um modelo de baixos salários e de precariedade para o país] que não há na indústria e na agricultura, ou ambas?
E dentro do numerus clausus ao numerus clausus e já que na escola neoliberal alemã travestida de austríaca tudo são números, como é que é feita a selecção, quem é que entra? Quem pagar mais, ou faz-se uma prova de avaliação e entra quem "der menos de 20 erros numa frase"?
Quando uma das justificações do actual Governo da direita para a redução do número de professores contratados pelo Estado, aumentar o número de alunos por turma, reduzir o número de auxiliares de educação, é a de que o número de alunos a frequentar o ensino público é cada vez menor, importava perceber se a diminuição de candidatos ao ensino superior é consequência directa da diminuição de alunos no ensino secundário, e que justifica o desinvestimento na educação, mais propriamente no ensino público, ou se esta diminuição é simplesmente a consequência directa da política de 2 anos de coligação PSD/ CDS-PP, geradora de 1 milhão de desempregados, 50 mil novos emigrantes – oficialmente contabilizados, redução de salários – directamente ou indirectamente, redução e eliminação de subsídios e apoios sociais.
É que este Governo é bom, muito bom, a fazer contas de subtrair, e o filho do doutor é doutor e o filho do operário é operário e que se fodam, assim sucessivamente, como diria o João César Monteiro. Déjà vu.
Nem é só o desinvestimento na Educação e na escola pública, mas os cortes orçamentais na Edução, os cortes nos apoios sociais e os aumentos das propinas. Criar um ensino superior para uma elite com poder económico, uma elite que pode pagar os estudos aos filhos, os portugueses de primeira, o sô-tôr dos idos de Salazar, os outros, os portugueses de segunda, que saibam juntar umas palavras e contar, que para o ensino profissional, para trabalhar num ofício qualquer ao preço da China, ou para andar para aí aos trambolhões com contratos precários e apalavrados, de mais não precisam. Fazer desta geração, que termina agora o ensino superior, a última – a última – geração que usufruiu de formação académica de acesso plenamente democrático.
E depois as políticas que destroem a economia, provocam falências, promovem o desemprego e a recessão, a emigração massiva dos outros, dos portugueses de segunda, os que vão fazer falta, mais os seus ofícios, para trabalhar ao preço da China, porque ninguém é tolo podendo trabalhar na Alemanha ao preço da Alemanha, e a fuga da tal geração mais bem formada de sempre e de acesso pleno ao ensino, alguns antecipando outros seguindo, o caminho das empresas que deslocalizam para zonas da Europa e do globo com custos de produção mais competitivos, uma justiça mais célere, uma fiscalidade menos pesada, que o que aqui pesa menos é o peso dos salários senão por cá ficavam.
Uma tendência que agora quer ser combatida por via de decreto. Benefícios fiscais para empresas que contratem doutorados. Belmiro de Azevedo, Alexandre Soares dos Santos, e Henrique Granadeiro agradecem. Assim como assim eles já lá estão, nas caixas rtegistadoras e como repositores nos hiper, agarrados ao auscultador do telefone no call center, mesmo sem os ditos benefícios.
Isto não faz sentido nenhum. Mais uma medida deste Governo Passos Coelho/ Paulo Portas que não faz sentido nenhum.
Filho de pobre ou remediado é para trabalhar – e barato porque temos de competir com a China, ou para fazer estatística no banco de desempregados que é para os que estão a trabalhar não se esquecerem de que têm o lugar por "caridade cristã". Ide para o dual, aprender a ser um homenzinho ou uma mulherzinha, que é bem bom. E além disso vem aí a reindustrialização do ministro da Economia que não gosta de ovos estrelados e todos os braços são poucos.
Ver Ângelo Correia, esses mesmo, aquele que se baba todo quando lhe dizem que tem ascendente sobre o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, no telejornal do Mário ‘Goes to Washington’ Crespo, insinuar que esta vaga de emigração entre os licenciados se deve às universidades que insistem num modelo de formação desfasado da realidade socioeconómica do país, com claro prejuízo para os formados e para o Estado que investe na sua formação. E Helena Roseta ficou-se…
O previsível resultado da "análise detalhada" é avançado, logo à partida, pelo analisador ainda antes de efectuada a "análise detalhada" – os exames são mais difíceis, a exigência é maior, a qualidade, no resultado final, aumentou. Para o ano estamos no top of the pops da OCDE. Pois.
Surpresa seria, será, que o resultado da "análise detalhada" refira que o desemprego aumentou, os salários dos que ainda têm emprego baixaram drasticamente, o IVA nos bens essenciais e nos serviços aumentou colossalmente, o preço dos transportes públicos disparou, os manuais escolares são mais caros que uma renda de casa, e que as famílias têm de fazer opções e primeiro está a barriga.
Estão de volta os pés descalços, o filho do rico estuda e pensa, o filho do pobre trabalha e obedece. Nada de novo, portanto.
E é nesta altura do campeonato que a universidade, pressionada pela falta de fundos, procura fontes alternativas de rendimento e abre as portas do campus às marcas e às corporações que, como contrapartida, levam consigo projectos educativos próprios – a célebre bandeira de a escola ter um projecto educativo próprio e independente do centralismo e condicionalismo do Ministério da Educação, pois… –, e desenganem-se os que pensam que fica por aqui, ainda há os menus das cantinas em exclusividade para determinadas marcas de fast-food, os equipamentos desportivos e o desporto escolar disputados por outras, os computadores e software "generosamente" oferecidos, a educação ambiental patrocinado por uma companhia que afinal não destrói o ambiente e o ecossistema mas cria emprego e, no final das contas feitas, onde é que está a linha que separa a educação da publicidade e da formação dos futuros consumidores na/ da aldeia global. O admirável mundo novo.
Apesar de (ainda) não ter filhos na Universidade durante 12 – doze – 12 anos paguei propinas: entre berçários e infantários, 6 anos pela rapariga e 6 anos pelo rapaz. E “propinas” é favor porque não há ninguém neste país a pagar uma média de 200 euros mensais numa universidade do Estado. Mas como não tem impacto mediático, nem é passível de criar circo e espalhafato com os meninos na rua em manifestação, nos intervalos das Praxes e das Queima das Fitas patrocinadas pelas cervejeiras e pela mesada do papá, não são «injustas socialmente” [nem] constituindo “uma taxa sobre as famílias».
(Na imagem Winnetka, Illinois, June 1950, Student Rue at New Trier High School by Alfred Eisenstaedt, Life magazine photo archive)