"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Hoje o tema era o alcoolismo entre os jovens. Um casal de actores representava. Ele, a cair de bêbado, queria levar o carro, ela, um bocadinho menos alcoolizada, opunha-se e até procurava ajuda entre os transeuntes. A ideia era testar a reacção do cidadão anónimo. Tudo entremeado com testemunhos de ex-alcoólicos. A dada altura surge "o consumo de álcool entre alunos de uma escola pública" porque, como é por todos sabido, os alunos das escolas privadas não tocam em pinga, é só light e sumos naturais e os afogados no Meco foram-no por hipnotismo. E assim Conceição Lino, na altura certa e na hora certa, que é a altura e a hora em que o país debate o uso de dinheiros públicos para financiar negócios privados na educação onde já há oferta pública, consegue manchar um serviço público de televisão prestado por um canal privado. E se fosse contigo?
[Imagem "Rue Mouffetard, Paris, 1954", Henri Cartier Bresson]
Curiosamente o partido que não precisava de programa de Governo porque o programa da troika era O Programa, o que tinha sido essencialmente influenciado pelo partido nas negociações com a troika, Catroga dixit, um rascunho que era mesmo preciso surpreender e ir mais além do acordado, no que tocava a cortes nas funções sociais do Estado, na redução dos custos do trabalho e na retirada de direitos e garantias, naquela parte que tocava ao financiamento do ensino privado «and reducing and rationalising transfers to private schools in association» nunca houve memorando a cumprir por causa da nossa imagem, nunca houve imposição dos credores nem mãos atadas no protectorado, antes pelo contrário.
Malgrado os 4 anos de Nuno Crato, diligentemente investidos na destruição do ensino público e da escola pública mas frustrados por causa maldita da política de empobrecimento, desemprego e miséria, do ir além da troika [que a troika não embarcou em grupos: «and reducing and rationalising transfers to private schools in association»], e quando, contra todas as expectativas e anseios do Governo, se assiste a uma fuga das famílias do ensino privado para o ensino público, agora que a fogueira das vaidades tem uma chama muito ténue e umas brasinhas de carvões a morrer à volta, já não é "o ranking [martelado] da escola do seu filho", passámos ao nest level, o de "o lugar em que ficou a sua escola" [no ranking martelado].
A sua escola. Assim uma espécie de nostalgia para os pais e avós. E até podiam fazer um histórico por anos, com as fotos das turmas de finalistas, american style, que era um deleite.
E que lhes sirva para perceber como é que foi possível a um bando de energúmenos e matarruanos, nascidos, crescidos, criados, educados e formados na escola pública, chegarem ao poder com o objectivo único de destruir quem os educou e lhes deu formação.
Enquanto se continua, alegremente, para o infinito e mais além do que o memorando assinado com a troika, no que respeita ao ensino privado, o eduquês sem mestre, passado do papel para a prática, ataca em todas as frentes e destrói a escola pública.
O dinheiro dos impostos não chega para tudo, é preciso segurar o ensino privado, e a troika quer é saber dos números finais, não da matemática que foi feita para os atingir.
O povo sabe ler, contar, dizer quem foi o primeiro rei de Portugal e, talvez, as linhas do caminho-de-ferro de Angola, diplomacia económica oblige.
A elite dirige e governa. Com o voto do povo.
Podia voltar a telescola. Paga com o dinheiro dos contribuintes na factura da EDP.
É o que se pode ler no memorando de entendimento. O Governo continua um Governo coerente, vai mais além da troika e tira, do dinheiro dos nossos impostos, ao ensino público para dar ao ensino privado.
Além da História, devia o Ministério da Educação, em nome da redução de custos e/ ou contenção de despesas, acabar com o ensino do Inglês, em particular, e com toda e qualquer língua estrangeira, no geral, na escola pública.
É extremamente perigoso, e potencialmente subversivo, ter as pessoas a ir à net ler, noutras línguas, outras opiniões que não o discurso formatado da brigada do “direita volver!” dos paineleiros do comentário político-económico com lugar cativo para toda a época, nas rádios, televisões e jornais nacionais.
Aumentar o financiamento ao ensino privado em €5148 por turma [*] contra o que havia sido previamente acordado no memorando de entendimento com a troika [and rationalising transfers to private schools in association agreements] ao mesmo tempo que a escola pública sofre um corte que é o triplo do que foi [também] recomendado pela troika é, além de um ataque sem paralelo ao ensino público, por assim dizer, uma grande mentira e uma trafulhice, e legitimar nas ruas o pior pesadelo de Pedro Passos Coelho, não é?
Uma vez que o acesso ao ensino é gratuito e a todos assegurado pelo Estado, por que razão/ razões há-de o cidadão, que não tem possibilidades económicas para colocar os filhos numa escola privada, financiar por via dos seus impostos o ensino nas escolas privadas, frequentado pelos filhos de quem, com possibilidades económicas, pode pagar as mensalidades?
O que os responsáveis radiográficos não dizem, mas deviam, é em que lugar aparece a opção “cortar na educação no colégio privado” no ranking das famílias.
Assim como a maioria das empresas privadas, também a «maioria das escolas particulares não vai fechar durante a visita do Papa». Se quisesse ser muito maquiavélico diria que o Governo que administra o Estado republicano laico está a trabalhar muito bem para acabar com o que resta do ensino público.
E por alturas dos rankings é puxar dos galões e até olhar por cima do ombro com sobranceria para aqueles que por uma razão ou por outra têm o rebento na escola pública não têm o rebento no colégio privado. A mais das vezes pela mesma razão que, ironias do destino, desata agora a bater a quase todas as portas: Money, Money, Money cantavam os ABBA.
E agora “O Estado”, essa entidade suprema e milagrosa, ou seja, todos nós que pagamos os nossos impostos e que no fim das contas feitas o dinheiro não nos sobra na carteira para luxos tais como seja matricular o menino e a menina no colégio-privado-que-esse-é-que-é-bom, por portas travessas paga. Exige-se que pague!
E o rabinho lavado com água das malvas, também não?
Post-Scriptum: Quase de certeza que há uma fábula de La Fontaine que se aplique a esta estória...
(Imagem de Margaret Bourke-White via Life Pictures/ Getty Images)