"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Todos os anos, religiosamente, se cumpre o ritual. O Dia do Embuste. Comparar escolas públicas com escolas privadas, universos sócio-económicos diferentes. E todos os anos as primeiras páginas são feitas, e todos os anos os telejornais são abertos. E todos os anos as televisões se enchem de comentadeiros e analistas a perorar sobra a excelência do ensino privado e a superioridade do ensino privado sobre a escola pública. Ainda há quem leve estas merdas a sério?!
Chega meados de Junho e com ele regressa o circo do ranking das escolas. Comparar escolas onde não há dinheiro para nada com colégios onde há dinheiro para tudo. Comparar notas inflacionadas pelos docentes e pela direcção da escola com notas vítimas da inflação e da falta de poder aquisitivo da família. Comparar estabilidade do corpo docente e do calendário escolar com ensino a soluços dependente dos humores do ministério e das reivindicações sindicais. Comparar oito horas dentro da escola e pausas preenchidas com actividades educativas e disciplinas complementares à escolha do freguês com meio-dia de aulas, a outra metade em casa frente ao computador ou ao telemóvel, com um bocado de sorte um apoio ao estudo no final do dia, com muito sacrifício para a família. O ranking que não é feito é o do percurso no ensino superior depois da saída dos colégios e das escolas públicas. Se calhar as surpresas iam ser mais que muitas.
Colégios onde a propina inclui ballet, natação, equitação, educação musical, apoio ao estudo, vulgo explicações, mas deixa de fora os manuais. É a direita da igualdade de direitos.
O fabuloso governo de Pedro Passos Coelho, do não há dinheiro para nada, nem para a saúde, pública, nem para a educação, pública; do "fazer mais com menos", do "aliviar o peso do Estado na economia"; da "liberdade de escolha" das famílias, traduzida na liberdade de escolha das escolas; da excelência do privado, traduzida na retirada de competências ao Estado para as entregar ao sector privado, subsidiadas pelo Estado; da duplicação de serviços pelos privados, subsidiados pelo Estado em áreas onde o Estado já existia; da "gordura do Estado" traduzida no emagrecimento do rendimento mensal das famílias para ainda assim "baixar os custos do trabalho foi a reforma que ficou por fazer".
"Ex-ministro da Educação vai depor a favor dos colégios contra os cortes nos contratos de associação na batalha judicial que se avizinha. Aos tribunais podem chegar “dezenas de acções” nos próximos dias."
"Foi uma derrota em toda a linha a sofrida pelos colégios com contratos de associação na guerra jurídica que, em 2016, desencadearam contra o Ministério da Educação (ME): 55 processos judiciais concluídos, 55 decisões favoráveis às posições do ME que levaram a restrições no financiamento do Estado àqueles estabelecimentos de ensino particular."
"A falta de professores nas escolas públicas está a ser uma oportunidade aproveitada por docentes dos colégios, especialmente da zona da Grande Lisboa, que optam por continuar a carreira no sistema público."
Independentemente da importância e da relevância que se dá ou que se deixa de dar aos rankings das escolas; independentemente do contexto social e cultural onde cada escola se insere, independentemente dos alunos amestrados para o desempenho nos exames e da alegada manipulação de notas; independentemente da mistura sem critério entre escolas públicas e escolas privadas; independentemente do fosso entre escolas do litoral e escolas do interior; independentemente do sucesso no percurso pós-ensino nunca contabilizado e ordenado em ranking; independentemente disto tudo o que importa saber é o que é que o Estado fez ou deixou de fazer para combater a exclusão, a desigualdade, o estigma que esmaga as escolas do fundo da tabela e que faz com que por lá se mantenham, quando não se afundam ainda mais, ano após ano. Onde é que o Estado está a falhar?
- Porque os alunos dos colégios privados são mais inteligentes que os alunos das escolas públicas;
- Porque os professores dos colégios privados são melhores professores e mais exigentes que os professores das escolas públicas;
- Porque os colégios privados martelam as notas finais dos alunos de tal forma que seria mais honesto o acesso ao ensino superior ser decidido por sorteio com uma quota proporcional para o público e o privado;
- Porque quanto mais altas forem as notas, mais aproveitamento os alunos tiverem e menor for a taxa de retenção, mais o colégio sobe no ranking das escolas e mais cativa futuros financiamentos públicos e matrículas de novos alunos.
