"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
"Macron está a fazer um belíssimo trabalho a Le Pen" é o mantra por estes dias nas redes sociais no tugão. Independentemente do subjacente "devíamos ficar todos quietinhos e caladinhos, não protestar nem reivindicar, para a extrema-direita não ganhar expressão", curiosamente o mesmo argumento usado por Cavácuo no auge da escalada dos juros da dívida, evitar o "ruído" para não acordar os "mercados, isto devia envergonhar-v[n]os profundamente, uma vez que a questão devia ser "porque é que é a Le Pen a capitalizar com o Macron e não a esquerda?".
Fazendo o câmbio de francos para escudos, "este Governo PS está a fazer um belíssimo trabalho para o Ventas". E uma vez que o PCP anda perdido por Moscovo enquanto tem os minions nas redes com o discurso radicalizado de que o Livre não é de esquerda nem conta para uma governação à esquerda, porque é que é o Chaga a capitalizar e não o Bloco ou o Livre?
Quarenta e oito horas depois Bolsonaro, sem felicitar o vencedor e sem assumir a derrota, piou. Quarenta e oito horas depois de líderes mundiais terem felicitado felicitam Lula pela vitória em eleições livres, justas e credíveis. De Marcelo e Costa a Pedro Sánchez, de Macron a Boric, de Arce a Obrador, de Biden a Putin, de Trudeau a Ramos-Horta. Bem sabemos que a história não é feita de "ses" mas e se a comunidade internacional, em todas as latitudes e em todas as famílias políticas, não tivesse rapidamente congratulado Lula qual teria sido o pio de Bolsonaro quarenta e oito horas depois de derrotado nas urnas?
[Link na imagem "Brazil's President and presidential candidate Jair Bolsonaro speaks after the results of the first round of Brazil's presidential election, at the Alvorada Palace in Brasilia , Brazil. Reuters/ Ueslei Marcelino]
Vitória da civilização sobre a barbárie, dia triste para o neo-fascismo e sobretudo ilusionistas liberais, sonsos, que na vergonha de se declararem bolsominions não sabiam escolher entre um democrata e um fascista.
Marcelo chega a Angola para a tomada de posse de um presidente saído de eleições sob acusação de fraude por parte da oposição e declara "tanguirize" que em 2015 lá em Portugal também houve uma discussão sobre quem devia formar governo, se quem tinha ganho as eleições, se quem tinha maioria no Parlamento. Como Marcelo é professor catedrático de Direito, foi presidente do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e, em princípio, é um democrata que sabe distinguir o sistema parlamentar constitucional português e a formação de maiorias parlamentares que suportam governos de uma chapelada eleitoral, estas declarações só podem ser interpretadas à luz do cognome "Papagaio-mor do Reino" e não têm mais gravidade que isso.
Diz o take da Lusa que o filho de Baltazar Rebelo de Sousa recusa comentar as eleições em Angola, não por ser um Estado independente e soberano, mas por o processo eleitoral ainda estar a decorrer. Depois tudo o que é jornal, rádio e televisão, repete o take da Lusa, e tornam a repetir o take da Lusa, de microfone estendido à roda de Marcelo, já em território angolano à saída do aeroporto em Luanda. E Marcelo repete o take da Lusa e recusa comentar o processo eleitoral que ainda decorre. E o tabu dura quarenta e oito longas horas até alguém com sentido de Estado se ter lembrado de chamar o Presidente da falta de noção à razão, e jornalista não foi de certeza, tal a vertigem mediática para o espectáculo circense. Estas coisas deviam deixar-nos profundamente envergonhados ou, no mínimo, embaraçados, mas a seguir o artista sai aos beijinhos, de telemóvel em punho para a selfie, e toda a gente encolhe os ombros "tadinho, é assim mas não é má pessoa, o que é que se há-de fazer?".
"Desculpa ter de te interromper mas temos de ouvir as declarações do Presidente [Marcelo] sobre as eleições em Angola. Olha, afinal não." João Adelino Faria para Paulo Dentinho no telejornal da RTP.
Local resident Jim Finn, holding 8-month old daughter Allegra Finn, casts his ballot on the morning of the national election at a Bondi Beach polling station in Sydney, Australia, May 21, 2022. Reuters/ Loren Elliott
"A ministra da Administração Interna, Francisca Van Dunem, anunciou que os eleitores em confinamento obrigatório vão poder sair de casa no dia 30 "estritamente para votar"."
A woman shows her ink-stained finger after casting her vote at a polling station during the parliamentary election, in Najaf, in Iraq. Reuters/ Alaa Al-Marjani
Porque é que ser de um concelho tradicionalmente comunista é vacina contra a ciganofobia, reflectida no score eleitoral do Ventas, nos concelhos da raia alentejana e nos urbanos da margem sul do Tejo onde essa comunidade tem forte implantação?
O CDS "ganhou" as presidenciais. Duas vezes na mesma noite, primeiro com António Carlos Monteiro e depois com o Chicão, a fugir para a frente do Chiquinho que o partido já é.
O PS "ganhou" as eleições, mesmo quando perdeu o respeito por si próprio ao meter Carlos César a reclamar vitória e a apontar que o perigo do neofascismo é para o PSD e não para o país.
O PCP perdeu as eleições. Ponto final. E disse-o preto no branco.
O Bloco perdeu as eleições. Por abada. E tornou a perde-las quando aos 30 segundos de discurso Marisa Matias decide invocar o Ventas do Chaga, vá-se lá saber porquê. Quando o Ventas não fala falam os outros no Ventas.
O PSD "ganhou" as eleições. E no discurso da vitória, Rui Rio, excitado e aos gritos, fez o discurso da vitória do Ventas.
O Mayan liberal "ganhou" as eleições. Dobrou o resultado das legislativas, tinha 1 e picos por cento passou para 3 e picos por cento. A onda liberal a fugir por umas décimas à onda calceteira do Tino a morder-lhe os calcanhares.
António Costa "ganhou" as eleições. E veio logo todo lampeiro parabenizar Marcelo reeleito sem perceber que hoje é o primeiro dia do resto da sua vida.
O Ventas ganhou as eleições. Sem aspas como os outros. Recuperou os votos dos desiludidos do "isto é tudo a mesma merda", "querem é todos tacho", a minha política é o trabalho", "isto queria era um novo Salazar". Recolheu os voto da ciganofobia, é circular pelas estradas da raia alentejana entre Serpa e Marvão para se perceber o score do rato de esgoto. Recolheu os votos das outras fobias todas, do medo dos outros. E os votos dos esquecidos no Portugal profundo. Abriu a boca para a habitual enxurrada de javardice, reclamou ser um enviado de Deus e em boa hora as televisões cortaram-lhe o pio.
Estou em isolamento profilático. Termina na quarta-feira, na verdade. Mas estou a pensar ir votar. Se for vou super armadilhado. Em minha casa estamos todos iguais porque isto foi um jantar que aconteceu cá em casa.
João Miguel Tavares, Comissário Marcelista para o Dia da Raça em Portalegre, no "Governo Sombra" na SIC Notícias.