"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Há uns anos atrás comprei um disco de Bob Dylan, Desire de seu nome (a meu ver dos piores de sempre do compositor), mas que, devido a uma particularidade, é talvez um dos mais valiosos da música popular no mercado de coleccionadores. Por um erro de prensagem, o lado B tem exactamente as mesmas músicas do lado A.
Lembrei-me disto a propósito da circular recebida via CTT por todos os “colaboradores” da empresa onde trabalho. “Colaboradores” - com cê grande. É socialmente mais desresponsabilizador para o patrão; é mais descartável que “trabalhadores” ou “empregados”. Adiante.
Sempre os mesmos cinco parágrafos. Sempre o mesmo texto. Sempre as mesmas virgulas; sempre a mesma pontuação. As únicas diferenças entre as circulares, desde o ano de 2000 até ao ano de 2008 são, obviamente a data (apesar de tudo ainda não perdi a esperança que um dia se esqueçam de a alterar), e a percentagem, que tem variado entre os 1, 3% e os 2, 5%. Vira o disco e toca o mesmo!
Estou a guardá-las todas. Quem sabe, um dia, não venham a valer tanto como o Desire do Bob, quando se fizer a história do empresário português…
(Por motivos compreensíveis, o logótipo e o nome da empresa, assim como as assinaturas da administração foram suprimidas)
Esta é a frase chave na entrevista dada à P2 do Público por aquele que durante 9 anos foi o responsável máximo pelo design do grupo IKEA, Lars Engman.
“O que se faz aqui é muito bom. Mas acho que podemos fazer muito melhor” diz o sueco, agora envolvido num projecto com a Câmara de Paços de Ferreira para a criação de um Centro Avançado de Design Mobiliário na região.
Comprar um móvel:
Aqui há uma dezena de anos necessitei de comprar umas coisas lá para casa. Uns móveis, uns sofás; coisa pouca. As alternativas em relação à qualidade / preço eram confrangedoras. Ou tudo exageradamente caro (aquela coisa da qualidade paga-se), ou o que era barato era para esquecer. Não havia meio-termo. Aliás havia e chamava-se Moviflor. Pior a emenda que o soneto. Vai daí uns amigos, “porque é que não vais a Paços de Ferreira?”, “Dá para a gasolina, para o almoço, e ainda te vêm pôr os móveis na sala!”. E eu fui.
Paços de Ferreira:
Paços de Ferreira era (é?) um sítio estranho. Um emaranhado de casas, com lojas de venda de móveis ao nível do rés-do-chão. Uma Babel de lojas de móveis. Perdi – literalmente – um dia inteirinho, num entrar e sair de casas e lojas, na procura “daquele” móvel e “daquele” sofá. Infrutiferamente. Os materiais são de qualidade, os acabamentos excelentes, mas o resto, o mais importante, o design, era para esquecer. Desengane-se quem vá pensar encontrar um móvel, sei lá, tipo Wallpaper* em Paços de Ferreira.
O empresário português:
Recordo-me de na altura, em conversas informais com os donos dos estabelecimentos, a grande maioria também fabricantes, perguntar como é que eram escolhidos os modelos, como funcionava a produção, se trabalhavam em parceria com algum centro de formação profissional da região, se desenvolviam parcerias com designers portugueses, se faziam estudos de mercado. Eram demasiados ses, para a resposta recebida. Invariavelmente sempre a mesma, qualquer que fosse a casa: “Não. Vamos às feiras lá fora, copiamos umas ideias e depois produzimos aqui. Às vezes pega outras vezes não. Há modelos que têm mais saída que outros.” O empresário português…
O poder político / autárquico:
Escrevi aqui, por alturas da celebração do contrato entre o Estado português e o gigante IKEA, que, e ao contrário do que muito boa gente pensava, isso significava miséria. E expliquei porquê. Até ver, mantenho o que disse, porque apesar da louvável iniciativa da Câmara de Paços, que finalmente percebeu (?) o que realmente importa, e apesar do entusiasmo empenhado de Lars Engman, Paços de Ferreira não é um IKEA, não é uma entidade una; são centenas de produtores de móveis, cada um per si. O primeiro passo a dar em Paços, e o crucial, vai ser unir toda aquela gente pelo mesmo objectivo. Oxalá me engane...
A outra ideia base subjacente à entrevista resume-se assim: «Numa viagem à Suécia, Rui Coutinho, chefe de gabinete do presidente da câmara, arranjou maneira de “ter dez minutinhos para falar” (negrito meu) com Lars (…)». O poder político / autárquico…