"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Uma vez em Soissons, pequena cidade a norte de Paris, perguntei a um emigrante português porque é que recebia em casa o jornal da, à época, Frente Nacional, e votava na Marina se o partido tinha um discurso xenófobo e anti-emigração. Respondeu-me que eles, os portugueses, não eram emigrantes, emigrantes eram "os árabes e os pretos". Lembrei-me disto ao ler que o Attal apelou ao voto dos luso-descendentes contra o Rassemblement National que quer dividir os franceses por nacionalidades.
Sempre me fez espécie o fenómeno emigrante, dos estádios cheios, do orgulho numa pátria que os expulsou por não querer saber deles, a diáspora do quanto mais me bates mais gosto de ti. Ainda mais espécie me faz ver o acolhimento dispensado a Luís Montenegro, o personagem sem passado, "o meu passado chama-se Passos", o que apontou a porta da emigração, "há que sair da zona de conforto", o do "brutal aumento de impostos", que Montenegro fez o pino a defender no Parlamento enquanto líder da bancada para lamentar, o monte negro que no estrangeiro acusa o socialismo de carregar as pessoas com impostos. "Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal".
Sábado vou ao Mercado do Livramento em Setúbal, mercado de produtores, e a batata que era a 1€ continua a 1€, a cenoura que era a 1€ continua 1€, a laranja que era a 1€ continua a 1€, os ovos que eram a 3€ a dúzia continuam a 3€ a dúzia, a alface que era a 1€ continua a 1€, a cebola que era a 1 € continua a 1€, a pera rocha que era a 1€ continua a 1€, e por aí fora, parece aquelas lojas que havia dantes, as do tudo a 300, e os outros, os que vão ao hiper, vão poupar 1€ e picos no cabaz de compras e ficam todos contentes por continuarem a pagar mais caro que eu. É destes que os Lobos Xavieres desta vida gostam. "Sobre a terra, sobre o mar".
José Nuno Martins, no “27 Mil Dias De Rádio” da Antena 1, recupera uma Conversa em Família em que Marcello Caetano, por alturas do Natal, pisca o olho às remessas dos emigrantes.