"Cá não há misturas, é tudo boa gente!", na boca dos infantes na manif do Portugal ultramontano, com o alto patrocínio da Igreja Católica e da direita radical. E toda a gente sabe a significado de "boa gente" na boca de muito boa gente. Cada macaco no seu galho. E toda a gente sabe o significado de "misturas" na boca da boa gente que não se mistura. Galdeiragem à parte. "Não somos escolas para meninos ricos nem para betinhos". Manda quem pode, obedece quem deve. O que eles dizem e o que eles omitem e o que eles fazem. E às vezes descuidam-se. Respeitinho é muito bonito. A merecer ralhete dos mestres, os meninos.
1. Os contratos de associação em questão foram submetidos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TC) em 2015.
2. Como é habitual, foi produzida uma informação técnica preparatória, pelos Serviços de Apoio do Tribunal, a qual não tem natureza vinculativa e não é notificada às partes.
3. O Tribunal de Contas considerou que os contratos em causa estavam de acordo com a legislação em vigor e que os encargos deles resultantes tinham o devido suporte financeiro, pelo que concedeu visto.
Nos idos em que o comissário Nogueira metia 100 mil professores nas ruas [contas do jornal do militante n.º 1], da Avenida da Liberdade à Praça do Comércio, contra José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues, a reestruturação do parque escolar e a avaliação dos professores – não necessariamente por esta ordem, o PSD metia os deputados na rotunda do Marquês do Pombal a aplaudir os profs, a mulher de António Costa lá no meio dos comunas – com honras de primeira página no Correio da Manha [sem til], contra José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues, a reestruturação do parque escolar e a avaliação dos professores – não necessariamente por esta ordem, ambos em defesa da escola pública.
Depois José Sócrates foi-se embora, e com ele Maria de Lurdes Rodrigues, e com ambos o comissário Nogueira, que nunca mais ninguém deu pelo camarada em quatro anos de Governo da direita radical, e os profs, que deixaram de ser 100 mil – isso nem o Benfica campeão, quanto mais, foram mandados trabalhar para Angola, Brasil e outros destinos menos exóticos, e o maoísta Nuno Crato pôde levar a cabo, na paz dos anjos, o maior ataque à escola pública de que há memória desde que existe escola pública e sem direito a cartazes, apesar dos crimes de Estaline ao pé dos de Mao serem assim a modos como limpar o rabinho a crianças, mas isso também era exigir demasiado a palermas da jota laranja, atarefados entre universidades de Verão e o sentirem-se homenzinhos ao lado dos homens, no Parlamento onde têm assento por uma quota que cabe à agremiação, e também por nunca terem ouvido falar do chinês carniceiro aos mais velhos, que o partido está pejado de ex leitores do livrinho vermelho e não convém fazer muitas ondas e mexer na merda com uns pauzinhos e também porque agora a hora é de luta contra o estalinista Mário Nogueira – a soldo do PCP e com o Bloco de Esquerda à pendura, em defesa da escola pública, que não tem de ser obrigatoriamente assegurada pelo Estado mas através de um serviço público de escola assegurado pela iniciativa privada, que foi a volta que a direita radical deu para justificar o não haver dinheiro para nada nem para a saúde, as pensões, as reformas, os salários, mas sobrar à brava para colocar o Estado ao serviço de interesses privados através de rendas pagas pelo contribuinte e dar às escolas a possibilidade de escolherem os alunos que querem das famílias que querem.
E é por isso, pelo serviço público de escola e não pelas rendas asseguradas a interesses privados e a educação pública onde ela estava no dia 4 de Outubro de 1910 – nas mãos da Igreja católica, que o PSD vai mandar os deputados para a rua, contra o comissário Nogueira, contra o ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, contra António Costa e contra a 'Geringonça' – por esta ordem, e, se calhar com um bocado de sorte, os colégios privados vão meter 100 mil, da 24 de Julho à Assembleia da República, aguardemos para ver o que é que o jornal do militante n.º 1 tem a dizer sobre isso.
Podia ter-lhes dado para se manifestarem, por exemplo, de 'cor de burro quando foge', mas não, deu-lhes para o amarelo, uma cor como outra qualquer, 'neutra e sem conotações com partidos políticos', como disse um senhor dos colégios na televisão. Ou da cor do patrão que toma conta da maioria dos colégios e escolas com contratos de associação. E das IPSS da caridadezinha, da sopinha dos pobres e do socorro aos desvalidos. Tudo pago pelo dinheiro do contribuinte. É isto que a direita radical alimenta, é disto que a direita radical se alimenta e nada disto é 'ideologia'. Amém.