"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
As pessoas não querem trabalhar 10, 12, ou mais horas por dia, a horários impróprios com impróprias horas de refeição, com dias de folga que não lembram ao diabo e com férias quando ninguém as quer ter, a aturarem desde a maior besta do mundo ao cavalheiro mais simpático e educado, com contratos de trabalho a termo incerto e na maioria apalavrados, pelo preço de um salário mínimo nacional e gorjetas a dividir por todos. A solução passa por pagar-lhes, no mínimo, salários de hospedeira, já que servem "cafés, laranjadas e chás"? Nope, "a solução para esta falta de mão-de-obra passa por um programa de imigração organizado", Odemiras a perder de vista, se calhar apoiadas pelo Governo e subsidiadas com o dinheiro dos impostos dos que ganham de salário de hospedeira para cima.
O salário nunca ser tido nem achado na equação já não causa surpresa a ninguém. Numa zona do país há décadas sangrada para a emigração a solução passa trazer imigrantes, com a benção da câmara municipal, uma Odemira a norte. Não ouviram o Joe Biden, não sabem falar 'amaricano'.
"Todas as empresas do setor, sem exceção, estão a necessitar de pessoal para satisfazer encomendas, mas não encontram. Está a ser dramático."
A dona Maria Guilhermina, da Casa Botónia no Porto, desmonta o parlapié da direita do tugão das empresas que criam riqueza, do cortar na massa salarial e do despedir em tempos de crise.
Até aos anos 80 do século passado era assim a paisagem nas colinas e montes que rodeiam a cidade de Setúbal [na imagem retirada do livro Fartas de Viver na Lama- 25 de Abril. O Castelo Velho e outros bairros], barracas feitas com as caixas dos carros Austin Morris que eram montados na fábrica de Setúbal, operários especializados, com salário e descontos para a Segurança Social, a produzirem carros para a exportação mas sem rendimento que permitisse a compra ou o aluguer de uma habitação condigna. A mulher, quando não ficava em casa, andava na casa de outros "a dias" ou na indústria conserveira quando o apito da fábrica tocava à chegada dos barcos. Os putos cresciam lá em cima, uns com os outros, ao Deus-dará, os índios.
47 anos depois dos 48 anos antes o estudo A Pobreza em Portugal – Trajectos e Quotidianos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz-nos que em Portugal pelo menos 11% dos trabalhadores são pobres, apesar de terem trabalho e salário certo ao fim do mês. Mais de um terço dos pobres em Portugal são trabalhadores, a maioria dos quais com vínculos estáveis e salários certos ao fim do mês.
E isto tem um nome. E já cansa repetir. E cansa a ladaínha do "portugueses de bem", do "vai para a tua terra", do "povo honesto" que serve para desviar o foco, meter o miserável a olhar para baixo, contra o ainda mais miserável, aquele que na canção do Gabriel, O Pensador, tem como objectivo na vida "morar numa favela".
O célebre "temos de fazer mais com menos" com que Pedro Passos Coelho nos brindou durante os quase cinco anos de Governo da troika explicado com um desenho.
E agora como é que vamos lutar contra o capitalismo em França, Alemanha, UK, Luxemburgo, Suíça, etc. , que dá emprego e paga salários justos aos injustiçados do capitalismo em Portugal, sem desestabilizar o sistema económico e social em cada país, já que o argumento terá obrigatoriamente de passar por mais emprego e salários mais justos para os nativos, pressionados pela emigração portuguesa, e com isso criar uma onda xenófoba e racista como reacção?
"E o Sol brilhará para todos nós"? [E a Venezuela aqui tão perto].
Cortaram o subsídio de desemprego, no valor e na duração, e ainda o Rendimento Social de Inserção porque era preciso obrigar os manhosos e os calaceiros a saírem de casa para procurar os empregos que não havia.
Cortaram os dias de férias, reduziram feriados e aumentaram o horário de trabalho porque era preciso trabalhar mais e ganhar menos para recuperar um país.
Cortaram o valor a pagar pela hora extra e dia feriado e ainda os valores das indemnizações a pagar por despedimento porque era urgente fazer mais com menos e dar sustentabilidade às empresas que é quem cria riqueza e emprego.
Aplicaram taxas e contribuições sobre o IRS, o subsídio de férias e o subsídio de Natal, vulgo 13.º mês, porque o dinheiro não chegava para nada e havia que cumprir perante os credores que nos salvaram da desgraça.
Depois disto tudo o primeiro-ministro vem a público lastimar-se que a reforma que havia deixado por por fazer tinha sido a de baixar os custos do trabalho e ganha as eleições poucos meses depois.
Só temos o que merecemos e ainda assim foi pouco.
Portugueses trabalham mais horas e têm menos férias do que a média europeia
Exactamente o mesmo princípio que levou a direita radical no Governo da Troika a cortar o subsídio de desemprego para obrigar os "malandros", os "calaceiros", os "chulos da sociedade" a procurarem o trabalho que não havia nas empresas que todos os dias fechavam as portas.
A gente lê e não acredita na desonestidade intelectual de quem vê desde sempre os portugueses a cruzarem fronteiras em busca de melhores salários no estrangeiro.
Aparece um senhor em nome da Altice, diz que é o dono, nas televisões a falar português de Portugal, a prova provada de que é possível ficar rico a trabalhar, ou a personificação do Tio Patinhas de Walt Disney, ganhou um tostão, guardou-o numa redoma e a partir daí foi um vê se te avias, até ficar dono de um império, que veio, vieram, para Portugal para fazer investimento, criar riqueza, para os bolsos quem, não disse, para criar emprego, mas os portugueses, esses madraços, com o Governo das esquerda à cabeça, socialista, estalinistas, trotsquistas e outras coisas terminadas em "istas", maléficos como o caralho, não querem. Não querem. Não querem. Sem que nenhum "jornalista", entre aspas e fora de aspas, lhes pergunte "ó faxavor, então se vêm para Portugal para criar emprego porque é que vão despedir três mil?".